Em comum, eles só têm a geografia: nasceram no Rio Grande do Sul, mas em épocas diferentes, como diferentes também são seus estilos e suas visões de mundo. O primeiro, Álvaro Moreyra (1888-1964), era natural de Porto Alegre, mas desenvolveu a maior parte de sua vida literária no Rio de Janeiro. Foi, acima de tudo, um poeta de alma sensível e espírito otimista. O título de seu livro de memórias é bem sintomático: As Amargas, não...
O segundo, José Hildebrando Dacanal (73 anos), nascido em Catuípe, é um intelectual inquieto e combativo, muitas vezes corrosivo, que começou no jornalismo e hoje é professor de línguas clássicas, em Porto Alegre. Em seu livro de memórias, A Capela de Três Vendas de Catuípe, diz já ter percorrido uma longa jornada em busca de si mesmo, "entre o mundo agrário, regido pelo ciclo das estações, e o mundo urbano-industrial".
OS EPITÁFIOS
O que há de curioso em Álvaro Moreyra é que ele deixou um projeto de nada menos do que 18 inscrições para o seu túmulo: 1) Que silêncio, hein! 2) Senta-te, e pensa, se também estás sozinho. 3) ... e um resto de alegria... (Gastei muito.) 4) Apenas peço migalhas de pão para os pardais. 5) Parei de rir. Parei de chorar. Morri? 6) Amei tanto a vida! Não é possível que eu esteja morto. Verifiquem... verifiquem... 7) Não contem anedotas. Sei todas. 8) O canto é o mesmo. Mas, agora, sem palavras. 9) Com certeza, sinto falta do mar. 10) Eu também devia ter voltado como cheguei. Não foi possível. 11) Foi para isso então? 12) Não tenham mais medo. Já podem dizer todo o bem que sabem de mim. 13) O grande domingo! 14) Realizei o desejo: a casa de campo. 15) Afinal, envelheci. 16) Escutem: agora, sou apenas uma alma. Sabem lá o que é isso? 17) Não tragam flores. Plantem uma roseira aqui. 18) Obrigado.
Mais estranho é o epitáfio que Dacanal, há cinco anos, mandou gravar em oito pedras de mármore, que se encontram no museu de Catuípe, medindo cada uma 1,8 metro de altura por 80 centímetros de largura, com uma longa inscrição em oito idiomas: português, inglês, francês, alemão, espanhol, italiano, grego e latim.
"Daqui, das grotas de Três Vendas de Catuípe, um dia ele partiu, ignoto filho do velho mundo imigrante, para percorrer o planeta e alçar-se aos píncaros alcandorados da elite do Ocidente. E um dia, qual Ulisses redivivo, deixadas para trás borrascas e procelas, para cá retornou, e encontrou a paz. Como em um sonho, reconstruiu seu mundo e com suas próprias mãos o demoliu, tornando-se dele o mais luminoso exemplo e o mais lapidar epitáfio. Caminhante, diz em Esparta que ele cumpriu seu destino."