Com a suspensão dos prazos dos processos físicos e as demais dificuldades impostas pela pandemia de coronavírus ao judiciário, a mediação e a conciliação online têm sido potencializadas pelas cortes gaúchas e instituições ligadas à Justiça para solucionar conflitos mais rapidamente.
A suspensão de atividade presenciais nos tribunais fez com que essa ferramenta – já utilizada antes da covid-19 – recebesse ainda mais atenção. A realização de audiências por videoconferência e a utilização do WhatsApp e e-mail têm sido frequentes para evitar ou abreviar a tramitação de ações judiciais.
Justiça do Trabalho
Na 1ª instância da Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul, foram realizados 17.403 acordos entre janeiro e junho. No Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região do Rio Grande do Sul (TRT-RS), foram outros 785, boa parte por videoconferência ou até mesmo por WhatsApp.
Também na tentativa de evitar a tramitação de um processo judicial, o TRT-RS busca, quando possível, a chamada mediação pré-processual. No primeiro semestre, foram 74 pedidos de mediação, com 199 audiências realizadas. Até o momento, houve êxito em 25 negociações, 12 terminaram sem acordo e 37 seguem em andamento.
São negociações entre sindicatos de trabalhadores e sindicatos de empresas. Estimativa da corte é que mais de 350 mil trabalhadores foram envolvidos nas negociações.
– Num primeiro momento se enfrentaram questões básicas de fornecimento de álcool gel, máscaras e equipamentos de proteção dos trabalhadores. E depois foram abordados os temas relativos à suspensão do contrato, redução de salário e de jornada. E atualmente as mediações estão sendo realizadas no sentido de evitar os efeitos futuros da pandemia no que diz respeito à economia para próximo ano e os impactos da redução do crescimento do PIB na proporção que se projeta de 8% para todas as categorias profissionais – destaca o vice-presidente do TRT-RS, desembargador Francisco Rossal de Araújo.
Importância da mediação
O ex-presidente do TRT-RS e sócio da área trabalhista do escritório Souto Correa Advogados, Flavio Sirangelo, observa que a mediação pode ser uma opção interessante para a gestão dos negócios no contexto da crise instalada pelo covid-19.
– Embora não seja a solução para todo e qualquer caso, é uma ferramenta que pode servir para resolver situações de conflito de maneira mais rápida e satisfatória para as partes envolvidas. Os processos contenciosos tradicionais podem se tornar dramáticos, por vezes, tanto para empregados como para empregadores, pelo tempo de espera, pelos custos e pela incerteza gerada por essa prolongação da relação conflituosa. Para quem empreende, é sempre melhor ocupar o tempo gerenciando o negócio do que administrando litígios judiciais – afirma.
Mediação x conciliação
O advogado Luís Alberto Peretti explica que a mediação distingue-se da conciliação através da técnica utilizada para a realização dos métodos:
– A conciliação destina-se a resolver conflitos de forma célere, normalmente disputas mais singelas ou quando o relacionamento entre as partes é menos duradouro ou intenso. É um processo voltado a resolver um acordo, através de propostas coordenadas por um conciliador. Na mediação, estão envolvidas duas partes que já possuem uma relação anterior e cabe ao mediador entender o que ambos os lados querem, como podem decidir conjuntamente. Neste caso, o terceiro envolvido não deve propor soluções, mas fazer com que as partes cheguem ao acordo – ressalta.
Defensoria Pública
A Defensoria Pública do Estado também tem intensificado a busca por entendimento entre as partes durante a pandemia papara evitar demandas judiciais. A Câmara de Mediação de Família da instituição, por exemplo, realizou, entre 29 de abril e 30 de junho deste ano, 125 sessões de mediação no formato online.
Além de seguir na nova modalidade – antes da pandemia as sessões eram presenciais – a Câmara ainda registrou aumento de 76,9% no número de acordos em relação ao mesmo período do ano passado. O levantamento ainda apontou que, no período, foram concluídos 92 acordos, 11 entendimentos provisórios, 17 atendimentos e orientações jurídicas e realizadas cinco chamadas constelações familiares online – recente prática de mediação de conflitos oferecida pela Defensoria Pública.
– Após cada sessão de mediação, fazemos uma pesquisa de satisfação. Grande parte dos participantes relatam que adoraram o formato online por ser eficiente e economizar no transporte e no deslocamento das partes – destaca a coordenadora da Câmara de Mediação de Família, Patricia Pithan Pagnussat Fan.
Na Câmara de Conciliação da Defensoria – unidade criada em 2018 que realiza negociação de dívidas de bancos, lojas, aluguel e condomínio, por exemplo – foram realizadas 35 sessões neste ano.
– O acordo, com a assinatura do defensor público, tem força de sentença. Ou seja, vale como título executivo extrajudicial, não sendo necessária homologação judicial. Se houver descumprimento em algum acordo feito entre as partes, o próprio defensor pode executar. A lei prioriza a atuação extrajudicial e a Defensoria Pública já está atuando de forma a fornecer o acesso à Justiça com meios efetivos aos cidadãos – relata a coordenadora da Câmara de Conciliação, defensora pública Ana Carolina Sampaio Pinheiro de Castro Zacher.
Durante a pandemia, as sessões estão sendo realizadas por meio de videoconferência entre as partes ou até mesmo por e-mail.
– Um exemplo é o caso de uma revisional de contrato de crédito com uma financiadora. O nosso assistido nos procura, a Defensoria Pública entra em contato com a empresa; negocia, recebemos a proposta e, caso esteja de acordo, finaliza-se com as assinaturas digitais. Em diversos casos, os acordos são resolvidos apenas com trocas de e-mail – complementa.
Tribunal Regional Federal da 4a Região
No Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF4) – 2a instância da Justiça Federal dos três estados do Sul -, foram homologados acordos em 982 processos entre janeiro e julho. Na Justiça Federal do Rio Grande do Sul, houve 7.569 sentenças homologando negociações. Temas ligados à previdência e à poupança são os principais negociados. Todas as conciliações foram virtuais, por meio de videoconferência e utilização do WhatsApp para facilitar o acesso das partes.
- As conciliações constituem fundamental estratégia do Poder Judiciário para a resolução de demandas, e cada vez serão mais importantes diante dos desafios que teremos por conta das múltiplas demandas que provêm e provirão da pandemia – destaca Marcelo Cardozo da Silva, juiz federal auxiliar do Sistema de Conciliações do TRF4.
Procuradoria-Geral do Estado
Outro exemplo de busca por acordos durante a pandemia é a iniciativa realizada pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Está aberta até 17 de julho a maior rodada de negociação de precatórios já realizada pelo Estado. Podem participar dessa rodada de negociação credores de títulos do Tribunal de Justiça do RS (TJRS) e do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), inscritos para pagamento nos orçamentos de 2005 a 2009 e que tenham sido convocados em atos no Diário Oficial do Estado.O deságio para quem aceita o acordo é de 40% do valor do crédito.