Um desavisado que chegasse ao município de Teutônia na tarde de quinta-feira (14) poderia até pensar que houve um engano e que, na verdade, o calendário marcava domingo. Incluída na zona de maiores restrições para o enfrentamento ao coronavírus, a cidade tinha ruas quase vazias em alguns momentos e pouco movimento em locais que costumavam ser de grande circulação.
Em uma das esquinas que, usualmente, registrava maior fluxo de pessoas – a Major Bandeira com Três de Outubro, no bairro Languiru –, era possível ver momentos em que nenhum carro passava.
—Até a semana passada as ruas estavam bastante movimentadas, e nesta semana mudou bastante. A sensação de medo aumenta, não é uma coisa legal para um município tão pequeno — conta a dona de casa Diana Mara de Oliveira, 45 anos, que havia saído de casa para compras de mercado.
O clima de domingo passou a ser realidade depois que o município recebeu bandeira vermelha do governo do Estado no último fim de semana, assim como outros da região. A cidade com população estimada de 33,2 mil habitantes está incluída na zona de Lajeado, o Vale do Taquari, onde o governo entende que há alta ocupação do sistema de saúde.
A avaliação de que o plano de bandeiras foi injusto para o município não é apenas da população. Com muitas atividades econômicas impedidas de funcionar, a prefeitura preocupa-se com o futuro:
— Nosso medo é que a economia não é que nem torneira. Não pode abrir e fechar a qualquer momento. Esse abre e fecha tem muitas variáveis, e as pessoas não sabem o que fazer. As empresas não podem ficar ajustando o seu negócio a cada semana. Nos sentimos penalizados — lamenta o prefeito Jonatan Brönstrup.
O governo do Estado diz que foram usados critérios técnicos para a escolha das bandeiras, como a velocidade de propagação do vírus e a ocupação hospitalar da região. Conforme a assessoria de imprensa, não haverá flexibilização ou troca de bandeira individual — a mudança do status de cada região é feita aos finais de semana.
Adaptação em restaurantes para seguir atendendo
Nas ruas, a maior parte das pessoas que segue circulando usa máscaras. O acessório de proteção individual é usado dentro e fora dos estabelecimentos que têm o funcionamento permitido – a medida havia sido decretada pela prefeitura em 24 de abril, antes ainda do decreto estadual.
Em alguns pontos, as pessoas esperam do lado de fora dos estabelecimentos, distanciando-se uma das outras. É o caso do Restaurante Nüscke, que recebia grande número de clientes por volta do meio-dia de quinta. Na porta, a inscrição “Pedidos aqui” indicava o funcionamento do fluxo de atendimento. Na janela aberta, Daniel Nüscke, 31 anos, entregava os pedidos feitos na hora ou de forma online.
— Em março, chegamos a fechar, achando que logo passaria, mas as contas continuaram vindo e voltamos a trabalhar, obedecendo as regras. Até a semana passada, a gente tinha atendimento presencial, e agora, com a bandeira vermelha, não. Começamos a ser mais criativos e isso tem nos ajudado bastante. A gente mudou o cardápio e estamos efetuando combos, com mais opções, como salada de frutas e doces. O pessoal compra é com os olhos — relata o sócio-proprietário, que administra o local com a irmã Arlete.
Os restaurantes a la carte e prato feito, além de lanchonetes e padarias, só podem manter o atendimento no formato de telentrega ou pegue e leve, com 50% dos trabalhadores. Já os que oferecem buffet não podem atender. Além de causar mudança na rotina dos estabelecimentos, o impacto foi sentido também pelas pessoas que seguiram trabalhando, como Sabrina de Freitas, 31 anos:
— Tento agendar antes para facilitar e não afetar meu intervalo. Está sendo bem diferente. A gente ficou um pouco surpreso (com a bandeira vermelha), porque bem antes de começar a usar a máscara o pessoal já estava se cuidando — comenta a auxiliar de escritório.
Localizado no bairro Languiru, um dos mais movimentados, o Hotel e Restaurante União viu o fluxo de pessoas cair a cada dia. A média de atendimentos diários para refeição era de 130 a 150 pessoas e agora gira em torno de 20 a 30.
No local, o serviço oferecido no formato de buffet precisou ser completamente modificado: a estrutura segue montada, mas apenas um funcionário usando máscara serve a comida, sem que o cliente possa se aproximar:
— Quem vem é um ou outro funcionário que trabalha perto. Está muito difícil. Não vínhamos atuando com telentrega e agora estamos iniciando. Mas nosso giro alto era o de todo o dia, porque estamos no meio da cidade e somos conhecidos em tudo que é lado — lamenta o proprietário Lauri Edmundo Hergemoller, 65 anos.
O hotel também foi afetado: o funcionamento só é permitido com 40% dos quartos, conforme o decreto que regulamenta a bandeira vermelha. Cinco dos cerca de 15 funcionários tiveram suspensão do contrato por dois meses.
Lojas e serviços fechados
Vitrines mostram os produtos à venda, mas as portas das lojas deixam à vista as placas que ninguém queria pendurar: “Fechada”. Por causa do decreto estadual, o comércio varejista de rua não essencial não está permitido.
Evandro Brum de Oliveira, 46 anos, trabalha como segurança em uma loja que permanece aberta. Para ele, as ruas calmas chamam a atenção pelo contraste com o vaivém habitual:
— Está diferente. O pessoal em si está de máscara, respeitando as restrições, mas não tem muita gente na rua. Foi difícil para os comerciantes.
As lojas que podem abrir são as que vendem produtos essenciais, mas o comércio atacadista de rua não essencial pode atender com telentrega ou pegue e leve — diferentemente do varejo. Outras modalidades, como comércio de veículos, têm o funcionamento autorizado, mas com restrição.
Os serviços também tiveram de fechar as portas, causando insegurança para os empresários. É o caso, por exemplo, das academias, que estavam abrindo até a última semana. Dirlei Broenstrup, 38 anos, estava no meio de processo de mudança de casa quando teve sua forma de sustento interrompido. Apesar de a esposa seguir trabalhando, ele demonstra apreensão:
— As aulas estão zeradas e a gente não tem renda, porque não tem como manter outros tipos de atendimento para artes marciais. Estou tentando falar com o proprietário do imóvel para reduzir o aluguel. É difícil, mas estou bem confiante de que a cor da bandeira vai mudar. Teutônia não é o caso de ser bandeira vermelha — acredita o dono da academia Mão de Pedra.
Salões de beleza, barbearias, igrejas e templos também estão fechados. O mesmo ocorre com agências de turismo, casas noturnas, bares, teatros e cinemas.
Demissões no setor calçadista e preocupação com economia
Responsável por 25% da mão de obra na cidade, o setor calçadista já registra cerca de mil demissões, conforme estimativa da prefeitura. Atualmente, são aproximadamente 4 mil trabalhadores, divididos em grandes fábricas e pequenos ateliês.
Na tarde de quinta-feira (14), a reportagem de GaúchaZH circulou pelo bairro Canabarro, onde concentram-se a maior parte das calçadistas. Nos locais encontrados abertos — IVW e Costura Amaral —, os funcionários trabalhavam de máscaras, com portas e janelas abertas para a ventilação dos ambientes. Nos dois locais, a administração garantiu haver redução de funcionários, com distribuição de álcool gel.
— Lá em março, as empresas pararam por ao menos 15 dias. Foi uma parada estratégica para adequação do trabalho. Funcionou bem, porque não temos, até agora, nenhum caso de coronavírus confirmado nesses locais. Mas as demissões estão aumentando — lamenta o prefeito Jonatan Brönstrup.
José Henrique Webers, 46 anos, foi demitido do setor calçadista e, na quinta-feira, aguardava a esposa retornar de dentro do prédio da Caixa, onde buscava o auxílio emergencial de R$ 600.
— Eu e ela fomos demitidos porque a gente estava há pouco tempo. Está bem ruim. Depois da demissão (há dois meses), sofremos um acidente de carro e uma das minhas filhas, de 10 anos, quebrou o fêmur. Está complicado. Não estamos conseguindo pagar aluguel, luz, água, nada. Já fui atrás, mas não estão contratando em lugar nenhum.
A Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Teutônia preocupa-se com o futuro da economia na cidade.
— Está tudo muito confuso na cabeça do empreendedor, e o mais prejudicado será o pequeno comércio. Achei importante haver um decreto estadual, mas alguns cortes (na divisão de regiões) geram injustiça. Se conseguíssemos fazer uma abordagem para municípios menores, que têm um perfil diferente de comércio, conseguiríamos salvar muitas empresas — defende o presidente Airton Kist.
— Temos confiança de que, com nosso esforço, a cor da bandeira poderá mudar. Foi uma eternidade ficar uma semana na bandeira vermelha. Quem sabe poderia ser de três em três dias, ou até diariamente — sugere o presidente da Associação dos Municípios do Vale do Taquari, Marcos Martini, também prefeito de Nova Bréscia.
Número baixo de casos confirmados
Balanço da Secretaria Estadual de Saúde (SES) aponta 21 casos de coronavírus em Teutônia até a manhã desta sexta-feira (15). Na contagem da prefeitura, são 30. Nenhuma morte foi registrada.
Segundo a Vigilância Sanitária, não há um perfil específico dos doentes, mas o levantamento inicial indica que grande parte está entre pessoas de 20 a 55 anos que trabalham ou viajaram para outras localidades.
A cidade conta com um hospital, o Ouro Branco, que disponibiliza 18 leitos clínicos isolados para coronavírus, além de outros três semicríticos, com respirador. Em caso de UTI, no entanto, os pacientes são encaminhados para Lajeado ou Estrela – ou até para outras cidades, se essas estiverem superlotadas. A UTI de Lajeado estava com 83% de ocupação e a de Estrela, 75%, na tarde desta sexta-feira.