Com a confirmação de mais duas mortes por coronavírus na quarta-feira (22), o município de Passo Fundo, no Norte gaúcho, chegou a seis óbitos em menos de um mês. Desde o dia 9 de abril, quando o primeiro paciente morreu pela doença, a prefeitura vê o número de casos aumentar e preocupa-se com a rapidez com que o vírus tem avançado.
O governador Eduardo Leite e a secretária estadual da Saúde, Arita Bergmann, informaram na tarde desta quinta-feira (23) que existe um "surto" de contaminação por coronavírus na região de Passo Fundo, cidade polo que registra números significativos de infectados e mortos, atrás apenas de Porto Alegre. O município está com 59 casos confirmados e seis óbitos. A vizinha Marau, distante pouco mais de 30 quilômetros, também registra números elevados: são 31 testados positivos e um óbito. A expressão surto costuma ser usada quando novos casos de uma doença se concentram em determinado local ou região.
— Temos um caso específico em Passo Fundo de contágio em local de trabalho em uma empresa. Isso está sendo apurado e investigado, tem acompanhamento do Ministério Público do Trabalho (MPT) também. Toda atenção esta sendo dada a Passo Fundo — disse Leite, em transmissão ao vivo via redes sociais.
Segundo a secretária da Saúde do município, Carla Gonçalves, pelo menos seis casos foram confirmados, e dois familiares de trabalhadores do local morreram. Os primeiros casos não foram confirmados na empresa, mas a secretária teme que a grande circulação de pessoas tenha ajudado a espalhar:
— É uma empresa que emprega um grande número de funcionários, e nós estamos tentando identificar, com a ajuda de outros setores, se houve algum tipo de negligência. Nós fizemos visitas ao local e identificamos problemas, como grande circulação de pessoas sem medidas preventivas e aglomerações.
Arita disse que a Vigilância em Saúde analisa o surto e que uma nota informativa será emitida ainda nesta quinta. A secretária informou que essa nova onda de infectados na região acomete "trabalhadores jovens". Em Passo Fundo, a indicação é de que o foco de transmissão teria ocorrido em uma grande indústria, mas não foi revelado nenhum nome.
Além disso, o fato de Passo Fundo ser um polo regional de saúde é apontado como outro motivo possível para a maior circulação do vírus.
— Muitos pacientes são referenciados para cá, vários municípios da região dependem daqui. Alguns dos óbitos de Passo Fundo, eventualmente, podem ter se originados nesses vizinhos que aqui buscam atendimento para os casos graves. Temos outros focos importantes na região, como Marau. Se falarmos de procedimentos de alta complexidade, Passo Fundo é referência para uma área de 1 milhão de habitantes — diz Julio Cesar Stobbe, professor da Faculdade de Medicina e diretor do campus da Universidade Federal da Fronteira Sul.
A cidade de Passo Fundo tem dois hospitais de referência para o atendimento da pandemia: o Clínicas e o São Vicente de Paulo.
Outra possível razão para o alcance da pandemia na cidade é a sua característica econômica.
— A cidade é movida pelo polo da saúde, prestação de serviços e comércio, não tanto na indústria. Há, portanto, uma pressão maior pela retomada do comércio, que ocorreu na sexta-feira anterior, algo que entendo como temerário. E muita gente que mora em Passo Fundo trabalha na indústria em cidades vizinhas. Essa ida e volta e mais a força do comércio criam uma circulação de pessoas muito grande, que pode ter contribuído — avalia o deputado estadual Mateus Wesp (PSDB), que é de Passo Fundo.
A possível maior realização de testes da covid-19 no município também é levantada como hipótese para os números.
— Neste sentido, eu concordo com a percepção do prefeito (Luciano Azevedo). Ele diz que Passo Fundo faz um grande número de testes em pacientes. Tem muita cidade pequena que praticamente não faz teste. Isso é uma realidade, e temos dois hospitais grandes aqui na cidade, o Clínicas e o São Vicente de Paulo. Toda a região cai nesses hospitais, e ambos realizam os testes. É uma percepção com a qual concordo — diz Paulo Ferenci, presidente do Hospital de Clínicas de Passo Fundo.
Além de Marau, o município recebe pacientes de outras cidades relevantes, como Soledade, Carazinho e Erechim, entre outras.
Prefeitura também busca respostas
Além do surto em uma empresa, um conjunto de outros fatores também é levado em conta na hora de entender por que o vírus avançou tão rapidamente – a cidade é a segunda com maior número de casos e mortes no Estado. Uma das explicações passa pela interdependência e proximidade de cidades próximas com Passo Fundo, funcionando como uma espécie de região metropolitana, com constantes deslocamentos. A outra tem relação com a idade das pessoas doentes:
- A circulação de pessoas é muito intensa, e acredito que isso possa ter influência nesta disseminação. Um dos casos de Passo Fundo era de um familiar de um morador de uma cidade próxima. Outra questão importante é que as pessoas doentes são economicamente ativas, ou seja, trabalham em setores essenciais que não tinham parado. Isso acaba influenciando na circulação do vírus – diz a secretária.
A prefeitura lembra que tem uma ampla taxa de testes: 170 por 100 mil habitantes. A média é maior do que a de outras cidades ligadas à da 6ª Coordenadoria Regional de Saúde, de 87 por 100 mil habitantes.
- Passo Fundo e Marau, que tem uma morte confirmada, são os municípios que se destacam negativamente na região. Estamos fazendo uma avaliação das ações a serem tomadas e ainda não sabemos o que pode ter causado isso tudo. Ainda é cedo para identificar relação com a abertura do comércio – afirma o coordenador regional de Saúde, Marcelo Pacheco.
Ocupação de leitos de UTI
Segundo a prefeitura, o balanço mais recente aponta que 43% dos leitos de UTI estão ocupados. A cidade conta com 39 leitos específicos para covid-19, sendo que há pacientes internados em 16.
O diretor técnico-médico do Hospital São Vicente de Paulo, Adroaldo Malmann, destaca que há duas crianças na CTI pediátrica. Ele observa que os hospitais têm condições de atender à população, mas preocupa-se com o aumento de casos:
— Esta evolução está nos assustando. Os casos graves se dirigem aos nossos hospitais. Até o momento estamos dentro do processo, a curva está baixa. Mas, se a demanda aumentar muito, aí precisaremos avaliar diariamente.
Já o Hospital de Clínicas de Passo Fundo recebeu 10 leitos de UTI há cerca de um mês, e conta, atualmente, com 13 leitos específicos para a doença. A direção, no entanto, tenta conseguir mais unidades junto à Secretaria Estadual e Ministério da Saúde.
Para o administrador, Luciney Bohrer, os hospitais, atualmente, têm condições de receber os pacientes. Ele se preocupa com a situação financeira das instituições:
— Nós tivemos uma queda significativa de pacientes de convênios, o que compromete a saúde financeira. Quase 80% da receita diária caiu por conta da não realização de procedimentos eletivos. Poderemos achatar a curva e, daqui para frente, não conseguir receber os pacientes.
Na área da 6ª Coordenadoria Regional de Saúde, estão outros 61 municípios. Parte destas cidades necessitam do sistema de saúde de Passo Fundo para atendimento dos moradores.
Crítica ao Estado
Mais cedo, o prefeito de Passo Fundo, Luciano Azevedo, cobrou mais atenção do governo do Estado em entrevista à Rádio Gaúcha. Segundo ele, os procedimentos adotados na cidade são os mesmos de outros municípios.
— O Estado não é só Porto Alegre. Se morreram 10 em Porto Alegre e seis aqui, algo está acontecendo aqui que merece atenção do governador, da secretaria de saúde. Porque estamos a 300 quilômetros de Porto Alegre, com a imensa responsabilidade de atender 1,5 milhão de pessoas.
Também em entrevista ao vivo, a secretária estadual da Saúde, Arita Bergmann, rebateu o prefeito, dizendo que o Estado enviou ajuda e está sempre à disposição:
– O Estado dá a regra geral, faz uma orientação geral. O papel do Estado não é regrar especificamente um município A ou B. A circulação do vírus é iminente, vai acontecer. Talvez com maior velocidade em alguma região.
As vítimas
Os pacientes que morreram tinham entre 61 e 89 anos e histórico de doenças (veja o perfil abaixo). Além de seis mortes, a cidade tem 59 casos confirmados, de acordo com o último balanço da Secretaria Estadual de Saúde. O comércio foi reaberto na última semana, e todos os moradores são obrigados a usar máscaras para circular na rua.
Perfil das mortes, conforme a prefeitura:
- Mulher de 61 anos com histórico de diabetes e hipertensão.
- Homem de 89 anos com histórico de doença pulmonar e Alzheimer.
- Mulher de 79 anos com histórico de acamada
- Mulher de 69 anos, com histórico de diabetes e hipertensão.
- Homem de 88 anos, com histórico de hipertensão.
- Mulher de 73 anos, com histórico de cardiopatia e diabetes.