Quando muitos casos de uma doença contagiosa começam a ser reportados, logo surgem manchetes falando sobre determinado surto, epidemia e do risco de uma pandemia. Nem sempre, porém, fica claro o que é cada um desses níveis e exatamente em que momento passa-se de um estágio para o outro.
O primeiro conceito importante é o de endemia. Trata-se de uma certa quantidade de casos que historicamente já ocorrem em determinada região do país. Exemplos brasileiros: doença de Chagas e esquistossomose (barriga d'água).
Quando esse nível endêmico (que pode ser zero) é rompido pelo aumento de casos, pode-se considerar que há um surto ou uma epidemia.
Geralmente fala-se em "surto" para apontar que novos casos estão concentrados em determinada região, como um bairro de uma cidade ou uma região metropolitana.
A palavra "epidemia" costuma ser usada quando a delimitação geográfica (uma vila ou um bairro, por exemplo) já não ajuda a definir tão bem onde os casos da doença estão acontecendo e/ou quando muitas pessoas são afetadas.
De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (SES), a definição de surto inclui doenças inusitadas, como é o caso dos quadros respiratórios (síndrome gripal e síndrome respiratória aguda grave) causados pela nova cepa de coronavírus identificada na China.
"Já epidemias são elevações repentinas e temporárias no número de novos casos de uma doença ou a introdução de uma nova enfermidade, portanto podemos dizer que a China vive uma epidemia", informa nota enviada a GaúchaZH pela SES.
O Rio Grande do Sul ainda não possui casos confirmados da doença. Porém, a pasta já lançou uma série de orientações para redes de saúde pública e privadas que podem ser conferidas clicando aqui. Entre as medidas está o isolamento em quarto privativo e o uso de máscaras respiradoras em pacientes com suspeita, o encaminhamento de casos graves para um hospital de referência e de leves para a atenção básica em saúde, entre outras determinações.
A distinção entre epidemia e pandemia é nebulosa, mas uma infecção que pode ajudar a ilustrar o problema é o sarampo. Os surtos recentes de sarampo mataram 140 mil pessoas só em 2018, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Calcula-se que as epidemias de sarampo na década de 1960 chegaram a matar 2,5 milhões de pessoas.
Quando a epidemia afeta vários países ou continentes, trata-se de uma pandemia. Um caso ou outro de uma doença fora do local onde houve inicialmente o surto não implica necessariamente em uma pandemia. Outros fatores, como a capacidade de disseminação do agente infeccioso (como no vírus da gripe) e a presença de vetor (mosquito Aedes aegypti, no caso de arboviroses como dengue e zika) contribuem para conter ou espalhar a moléstia.
Mas em que momento exatamente uma grande epidemia se transforma numa pandemia? Quantos países têm de ser afetados? Em que proporção? A gravidade da doença importa?
Há um consenso de que a gripe espanhola, que há cem anos matou pelo menos 50 milhões de pessoas, pode ser chamada de pandemia. Também se diz que o surto de gripe suína, em 2009, que matou 200 mil pessoas em todo o mundo, foi uma pandemia.
Em um artigo publicado no periódico The Journal of Infectious Diseases, em 2009, os autores, entre eles Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos (Niaid), fazem uma reflexão sobre o que seria necessário para atestar esse patamar extremo:
- Grande distribuição geográfica: um dos consensos é de que a doença tem que afetar uma grande porção territorial, como no caso da peste negra, da gripe (influenza) e de HIV/Aids.
- Rastreabilidade do movimento da doença: é possível identificar o caminho percorrido pela doença, como no caso da influenza, transmitida por via respiratória, da cólera, pela água, ou da dengue, que se dá de acordo com a presença de vetores (mosquitos do gênero Aedes).
- Alta taxa de infecção: quando a taxa de transmissão é fraca ou há baixa proporção de casos sintomáticos, raramente uma doença é tratada como pandemia, mesmo com grande disseminação. A Febre do Nilo Ocidental saiu do Oriente Médio e foi parar na Rússia e no Ocidente em 1999, mas nunca carregou a alcunha de epidemia, por exemplo.
- Imunidade populacional baixa: É maior a chance de haver uma pandemia quando a imunidade da população for baixa para o patógeno.
- Novidade: o uso do termo pandemia está associado ao risco de novos patógenos (caso do HIV, nos anos 1980) ou novas variantes (caso do vírus influenza, da gripe, que apresenta sazonalmente novas configurações).
- Infecciosidade: o termo "pandemia" é menos comumente ligado a doenças não infecciosas, como obesidade, ou comportamento de risco, como tabagismo. Quando isso ocorre, a ideia é destacar aquele problema como uma área que merece atenção, mas, segundo os autores do artigo, trata-se de um uso coloquial, não tão científico.
- Tipo de contágio: a maioria dos casos de epidemias é de doenças transmitidas entre pessoas, como a gripe (influenza).
- Gravidade: geralmente a palavra "pandemia" é associada a moléstias graves, capazes de matar, como peste negra, HIV/Aids e Síndrome Respiratória Aguda Severa (Sars). Mas doenças menos severas, como sarna (causada por um ácaro) ou conjuntivite hemorrágica aguda (provocada por vírus), também foram consideradas pandemias.
A principal forma de se prevenir contra os efeitos de uma pandemia é ter sistemas de vigilância que detectem rapidamente os casos, laboratórios equipados para identificar a causa da doença, dispor de uma equipe habilitada para conter o surto, evitando novos casos, e ter sistemas de gerenciamento de crise, para coordenar a resposta.
A OMS, por sua vez, emprega termos específicos para classificar certas situações. Uma emergência se dá quando uma autoridade decide que é hora de tomar medidas extraordinárias, como restrição de viagens e de comércio e estabelecimento de quarentena. Essa mesma autoridade também pode suspender esse estado de emergência. Geralmente, uma emergência é bem-definida no tempo e no espaço e depende de um certo limiar para ser declarada. Esse limiar pode ser estabelecido com uma taxa de mortalidade de uma para cada 10 mil pessoas por dia ou mortalidade de duas crianças abaixo de cinco anos a cada 10 mil pessoas por dia.
Crise é uma situação classificada como difícil de se estudar, classificar e combater. Uma crise pode não ser necessariamente evidente e necessita de um trabalho de análise para ser totalmente conhecida e combatida.