Nas comunidades da periferia, onde os moradores têm menos condições financeiras, as consequências da crise econômica causada pelo coronavírus chegaram mais depressa. E mesmo com campanhas de doações divulgadas por redes sociais, a resposta mais instantânea vem da própria comunidade.
No bairro Restinga, na zona sul de Porto Alegre, surgiu a ação solidária Nós por Nós. Criada por professoras da Emef Senador Alberto Pasqualini, escola localizada na comunidade, a iniciativa foi pensada para auxiliar no sustento das famílias. O grupo já distribuiu 28 cestas básicas. A ação começou em 24 de março, e a primeira entrega de alimentos ocorreu em 6 de abril.
— (A ideia do grupo surgiu) após ouvirmos o pedido de uma mãe da comunidade que nos confidenciou suas dificuldades para continuar mantendo o sustento da família — conta a professora Janaína Barbosa, acrescentando:
— Percebemos que nossa ação tinha que ser rápida. Então, demos início a campanha Nós por Nós. É o povo se solidarizando com o povo, é um movimento social.
Janaína e as professoras Ana Carolina Santos, Cristina Centeno, Helena Meireles e Vanessa Félix desenvolveram a iniciativa e também são fundadoras do Coletivo Quilombelas, que atua na comunidade desde 2018.
Como o grupo não tem carro disponível para buscar as doações, nem local para estoque, a arrecadação é prioritariamente virtual, por depósito em conta. O dinheiro arrecado é convertido na compra de cestas básicas e material de higiene que serão entregues preferencialmente a mães que criam seus filhos sozinhas, que se encontram em situação de vulnerabilidade e que residam no bairro Restinga.
— Se recebemos uma doação maior, pedimos ajuda de familiares para buscar, ou as pessoas nos trazem. Nós fizemos uma pesquisa e conseguimos um kit cesta no valor de R$ 45. Procuramos organizar um montante de 10 a 15 cestas, conversamos com as famílias indicadas, organizamos o itinerário e fazemos as entregas nas casas dos alunos e da comunidade.
COMO DOAR:
Entrar em contato pelo telefone 51 98054.2596 com Ana Carolina.
É possível acompanhar a entrega dos alimentos pelas redes sociais, na página do Facebook.
Comunidade da Zona Norte também se articula
No bairro Rubem Berta, a Alvo Cultural, associação de hip Hop e skate da Zona Norte que atua no Vida Centro Humanístico, também percebeu rapidamente a necessidade daqueles que estão próximos ao grupo. Está arrecadando e doando alimentos e materiais de higiene para a comunidade do entorno desde março. A associação já conseguiu cerca de oito toneladas de alimentos que foram distribuídas entre 315 famílias e um asilo. Mas a meta é chegar a 500 famílias. Entretanto, o presidente da entidade, Jean Andrade, ressalta que, nos últimos dias, as doações têm sido escassas.
— Não sei por qual motivo, mas diminuiu muito o número de alimentos recebidos. Muitas famílias estão passando dificuldades em função da quarentena. Trabalhadores informais que não estão recebendo nenhuma ajuda governamental. São diaristas, prestadores de serviço, entregadores de jornal, pedreiros, eletricistas, vendedores ambulantes, etc. Precisamos agir em defesa do nosso povo. Por isso, nos unimos em uma corrente solidária para receber doações de alimentos e material de higiene que serão doados à essas famílias do bairro Rubem Berta e região, que compreende uma população de mais de 50 mil habitantes — explica o presidente da Alvo.
A associação surgiu em 2005 para fazer ações sociais dentro da comunidade do Rubem Berta. Ela organiza um dos maiores festivais de hip hop comunitário do sul do Brasil, o Rap na Rua, realizado uma vez por mês nas praças da periferia de Porto Alegre.
— Temos rádio web, biblioteca e estúdio musical. Atendemos cerca de 300 jovens por ano com essas atividades. No espaço, acontecem cursos, oficinas e eventos culturais. Como tivemos que encerrar nossas ações durante a pandemia, resolvemos fazer a campanha para ajudar a comunidade — conta Andrade.
Os bairros beneficiados foram Cohab Rubem Berta, Leopoldina, Wenceslau, Timbaúva, Recanto do Sabiá, Passo das Pedras, Coqueiros, Vila Unidos, Vila Amazônia, Ocupação Marcos Klassmann, Vila Alexandrina, Costa e Silva e Mário Quintana.
Na quarta-feira (22), o grupo distribuiu mais de uma tonelada de alimentos para 40 famílias dos bairros Passo das Pedras, Coqueiros e Cohab Rubem Berta.
COMO DOAR:
* Presencialmente no endereço: Av. Adelino Ferreira Jardim, 96 – Rubem Berta
Das 10 às 17h – de segunda à sábado
* Busca de alimentos através do agendamento no WhatsApp: 51 99920-7727
* Depósito (o valor de uma cesta básica é cerca de 60 reais):
BANRISUL
Agência: 0080
Conta: 068540370-7
Favorecido: Alvo Associação Cultural
CNPJ: 076361660001-48
Envie o comprovante via Whatsapp para (51) 9972-73356
Tia Lolô ajuda famílias em Viamão
Em Viamão, Losângela Ferreira Soares, a Tia Lolô, conhecida por acolher crianças em uma creche comunitária, também está arrecadando alimentos para ajudar as famílias que frequentam o local. Porém, a dificuldade de conseguir doações é tanta que ela precisou trocar os brinquedos que guardava há mais de duas décadas por arroz, feijão, leite e outros itens.
— Esses brinquedos eu juntava há 25 anos. Eles ficavam dentro do ônibus em que as crianças brincavam. Era um paraíso, mas agora ficou limpinho, pois eu tive que trocar por comida. A pessoa via um urso, por exemplo, e gostava, eu já perguntava se ela me daria uma caixa de leite por ele. Era melhor ver as crianças de barriguinha cheia do que com os brinquedos. Muitas vezes entro no ônibus e choro muito, pois cada brinquedo tinha uma lembrança das crianças durante estes 25 anos — lamenta tia Lolô.
A creche fica na Rua Pedro Moreira Lobato, 490, Vila Orieta, na parada 4 de Viamão. Recebe cerca de 200 crianças de 0 a 14 anos no turno inverso da escola. Além daquelas que tia Lolô chama de flutuantes, que vão eventualmente, só quando precisam comer ou de alguma roupa.
A instituição aceita qualquer ajuda, seja com alimentos, roupas ou dinheiro.
COMO DOAR:
BANRISUL
Agência: 0965
Conta: 06.857289.0-8
CNPJ: 06983499/0001-80
Aldeia indígena recebe apoio de comerciária
Assim como associações e entidades se unem para auxiliar quem precisa, também há quem faça isso sem estar por trás de nenhuma instituição. É o caso da comerciária Regina dos Santos, que está empenhada em ajudar uma aldeia indígena a passar por esse momento de escassez.
Regina conheceu a aldeia Guarani Jataity em 2013. Ela trabalhava no centro de Porto Alegre e, como via índios vendendo artesanato nas ruas todos os dias, começou a conversar com eles. Aos poucos, ficaram amigos e ela começou a ajudar com lanches e pequenas doações de alimentos e roupas.
— Eu sempre tive vontade de conhecer a cultura indígena. Com a proximidade que passamos a ter, quis ir até a aldeia para tentar ajudar de outras formas. Pedi para saber onde era e eles me disseram — conta Regina.
A comerciária foi até o bairro Cantagalo, em Viamão, e encontrou a aldeia, que fica a cerca de 30 quilômetros da sua residência na Lomba do Pinheiro. Na primeira casa que viu, pediu licença e disse que gostaria de falar com o cacique.
— Por coincidência, aquela era a casa do cacique. Expliquei a ele que gostaria de ajudar e perguntei se aceitariam. Fui muito bem recebida. O cacique me disse que sempre precisavam de ajuda e que eu seria bem-vinda — relata.
Desde então, Regina passou a frequentar a aldeia. Pelas redes sociais, faz campanhas pedindo doações e ajuda de instituições que arrecadam itens para doação.
A aldeia é de origem Guarani e está no local há mais de 70 anos. São 48 casas com 54 famílias e, aproximadamente, 202 pessoas. Cada uma é responsável pelo seu próprio sustento. A principal fonte de renda dos índios é a venda de artesanato. Além disso, plantam batata doce, milho, mandioca. Mas, com a estiagem, a colheita foi fraca.
No local há uma escola, a Karai Arandu, com 125 alunos, todos índios. As aulas vão desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, além de EJA. Alguns índios trabalham como professores, merendeiros, auxiliares, entre outras funções.
Paulo Morinico, 36 anos, morador da aldeia, é um dos cinco professores que são índios, ele dá aula de guarani. Relata que, pelo fato de as famílias não poderem estar na rua vendendo os itens de artesanato, muitas estão passando fome.
— A colheita foi muito ruim, por isso não temos muitos alimentos. Estamos vivendo de pequenas doações, mas não está sendo suficiente para todos. Algumas famílias que têm amigos, como a minha, são mais ajudadas. Outras, estão passando necessidade. Muitos não falam português e, por isso, não conseguem fazer amizades fora da aldeia — explica Morinico.
Além de alimentos, a comunidade necessita de roupas para o inverno, principalmente para as crianças.
COMO DOAR:
Entre em contato com Regina pelo telefone (51) 99750-6731
Religião precisou ser adaptada
Em meio ao isolamento social, um dos diversos hábitos que precisou ser adaptado foi o religioso. Todos os anos, há 10 anos, a Federação Afro-Umbandista e Espiritualista do Rio Grande do Sul (Fauers) reúne dezenas de pessoas em uma procissão em homenagem a São Jorge. O dia dele é comemorado em 23 de abril. Entretanto, neste ano, a comemoração será diferente e com um objetivo que vai além da fé.
Dessa vez, a comunidade religiosa planejou uma procissão em prol da arrecadação de alimentos e produtos de limpeza para ajudar pessoas que estejam passando por dificuldades. Para que os fiéis pudessem acompanhar o cortejo, fizeram uma transmissão pelas redes sociais da Fauers.
A primeira procissão foi realizada na quinta-feira (23), em Canoas. A segunda será neste domingo (26), a partir das 15h, e percorre Canoas, Gravataí, Cachoeirinha, Alvorada e Porto Alegre. O encerramento será no largo Zumbi dos Palmares, no bairro Cidade Baixa. A ação ocorre em parceria com a entidade de assistência social Cia do Caco.
Na carreata, uma imagem de 1, 80 metros de altura por 2 metros de comprimento do santo e de seu cavalo percorre os locais fazendo algumas paradas para receber doações. Em troca, os doadores recebem um kit com máscara, álcool gel e uma espada de São Jorge.
Segundo o presidente da Fauers, Everton Alfonsin, estão sendo tomados todos os cuidados de higiene e para não haver aglomeração. As pessoas que precisam participar pessoalmente estarão usando máscaras e divididas em duas por carro. E quem vai receber as doações, além da máscara, usará luvas também.
— Pedimos aos participantes que usem máscaras e que evitem sair de seus carros durante o trajeto. Essa celebração ao Pai Ogum e a São Jorge é especial. Eles têm a simbologia de guerreiros e, nessa situação da pandemia, é um momento em que nós, devotos, pedimos muita proteção. Por isso, para quem tem fé, essa carreata é uma oportunidade de expressar a confiança e a caridade, ajudando quem precisa — explica Alfonsin.
Foram arrecadados cerca de 1,6 tonelada de alimentos na quinta-feira. Ainda há uma expectativa de um número parecido neste domingo. Tudo será doado para comunidades dos bairros Sarandi e Restinga, em Porto Alegre, na próxima semana.