Quando a vereadora carioca Marielle Franco foi assassinada, em 14 de março de 2018, além da tristeza e indignação, uma sensação incômoda rondava as professoras Janaina Barbosa da Silva, 40 anos, Cristina Centeno, 39, Helena Meireles, 41, Vanessa Felix, 36, Helena Paz, 35, e Ana Carolina dos Santos, 41, da Escola Municipal Senador Alberto Pasqualini, em Porto Alegre.
– Quando uma mulher negra, graduada, periférica, que centralizava uma minoria real e fazia uma política de enfrentamento, morre, isso nos choca, porque poderia ter sido qualquer uma de nós. Foi um sentimento que nos aproximou – relata a pedagoga Janaina da Silva.
Esse sentimento trouxe para as colegas um novo propósito: o de trabalhar com a comunidade escolar de forma mais aberta e democrática a história, a cultura e a identidade dos negros. A partir daí, com apoio da direção, dos pais e dos alunos nasceu o Coletivo Quilombelas, que completou um ano no domingo.
Sarau poético
A primeira ação do coletivo aconteceu com a realização do Te Vira, Negrada!, um sarau poético, protagonizado pelos alunos, para tratar da abolição, ou falsa abolição como definem, da escravatura. Na sequência, em uma ação pelo Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, professoras e funcionárias negras foram convidadas a tirar fotos para o site do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa). Esse movimento, segundo as professoras, ajudou muitas pessoas no exercício da autodeclaração.
– Nós descobrimos com isso que tínhamos mais professoras negras na escola, porque fomos conhecendo as suas histórias, e isso nos agregou novos parceiros. Porque quem nasce retinto não tem a opção, mas quem nasce mais claro, às vezes, precisa enfrentar o processo de tornar-se negro. Por isso foi importante, muitas pessoas passaram a olhar para sua identidade, a se reconhecer, a se assumir – explica Janaina.
Ao longo do ano, outras ações foram sendo desenvolvidas, aproximando pessoas e solidificando a iniciativa. A exemplo do Afrotinga, em que o Dia da Consciência Negra foi trabalhado com estudantes dos três turnos por meio de cursos e oficinas, ou o desfile de roupas afros, que lembrou do Massacre dos Porongos durante a Revolução Farroupilha.
Um lugar de todos
Com 41 anos, a professora Helena Meireles tornou-se uma referência dentro da escola. Helena é transexual. Há cinco anos passou por uma cirurgia de afirmação sexual, adequando-se ao gênero com o qual ela de fato se identificava desde criança. O procedimento conduzido no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) foi contado em reportagem pela Zero Hora. Para os alunos, acostumados com a professora, essa condição não a tornava diferente, e essa questão da "representatividade", tão importante de ser debatida, acabou de lado. Mais tarde, Helena percebeu que também seria importante usar da própria história para ajudar alguns estudantes.
– Com o coletivo começaram a aparecer essas questões de gênero, alguns alunos começaram a vir até a gente porque viviam questão semelhante, e foi muito interessante porque essa nossa reunião reverberou em várias frentes – conta.
– A escola passou a ser um lugar deles, não um espaço de bullying, mas um lugar de todos – completa a professora Ana Carolina.
Referência dentro e fora da escola
De forma muito genuína, as Quilombelas foram se tornando referência dentro e fora da Alberto Pasqualini. Passaram a ser convidadas a participar de seminários, conferências e a compartilhar as experiências desenvolvidas na escola. Com o tempo, muitos alunos foram se aproximando espontaneamente, interessados em conhecer sobre as atividades das professoras.
– Me convidaram para declamar um poema no sarau e, a partir dali, surgiu uma força muito grande em mim. Não é qualquer lugar que a gente se sente bem e acolhido. Foi assim que eu fui me aproximando – conta o estudante do 7º ano Lyagner Chagas, 14 anos.
A vice-diretora Cristiane Santos, 46 anos, diz que estimular novos projetos é uma característica da escola e que o trabalho desenvolvido pelas Quilombelas transformou a vida de muitos alunos.
– A representatividade é muito importante na Restinga. E é extremamente necessário que os jovens se enxerguem, se reconheçam, se sintam parte daqui – opinou.
Para 2019, a ideia das garotas é fortalecer os eventos lançados no ano passado, envolver mais pessoas e criar novas frentes de trabalho. Mas ainda é tudo surpresa. Um pouco da experiência das educadoras pode ser conhecida no perfil no Facebook Coletivo Quilombelas.