A trena pendurada no cinto da calça diz tudo: João Osmar Tavares, 61 anos, trabalha na construção civil. Enfrentando a queda vertiginosa na demanda por seus trabalhos, o autônomo se viu na lista de quase 50 milhões de brasileiros que se cadastraram para receber o auxílio emergencial de R$ 600. Antes do dia amanhecer, nesta segunda-feira (27), o morador da Vila Cefer, zona leste da Capital, tomou um ônibus em direção à agência da Caixa no bairro São José.
— Se não é esse valor eu não tiro mais nada — explica o trabalhador.
Antes das 6h, a fila começou a se formar em frente ao banco. Às 7h, a calçada já estava tomada e, antes das 8h, se podia ver pessoas em pé ocupando a quadra inteira. São beneficiários do primeiro lote de saques disponibilizado pelo banco federal, que contempla os nascidos em janeiro ou fevereiro. (Ao fim do texto, confira o calendário completo de saques). Longas filas foram vistas também na Restinga, extremo-sul da cidade.
Há uma década, Miguel Leal dos Santos, 59 anos, não tem emprego formal. “Biscateiro”, como se define, faz de tudo um pouco em reforma predial. Atualmente, foi contratado para substituir azulejos em uma residência de Viamão. Sem telefone com acesso à internet, contou com a ajuda da dona da casa onde trabalha para confirmar a aprovação do seu cadastro.
— Eles são muito bons pra mim. Ela anotou aqui o código pra eu poder sacar — explica, mostrando a sequência de números guardada na carteira.
Para retirar o dinheiro em lotéricas ou caixas eletrônicos, o beneficiário precisa de um código gerado pelo aplicativo Caixa Tem. Mesmo com o app instalado, Nathan Dorneles, 25 anos, reclama da instabilidade no programa:
— Deu como aprovado, mas na hora de gerar o código, ele não avança.
Com o dinheiro, Dorneles pretende ajudar o pai e a mãe, com quem divide as despesas do lar.
A Caixa afirma que a instabilidade no servidor se deve ao grande número de usuários. Até as 21h deste domingo, 50,2 milhões de downloads haviam sido concluídos, informou o banco.
Os três filhos de Marcelo Azevedo de souza, 34 anos, são sustentados exclusivamente pela renda da esposa. A faxineira recebe R$ 1.200 mensais, renda que a família teme perder caso ela tenha de ficar mais um mês em casa. Para si, o pedreiro não demonstra expectativa.
— Este ano acho muito difícil conseguir um emprego — lamentou.
Enquanto no Centro e nos bairros Glória, Azenha e Menino Deus o movimento foi discreto, as agências da periferia acumularam clientes do lado de fora. A única unidade da Caixa na Restinga recebeu centenas de clientes que formaram filas sem o distanciamento recomendado. Muitos não tiveram a preocupação de vestir máscara de proteção facial.
Francine de Freitas Brandolt, 20 anos, sacou o dinheiro às 9h na Restinga. Acompanhada do marido, já tinha planos: comprar comida no supermercado. Ambos estão desempregados.
— Estudei só até a 7ª série, não consigo nada de trabalho — definiu a jovem.
No lado oposto ao do banco, uma lotérica também apresentava longas filas. Em tese, a casa de apostas seria uma boa opção para evitar as lotadas agências bancárias.
— Desde que abrimos, ninguém consegue acessar o código do aplicativo e aí não tem como sacar — alertou a atendente da Loterica, Diandra Rech.
Algumas pessoas acessaram o aplicativo de madrugada, conseguindo o código que libera o saque. Na hora de retirar o dinheiro, porém, as senhas já haviam expirado. Ele permanece válido por duas horas, informou a Caixa às lotéricas.
Para driblar a instabilidade no sistema, os servidores da Caixa estão consultando os dados dos clientes na hora do atendimento, o que ampliou ainda mais o tempo de espera. Após a confirmação de que o cliente tem direito ao saque, um documento com o código é impresso e o beneficiário pode então receber o dinheiro.
Sem perspectiva de ter o valor liberado, Alexandre Silva Câmara, 40 anos, mostrava o celular para um atendente da unidade da Lomba do Pinheiro: em análise desde o dia 6 de abril.
— Estou há seis anos sem emprego. Em casa, tá bem difícil, se não conseguir esse dinheiro não sei o que fazer — lamenta, com a voz embargada de quem vai voltar frustrado pra casa.
Tanto a agência quanto a lotérica do bairro tiveram longas filas nesta manhã. Aos clientes, os servidores da Caixa da Lomba do Pinheiro informaram que, após as 14h, senhas seriam distribuídas para garantir atendimento após o fechamento do banco; desde esta segunda, mais de cem agências atendem das 8h às 14h, devido as filas vistas desde a madrugada.
Máscaras de graça para quem aguardava na fila
Para diminuir a exposição de quem saiu de casa em busca do auxílio emergencial, um grupo de líderes comunitários da Lomba do Pinheiro distribuiu máscaras faciais nas filas. A iniciativa partiu de duas costureiras, responsáveis pela fabricação das proteções em TNT (tecido não tecido).
— Isso me dá muita paz, saber que posso ajudar — define a artesã Norma Lilge, 55 anos, que acompanhou a entrega dos EPI nessa manhã.
A companheira de costura Sônia Santos seguiu na lida enquanto parte do grupo foi às ruas. Em poucas horas, 150 máscaras foram entregues a quem estava com o rosto descoberto. O descuido visto com o vírus motivou o líder comunitário Vosmar Nascimento Viana, 55 anos, com uma sacola repleta de máscaras:
— Vimos muito ajuntamento em volta dos bancos e lotéricas, aí trazemos aqui e pedimos para o pessoal vestir.
A cortesia veio em boa hora para Paulo Ricardo Nascimento Abreu, 54 anos:
— Na farmácia está por R$ 10. Que isso?! Que bom que ele tá entregando, se todo mundo fosse assim, né? — elogia, enquanto tapa boca e nariz com o brinde solidário.
Calendário
- 27 de abril – nascidos em janeiro e fevereiro, com poupança digital gratuita da Caixa;
- 28 de abril – nascidos em março e abril, com poupança digital gratuita da Caixa;
- 29 de abril – nascidos em maio e junho, com poupança digital gratuita da Caixa;
- 30 de abril – nascidos julho e agosto, com poupança digital gratuita da Caixa;
- 4 de maio – nascidos em setembro e outubro, com poupança digital gratuita da Caixa; e
- 5 de maio – nascidos em novembro e dezembro, com poupança digital gratuita da Caixa.