Fazer testes em massa para identificar a população infectada pelo coronavírus traria benefícios no enfrentamento à pandemia, desde que os resultados dos exames desencadeassem uma série de medidas de monitoramento e isolamento de pacientes e das pessoas com quem eles tiveram contato nos dias de infecção. Isso seria caro e exigiria um grande esforço da rede de saúde, mas tornaria o sistema mais eficaz, a exemplo do que ocorreu na Coreia do Sul. Fazer testes apenas para ter os resultados e isolar somente os positivados seria estratégia de impactos limitados — o que não substituiria, neste momento, o isolamento horizontal como melhor alternativa, apontam especialistas.
Existe uma potencial leque de consequências positivas da testagem em massa de pacientes para o coronavírus. Entre elas, buscar progredir para o isolamento seletivo, chamado de vertical, colocando em quarentena prioritariamente os infectados e aquelas pessoas que tiveram contato com eles. Isso poderia trazer aspectos positivos também na economia, já que permitiria algum nível mais elevado de retomada das atividades profissionais. A testagem massiva ainda poderia estabelecer um mapeamento do coronavírus no país. Seria possível reunir informação suficiente para diagnosticar em quais áreas geográficas se estabelece a infecção de forma predominante, quais perfis humanos estão entre os principais acometidos, qual o gráfico de faixas-etária e quem está entre os assintomáticos.
— Com isso, poderíamos dimensionar o uso do sistema de saúde, identificar se uma região ou outra do país precisa de mais recursos e, então, individualizar melhor as ações de saúde, de prevenção, de isolamento, tendo diretrizes para grupos mais específicos — descreve Paulo Ernesto Gewehr Filho, membro da câmara técnica de infectologia do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) e do serviço de infectologia do Hospital Moinhos de Vento.
Testagens em maior escala também seriam relevantes para diminuir a subnotificação e acompanhar a evolução dos médicos e demais profissionais de saúde, identificando os doentes precocemente e os afastando por 14 dias, com retorno após o isolamento.
A possibilidade de os testes identificarem quem já contraiu o vírus, sendo também detectada a presença de anticorpos, com a sua liberação para o retorno ao mercado de trabalho após isolamento de 14 dias, é uma discussão importante. Por uma lado, poderia devolver aos poucos o país à normalidade. É admitido por especialistas que uma pessoa infectada passa a ter um período de imunidade, baseado em ondas anteriores de outros tipos de coronavírus. Mas, por outro lado, não há comprovação definitiva disso na literatura médica quanto à atual pandemia. Logo, liberar os comprovadamente infectados após o período de quarentena traria riscos intrínsecos.
— Na China, já tivemos casos de pessoas que testaram positivo, depois negativaram e, por fim, positivaram de novo. Não é possível afirmar que o paciente vai ser imune para sempre. Vai ter um período (de imunidade), mas não sabemos o quanto ele é duradouro. Também não sabemos se, em determinadas populações, como os diabéticos, por exemplo, essa imunidade pode ser mais exígua. Não há garantia ainda de imunidade para sempre — alerta Plínio Trabasso, infectologista e coordenador de assistência do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Dos aspectos mais difíceis da testagem em massa, o professor de infectologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Alexandre Zavascki, destaca o passo a ser dado depois da coleta de dados, o que depende de robusta estrutura de saúde.
— A Coreia do Sul montou um programa de testagem ampla. Os positivos são rastreados pelo telefone celular e cartão de crédito, e todos os contactantes desses pacientes nos últimos 14 dias são identificados. Os resultados dos testes geravam reação muito forte. Não só o paciente positivo é recolhido em isolamento, mas todos os contactantes. E eles realmente monitoram para saber se as pessoas ficam em casa. Recolher só o testado positivo é importante, mas o impacto disso caso nenhuma ação seja feita com os contactantes não testados é mínimo, se é que terá impacto — analisa Zavascki.
Dois dos especialistas ouvidos pela reportagem, Zavascki e Trabasso, ainda destacam como relevante para a discussão os chamados "falsos negativos".
— Em muitos casos, os testes vão dizer que você não está com a infecção hoje. Só que estamos em 31 de março, e você pode ter sido exposto no dia 28, eventualmente não desenvolveu a doença ainda, mas isso poderá acontecer nos próximos dias. O risco, neste caso, é testar, dar negativo, e uma pessoa que estará contaminada ali na frente ser liberada para circular normalmente — destaca Zavascki.
Trabasso complementa ao dizer que os "falsos negativos" são mais recorrentes do que os "falsos positivos". Em testagens massivas, esse componente científico significa risco de comprometer a qualidade do dado levantado, induzindo especialistas a atuar com números destorcidos.
— São coisas associadas, temos de testar aquelas pessoas em que o exame vai me dar maior confiabilidade no resultado, seja negativo ou positivo. A chance de ter falso negativo é maior quando se testa indiscriminadamente — analisa Trabasso.