O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, dorme e acorda nos últimos dias com um só assunto na mente: coronavírus. Está preocupado em afinar o compasso das diversas instâncias governamentais no combate ao maior desafio sanitário enfrentado por sua geração.
– E estamos no início do enfrentamento da epidemia – alerta Mourão, ao pedir compreensão da população.
General da reserva do Exército, gaúcho, Mourão é conhecido pela franqueza e foi até chamado de “tosco” pelo presidente Jair Bolsonaro, em brincadeira recente. Mas foi bastante diplomático ao responder perguntas enviadas por GaúchaZH a respeito do coronavírus.
O vice-presidente evita críticas a Bolsonaro, mas não se esquiva de abordar os focos do conflito entre a visão do presidente e a de muitos setores da sociedade, entre eles governadores e sanitaristas. Mourão afirma que as convergências são maiores que as divergências, e tudo é uma questão de dosagem entre as preocupações com a saúde e a economia – foco maior dos debates políticos das últimas semanas.
Mais de 30 meios de comunicação solicitaram a opinião de Mourão sobre a pandemia, desde a semana passada. Aqui, a entrevista, feita por WhatsApp:
Duas correntes parecem dividir a sociedade quanto à epidemia de coronavírus. Uma, de que basta o isolamento vertical (velhos e doentes, deixando a cadeia produtiva trabalhar, como preconiza o presidente). Outra preconiza o isolamento horizontal (recomendado por sanitaristas e que pode ser resumido na frase "fique em casa"). Qual a sua opinião pessoal e sincera? Mais ou menos isolamento?
Como já tive a oportunidade de explicar, a questão está mal colocada. Não se trata de nos agarrarmos definitivamente a uma opção e saltar, intempestivamente, para a outra. A questão correta é quando e como vamos sair de uma situação para a outra. Sabemos que a atual é necessária, neste momento, mas não pode continuar indefinidamente. Essa trégua que o isolamento horizontal nos dá deve ser bem aproveitada para darmos a melhor organização possível aos serviços de saúde e de logística, como está acontecendo. Porém, mesmo essas medidas, e as econômicas, se mostrarão inócuas se a sociedade permanecer imobilizada. O que deve ser deliberado, insisto, é como vamos passar de uma situação para outra, com racionalidade e responsabilidade.
A quarentena tem que acabar já? Ou o senhor daria algumas semanas com palavras de ordem fiquem em casa?
Eu diria às pessoas que devem confiar nas autoridades, obedecendo as orientações que elas transmitem. Mas diria também que é preciso lembrar que o Brasil é uma federação, não uma confederação. Isso está bem claro nos artigos 21, 22 e 23 da Constituição Federal. Aquilo que é do município é do município. Se extrapola o município e vai influir em outro, é do Estado. Se extrapola do Estado, é da União. Tem que haver coordenação. Até mesmo pelo fluxo logístico. Todas as autoridades têm que respeitar seus limites e não invadir a competência das demais.
O presidente foi criticado por se referir ao coronavírus como “gripezinha”. A comparação faz sentido para o senhor ou é muito mais do que isso?
Não é bem isso. O Presidente está muito preocupado com a epidemia. Mas ele está ouvindo e falando para uma parcela da população cuja opinião e sentimentos não podem ser desconsiderados. Ele tem contato direto com pessoas das classes menos favorecidas, caminhoneiros, autônomos e assim por diante. Quando ele usou essa expressão, ele procurou transmitir à população as consequências de um isolamento drástico por tempo indefinido. É preciso preparar a população para passar à próxima fase do enfrentamento da epidemia. Foi isso que o presidente Jair Bolsonaro procurou fazer.
Governadores têm criticado a postura de Bolsonaro. O senhor acha que o presidente é mal-compreendido ou existe mesmo uma grande diferença de opinião entre ele e o grupo de governadores (e outros gestores que preconizam que as pessoas fiquem em casa)?
É preciso ter em mente que o achatamento deve ocorrer em três curvas: da doença, do PIB e do emprego. Países mais desenvolvidos têm espaço fiscal para injeções de recursos na economia. Nós não temos esse espaço e recursos. Estamos no início do enfrentamento da epidemia. Temos que lidar com as duas outras curvas para enfrentar essa questão. E isso, insisto, não pode ser discutido com paixão, facciosismo, ideologia e partidarismo. É preciso um alinhamento responsável de posições em prol do bem comum e do interesse nacional.
As respostas do vice-presidente foram essas.
A entrevista já estava concluída quando chegou a notícia de que o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu à Procuradoria-Geral da República (PGR) que examine pedido de impeachment de Jair Bolsonaro, feito por um grupo de advogados. Eles alegam que o motivo seriam declarações e atos do presidente com relação à epidemia de coronavírus, que eles consideram irresponsáveis e perigosas.
Convidado a abordar o assunto, o vice-presidente Mourão preferiu não comentar.