Na linha de frente do combate ao coronavírus, diretores hospitalares e entidades que representam casas de saúde no país alertam para os riscos da falta de equipamentos de proteção individual (EPIs) para os profissionais responsáveis por atender a população. Há estabelecimentos com estoques suficientes para, no máximo, um mês e com dificuldades de adquirir novos insumos, devido à escassez de produtos no mercado e à explosão dos preços.
Embora não tenha um controle preciso da quantidade de itens armazenados nem de quanto tempo será possível suportar a pandemia com esse material, a Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB) - composta por 16 federações estaduais, com mais de 1,8 mil hospitais em atividade — aponta problemas e pede o apoio de autoridades. O presidente da entidade, Mirocles Campos Véras Neto, classifica a situação como "crítica" e teme que acabe por tirar médicos e enfermeiros do front.
— Em média, os hospitais trabalham com baixo estoque, considerando alarmante a escassez de insumos no mercado e o aumento abusivo de preços. Equipamentos essenciais, como máscaras, chegam a apresentar variação de 3.000% no preço — destaca Véras Neto.
O salto nos valores, conforme levantamento da CMB, atingiu também luvas de látex, óculos protetores e aventais descartáveis, entre outros itens.
No Rio Grande do Sul, não é diferente. No Hospital Sapiranga, por exemplo, a diretora-executiva da instituição, Elita Herrmann, relata uma série de obstáculos para adquirir produtos. Segundo ela, há máscaras suficientes em estoque para uma semana.
— Estamos em contato diário com fornecedores, que estão restringindo as quantidades e cobrando valores absurdos. Em fevereiro, pagávamos R$ 4,74 por uma caixa com 50 unidades. Ontem (segunda-feira), recebemos uma cotação de R$ 230 a caixa. O que nos preocupa é que agora estão chegando os primeiros casos de internação com esse perfil (pacientes com suspeita de covid-19) na maioria dos hospitais, o que indica que a necessidade dos EPIs aumentará muito no decorrer dos próximos dias — ressalta Elita.
À frente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do Estado, André Lagemann concorda. Ele é diretor do Hospital Ouro Branco, em Teutônia, no Vale do Taquari.
— Precisamos de EPIs com urgência e também de testes rápidos (para detecção da doença). Corremos o risco de ter de colocar nosso exército na guerra às cegas, sem as armas adequadas. Isso é suicídio. Na minha instituição, ainda tenho estoque de máscaras para 30 dias. Mas, se tiver um surto de quatro ou cinco casos no município, essa estimativa pode cair para 15 dias — calcula Lagemann.
No Hospital Santa Bárbara, em Encruzilhada do Sul, no Vale do Rio Pardo, o quadro é semelhante. Conforme o administrador do estabelecimento, Celso Teixeira, uma das alternativas encontradas para reforçar as reservas foi produzir máscaras próprias, com a ajuda da comunidade. Além disso, ele afirma que a Câmara de Vereadores decidiu devolver R$ 80 mil aos cofres municipais para auxiliar no combate ao vírus e espera contar com o dinheiro.
— Tivemos de cancelar todo o atendimento eletivo (não urgente) por conta dos protocolos (de enfrentamento à covid-19). Estamos atendendo menos pacientes, mas com um custo bem mais alto — sintetiza Teixeira.
Ou seja: em razão das medidas de isolamento social, centenas de procedimentos foram suspensos, o que tem ajudado os hospitais a se preparem para a pandemia, mas também tem causado efeitos indesejados. Com apenas 30% dos leitos ocupados, segundo dados da federação, os estabelecimentos veem a receita cair de forma abrupta.
— Felizmente, ainda temos relativamente poucos casos de coronavírus, mas as portas dos hospitais seguem abertas, e a receita de convênios e de serviços privados, que ajuda a equilibrar a remuneração do SUS, caiu drasticamente. Há hospitais com 10% da receita que tinham. E os custos explodiram, em especial dos EPIs. Esperamos que o governo do Estado, em razão da crise, não volte a atrasar repasses — diz Lagemann.
Até o momento, os repasses seguem em dia, mas vence nesta terça-feira (31) o prazo para o Estado depositar a parcela de fevereiro, de cerca de R$ 70 milhões, devida aos hospitais (sendo R$ 40 milhões para Santas Casas e filantrópicos).
Conforme a Secretaria Estadual da Saúde (SES), o depósito ocorrerá até o fim da semana. Para compensar a demora, decorrente de queda na arrecadação, o órgão informa que adiantou R$ 24,8 milhões que seriam pagos apenas no dia 15, pela produção do SUS (isto é, os atendimentos via sistema único).
Segundo a secretaria, os hospitais não sofrerão descontos caso não consigam cumprir as metas contratuais de prestação de serviços. Além disso, a SES destaca que já vem repassando aos estabelecimentos e aos municípios EPIs recebidos do governo federal e de doações (710 mil máscaras e 633 mil luvas desde 23 de março). Só nesta terça-feira, o Estado recebeu 405 mil máscaras e 91 mil luvas, entre outros materiais, todos voltados a profissionais da saúde.