Investimentos recorrentes, destino anual de milhões de pessoas, modelo para gestores e empresários. São inúmeras as boas notícias sobre Gramado nos últimos anos, que fizeram o município da Serra se tornar um dos principais protagonistas do turismo brasileiro.
O crescimento é um desafio: especialistas dizem que a cidade da Serra precisa investir em infraestrutura para comportar a tendência de aumento de fluxo de visitantes e adotar estratégias de sustentabilidade financeira e ambiental no longo prazo.
A atividade turística representa 86% do Produto Interno Bruto (PIB) de Gramado, segundo dados de 2020. É um resultado que destoa do país: o setor deverá corresponder a 7,8% do PIB brasileiro neste ano, segundo dados Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC na sigla em inglês).
A parcela da produção turística não significa que o município da Serra seja “refém” de apenas uma fonte de recursos, afirma Leandro de Lemos, economista e doutor em turismo.
— Gramado tem uma estratégia de diversificação, que vai além da gastronomia, do Festival de Cinema, do Natal Luz e da Páscoa. O calendário de eventos vem aumentando nos últimos anos. Além disso, há museus, parques temáticos, que são outros produtos para um turista “diferente”. A cidade não está dependente, portanto, de uma só atividade — afirma.
As atrações tradicionais — Natal Luz e Festival de Gramado, por exemplo — ganharam companheiros nos últimos anos, com destaque para os parques temáticos, como Snowland (2013), Acquamotion (2021) e Vila da Mônica (2022). A oportunidade de negócios fez com que duas marcas relevantes dos Estados Unidos, a NBA (liga de basquete) e a Nasa (agência espacial) inaugurassem espaços na região.
Visitantes de Gramado nos últimos anos, segundo a prefeitura
- 2018: 6.496.325
- 2019: 6.567.077
- 2020: 5.697.513
- 2021: 6.832.530
- 2022: 7.558.198
- 2023: 8,2 milhões*
*Previsão
Lemos diz não estar preocupado com uma eventual “bolha” imobiliária. Esse termo é usado para se referir a um momento em que algo é vendido por um preço acima do seu valor real. No fim, o mercado se dá conta do erro e “estoura” a bolha: preços caem e causam prejuízos.
— Todos os setores econômicos têm ciclos de ascensão, pico, estagnação, decadência, recuperação e início de um novo ciclo. No turismo não é diferente. Por isso, não vejo Gramado como uma “bolha”, mas uma cidade organizada e planejada, mas com variáveis de críticas, que precisam ser cuidadas para não haver saturação — comenta o economista.
Thomas Fontana, sócio-fundador do Somos.RS, grupo empresarial que atua no desenvolvimento do Estado por meio do turismo, diz também que o município segue atrativo para quem quer investir no setor. Isso porque, para ele, a cidade conseguiu se estabelecer como uma “vitrine” nacional, que recebe pessoas de todas as regiões do país.
— Por que investir em Gramado e não em São Paulo? Porque em São Paulo a pessoa está na correria do dia a dia, do trabalho. Em Gramado, os turistas estão em um momento de ócio e predispostos a interagirem com marcas. Estar em Gramado é mais caro (para o empreendedor), mas os negócios têm mais chance de ter sucesso — comenta.
Comportar o crescimento, o grande desafio
Os dois especialistas concordam que a infraestrutura é o principal obstáculo à continuidade do bom momento de Gramado no turismo. A palavra usada por ambos é saturação: de empreendimentos e da infraestrutura — saneamento básico e mobilidade urbana — para receber visitantes.
— A riqueza obtida com o turismo deve ser reinvestida para uma infraestrutura ambientalmente sustentável. Quando você coloca uma carga a mais de pessoas em uma cidade, os recursos ficam ainda mais escassos. Precisamos mais de inteligência para que haja desenvolvimento sustentável no longo prazo — diz Leandro de Lemos.
Thomas Fontana resume o sentimento dos empreendedores com Gramado no momento:
— Preocupados, mas ainda otimistas. Há tempo de trabalhar para que esses gargalos sejam resolvidos antes de haver um colapso, antes de estourar um cano em plena Avenida Borges de Medeiros (no centro) e começar a jorrar esgoto.
A preocupação dos investidores foi mapeada em um trabalho recente feito pelo Somos.RS, que indica que 57% dos empresários e líderes da Serra temem colapso de infraestrutura em Gramado. O temor tem como base momentos em que a cidade fica sem água devido à demanda da população durante grandes eventos. Outro empecilho ao turismo é o trânsito carregado, em especial nas festividades como Natal Luz e em horários de pico do fim de semana.
Há ainda, um temor mais complexo para os próximos anos. que é evitar que as raízes de Gramado sejam perdidas em meio à expansão de empreendimentos.
— Manter a identidade é uma preocupação. Tudo bem tematizar (um negócio), mas temos de tentar fazer isso com algo que seja nosso, para não perder a essência da cidade. Se isso continuar, as pessoas vão visitar Gramado e não vão ter contato com gastronomia local e com a história da região — acrescenta Fontana.
O que diz a prefeitura
O prefeito de Gramado, Nestor Tissot, diz que o Executivo municipal está ciente dos desafios para comportar a demanda de turistas e tem investido para resolver os problemas. No saneamento básico, ele diz que o trabalho já ocorre no momento e ganhará força por meio de um contrato assinado neste ano com a Corsan, algo que deve se materializar em médio ou longo prazo.
— Temos avanços na cidade em termos de colocação da rede coletora do esgoto em várias ruas. Também vamos ter uma nova adutora que vai trazer a água para Gramado e melhorar o fornecimento ao município pelos próximos anos — afirma.
Tissot também cita investimentos na mobilidade urbana: a inauguração, em outubro, da pavimentação de uma via que liga o município a Três Coroas, uma obra em andamento que ligará os bairros Prinstrop e Piratini e o asfaltamento de acessos ao interior.
— São ações que tomamos recentemente que já têm resultado. Penso que não temos problemas capazes de nos fazer perder o controle da cidade ou mudar a característica dela. Vejo que Gramado cresceu e continua convidativa e interessante aos turistas — comenta.
O prefeito também ressalta que o município tem investido na abertura de vagas de creche, na compra do Hospital Arcanjo São Miguel e no custeio de transporte para universitários, buscando melhorar a qualidade de vida dos moradores.