O protagonismo de Gramado no turismo causou mudanças físicas e no modo como a cidade é vista e vivenciada. Moradores dizem que o município da Serra é limpo, seguro e oferece boa qualidade de vida. Há, porém, o outro lado do progresso: a cidade é cara, tornou-se “artificial” e tem um trânsito que prejudica deslocamentos, afirma outra parcela dos habitantes.
A população da cidade saltou de 22.095 em 1991 para 40.134, aumento de 81,6% no período. É a 13ª no ranking percentual dos municípios gaúchos que mais ganharam moradores. Além desse crescimento, a prefeitura estima que 2023 deve fechar com 8,2 milhões de visitantes, aumento de 9,3 % em relação ao ano anterior.
Qualidade de vida superior
Auro Azevedo, 55 anos, mora em Gramado desde dezembro de 2022. O psicólogo planejava se mudar para Portugal com a esposa e a filha, mas a ideia mudou durante a pandemia: ele, então, deixou o Hospital Albert Einstein, em São Paulo (SP), para trabalhar na rede municipal de Gramado.
— Chegou uma hora que eu não aguentava mais o ritmo da cidade (a capital paulista) e resolvemos procurar qualidade de vida. Ficamos surpresos com a qualidade do ar aqui. Em São Paulo, se você esquece a roupa no varal um dia a mais, ela fica poluída. Aqui, não. E também porque, em Gramado, tudo é próximo: às vezes, em São Paulo, eu levava duas horas para chegar em casa depois de sair do hospital — compara.
A “redução” nas distâncias não foi apenas entre locais, comenta Auro, mas também nos relacionamentos pessoais.
— É muito fácil fazer amigos aqui. Em São Paulo, era muito distanciado, eu mal conhecia o vizinho de porta do edifício. Gramado é uma cidade cosmopolita, com gente de outros Estados, que trabalham no comércio, no turismo, e gente de outros países também. A cidade te recebe muito bem — acrescenta.
O custo de vida é citado por moradores como um dos problemas de Gramado. Uns comentam que os produtos são mais caros por conta do fluxo de turistas, outros afirmam que a cidade se tornou restritiva em termos de moradia.
— Os aluguéis têm um preço bem elevado e não é muito fácil encontrar um lugar para alugar anualmente porque tem muito aluguel de temporada. Os proprietários dão mais prioridade a isso — relata Auro.
Artificial, mas importante economicamente
A casa de Karla Elenara de Oliveira, 59 anos, exemplifica a expansão de Gramado. O imóvel localizado na Avenida das Hortênsias tem como vizinhos um museu do sexo e uma pizzaria temática de super-heróis.
— Tenho uma preocupação em relação a alguns empreendimentos, que estão nos tornando uma cidade “artificial”, que em nada lembra a Gramado do passado — resume a presidente da Associação de Moradores do Bairro Avenida Central.
Karla comenta também que o custo de vida é alto em comparação a outras cidades da região — pontua que a gasolina é mais cara também —, mas que isso é compensado com “qualidade de vida”:
— Somos privilegiados em matéria de segurança. Ano a ano nascem novos e grandes eventos, que são muito bem-vindos, pois a grande maioria da população hoje depende direta ou indiretamente do turismo.
Preocupação com o crescimento
O casal de ambientalistas Hanna Drecksler, 63 anos, e Paulo Ricardo Drecksler, 68, é crítico quanto ao crescimento de Gramado nas últimas décadas. Segundo eles, a movimentação constante de turistas afasta a participação dos moradores mais antigos na rotina do município.
— A cidade perdeu muito das características bucólicas de tempos em que o estímulo era descanso, tratamento de saúde e bem-estar em família. Pensamos muito em disputar um lugar em restaurante, participar de eventos, fazer passeios. Atualmente são pouquíssimos os momentos em que podemos circular livremente, sem trânsito congestionado e movimento intenso de pedestres — diz Hanna, que mora na cidade há 45 anos.
A moradora assegura que não quer se mudar porque têm “raízes” familiares e de amizade no local e também entende que há atrativos: ela elogia o comércio, parques e restaurantes que são “comparáveis ao Primeiro Mundo”. Por outro lado, Hanna pede mais atenção do poder público com o planejamento urbano, meio ambiente e mobilidade:
— Gramado está virada em parques pagos, megaeventos, museus que não resgatam raízes e atendem às modas fugidias, atrações glamourosas que estimulam vaidades e trazem empreendedores que não têm compromisso com o morador local: me preocupa o crescimento desordenado, movido por ambição.
Os dois participam do Movimento Ambientalista da Região das Hortênsias (MARH). Paulo Ricardo acrescenta que o ajardinamento da cidade é “muito importante e bonito” e tem se mantido, mesmo com a expansão dos empreendimentos turísticos. Há, porém, cuidados a serem tomados:
A cidade perdeu muito das características bucólicas de tempos em que o estímulo era descanso, tratamento de saúde e bem-estar em família. Pensamos muito em disputar um lugar em restaurante, participar de eventos, fazer passeios. Atualmente são pouquíssimos os momentos em que podemos circular livremente, sem trânsito congestionado e movimento intenso de pedestres.
HANNA DRECKSLER
Ambientalista e moradora de Gramado
— O saneamento básico está comprometido e precisa de melhorias urgentes. A ampliação urbanística deve ser muito bem estudada, pois a concentração de automóveis está tornando o centro da cidade inviável. Muitos proprietários de casas de veraneio evitam estar na cidade nos períodos de megaeventos — conta o ambientalista.
Cidade segura
Nora de Paulo Ricardo, Bárbara Drecksler, 37 anos, afirma que, apesar da intensa movimentação de turistas e veículos, os moradores são beneficiados com qualidade de vida.
— Caminho sozinha à noite, levo o celular na mão no centro, volto da academia depois das 20h. Me sinto muito segura. É uma cidade muito bonita e limpa, com diversas atrações e locais para passear. Tem um ensino de qualidade: minha filha vai a uma escolinha municipal excelente — afirma Bárbara, que está há 11 anos em Gramado.
De negativo, ela diz que o morador já se “prepara” para a falta de água e congestionamento no trânsito durante os grandes eventos. Isso, entretanto, não a faz se arrepender de ter escolhido o município para viver.
— Acho uma boa cidade para criar minha filha, mas entendo que nem tudo é mil maravilhas. Muitos se deslumbram com Gramado, mas não existe conto de fadas. Uma coisa é passear, outra é morar — finaliza.