Por Luciano Ribeiro Pires
Servidor público e viajante
Georgetown é uma daquelas cidades inimagináveis da latina América do Sul. É a capital da Guiana, um país que é vizinho e quase esquecido do Brasil. Resultado de disputa de poder e de territórios entre britânicos e holandeses, fica em uma pequena babel geográfica e histórica: há a Guiana, antiga Guiana Inglesa, com capital em Georgetown; o Suriname, que é a antiga Guiana Holandesa, com capital em Paramaribo; e a Guiana Francesa, um departamento ultramarino da França, com capital em Cayenne. Ainda existiam a Guiana Espanhola, que fica na atual Venezuela, e a Guiana Brasileira, no atual Amapá. Toda essa região faz parte do Planalto das Guianas, que empresta o nome a toda essa região.
Minha chegada à Georgetown foi uma bela aventura. A saída foi por Boa Vista (RR), de ônibus, rumo a Bonfim, última cidade do lado brasileiro da fronteira. Peguei um táxi para atravessar de um país ao outro, fazer a imigração, chegar à cidade guianense de Lethem e, lá, pegar um Cessna Caravan, uma aeronave com capacidade para 12 passageiros. Sobrevoei por uma hora e meia a Amazônia da Guiana para então chegar a Ogle, um aeroporto que atende a aeronaves de pequeno porte em Georgetown. Peguei um táxi até o hotel, no centro da cidade, e o motorista e eu ouvimos um envolvente reggae caribenho. Já mostrando a influência cultural das ilhas ali próximas.
O passeio por Georgetown começou pela Catedral Anglicana de St. George’s, uma joia arquitetônica do país e que é uma das mais altas igrejas de madeira do mundo, com 43,5 metros. Georgetown tem várias construções coloniais, inclusive vitorianas, feitas com esse material. Em seguida, passamos por alguns prédios governamentais: City Hall (prefeitura de Georgetown), Suprema Corte e Parlamento, até chegarmos ao Stabroek Market. Esse mercado, maior do país, possui uma peculiar torre de relógio, quase um símbolo da cidade. O prédio foi concluído em 1881 e é uma reminiscência do estilo vitoriano na Guiana.
O mercado, situado às margens do Rio Demerara – sim, o açúcar demerara surgiu aqui – saem embarcações transportando pessoas e mercadorias. O rio tem vital importância econômica. Nasce nas florestas e deságua no oceano em frente a Georgetown.
Após, fomos até Bourda Market, um bairro comercial onde há brasileiros. Ouve-se muito reggae pelas ruas, ao melhor estilo caribenho, ou seja, estamos geograficamente na América do Sul, mas, culturalmente, no Caribe.
É que a Guiana foi colonizada pelo Reino Unido, assim como Jamaica, Barbados e Trinidad & Tobago, havendo uma maior identificação com esses países. Além disso, o interior é todo ele formado pela Amazônia, que isola o país dos vizinhos sul-americanos, incluindo o Brasil.
Pela noite, é hora de ver TV (uma emissora da Índia e o canal de notícias chinês CCTV), pois a noite de Georgetown não é nada convidativa: as ruas são escuras e com pouco movimento. No dia seguinte, Sexta-feira Santa, uma igreja tradicional evangélica realizava um culto com música gospel – aliás, uma cerimônia muito bela, com vozes marcantes entoando hinos religiosos. Em seguida, havia uma procissão católica alusiva à Paixão do Senhor. A próxima parada foi a Catedral Católica da Imaculada Conceição, uma bela construção de alvenaria, incomum para a cidade. Grande parte das casas e construções é feita com madeira. Mais algumas quadras e lá estava um monumento chamado “cuffy” em homenagem aos escravos. Ao lado, em um campinho, meninos jogavam cricket, o esporte mais popular do país. Outras atrações visitadas foram o Jardim Botânico e o zoológico, este mal cuidado.
Uma réplica de uma casa indígena, a Umana Yana, deixa viva a memória dos indígenas que habitam principalmente o interior do país. Perto dela fica o Seawall, um calçadão à beira-mar sobre um muro que protege a cidade de inundações. Lá, muitos vão passar o final de tarde, beber, caminhar, passear. A água é marrom e nada aprazível para um banho, pois o Demerara deságua muito próximo.
Enfim, uma bela e inesquecível aventura foi cumprida. Uma quase fábula das Guianas.
O país
- A população da Guiana é composta por negros (39%), trazidos pelos ingleses como escravos, indianos (30%), chegados após a abolição da escravatura no país, mulatos (20%), índios (10%), quase todos na selva, e chineses e brancos (1%).
- Há uma rivalidade política local entre um partido de origem indiana e outros de origem afro-guianense.
- O embate existe desde a época da colonização: aos ingleses interessava que as duas comunidades estivessem desunidas.
- Os indianos são em grande parte hindus ou muçulmanos, já os afro-guianenses são quase em sua totalidade cristãos protestantes.
- A independência só foi conquistada em 1966.
- A língua oficial é o inglês.
- População: 777 mil habitantes (300 mil na capital).
- Principais atividades econômicas: comércio, porto.
- Temperatura média anual: 25ºC.