Carbon Beach é uma meia-lua de areia em Malibu, na Califórnia (EUA), tão bela quanto exclusiva, banhada pelo Oceano Pacífico, mal-afamada pela longa e, em grande parte, infrutífera briga dos moradores ricos para manter o público afastado desse trecho espetacular de pouco mais de 1,5 quilômetro.
É também conhecida como Praia dos Bilionários, referência adequada aos californianos que garantiram seu quinhão ali – um time que, ao longo dos anos, passou a incluir David Geffen (um dos fundadores dos estúdios DreamWorks), Larry Ellison (da Oracle), Jeffrey Katzenberg (ex-presidente da Disney, hoje diretor executivo de animação na DreamWorks) e Eli Broad (única pessoa a ter duas empresas de diferentes setores, SunAmerica e KB Home, na lista das 500 maiores elaborada pela revista Fortune).
Bom, você não precisa ser bilionário (ou mesmo milionário) para acordar em um quarto com janelões do chão ao teto que faz você se sentir como se estivesse dormindo na areia, acomodar-se para tomar o café da manhã em um deque com vista panorâmica para o Pacífico, abrir as portas de correr e deixar os aromas e sons do mar invadirem seu quarto.
Mas custa caro. Muito caro.
Em 2017, o Nobu Ryokan Malibu, uma homenagem à tranquilidade das hospedarias japonesas, abriu as portas em Carbon Beach, oferecendo 16 quartos discretamente dispostos em um labirinto de teca e vidro, com duas trilhas particulares levando direto à areia. Faz parte da cadeia Nobu de hotéis e restaurantes, pertencente ao chef Nobu Matsuhisa e ao ator Robert De Niro, entre outros. O bilionário Ellison é o principal dono dessa empreitada na Costa Oeste. Há oito hotéis Nobu ao redor do mundo, mas esse é o único ryokan.
A diária de um quarto de frente para o mar, com deque, sai pela bagatela de US$ 2,3 mil, mais os US$ 300 e poucos em taxas. Esse preço é fora de estação. E a permanência mínima é de duas noites, embora o hotel tenha se mostrado disposto, pelo menos em uma ocasião, a relevar esse detalhe. (A reserva não estava no meu nome e o hotel não sabia da minha relação com o The New York Times.) Com o check-in às 16h e saída ao meio-dia, cada hora ali sai por US$ 115, sem taxas. Apavorado? Bem, a diária da suíte de frente para o mar, com claraboia, sai por US$ 3,5 mil.
Por essa pequena fábula, provavelmente poderíamos ter voado para o Japão e conferido um ryokan de verdade ou, sendo mais prático, alugar uma casa inteira em Malibu durante alguns dias. Mas, não, reservamos um quarto de hotel. Valeu a pena?
Lembretes da destruição
Este é um ano em que a Califórnia em geral, mas principalmente a região de Carbon Beach, está sendo castigada por deslizamentos, fogo, tempestades de vento e chuvas torrenciais. As chamas do Woolsey, que atingiram Malibu no fim de 2018, foram contidas a poucos quilômetros do Nobu Ryokan.
Basta pegar o carro e em questão de alguns quilômetros do hotel, pela Pacific Coast Highway (PCH), dá para ver lembretes sombrios da destruição, como os esqueletos torrados de um conjunto de casas em Point Dume, normalmente um lugar bonito para explorar, admirar das pedras os leões-marinhos e a movimentação da maré, as flores silvestres surgindo em meio ao que foi uma pilha de cinzas fumegantes. O hotel foi forçado a fechar durante o período mais crítico dos incêndios. A PCH virou um fluxo de veículos de emergência e moradores evacuados, com uma nuvem de fumaça grossa e agourenta pairando sobre o horizonte.
Não parou no fogo: uma chuvarada fria e implacável veio logo em seguida, causando avalanches nas encostas que perderam todo o verde, interditando partes da rodovia. No dia em que deveríamos entrar no hotel, a gerência foi mais do que flexível quando ligamos para pedir mudança de data, depois de acordarmos sob uma chuva torrencial e uma série de alertas de deslizamentos.
Mas há uma razão para os bilionários quererem ter a casa (ou pelo menos uma delas) nesse trecho de Malibu: é um dos mais encantadores do litoral do país – as colinas cobertas pela grama verde brilhante, que não demora a ficar marrom, caindo suavemente no mar; as ondas pontilhadas de surfistas, iluminados pela luz dourada e sedutora da Califórnia; o fato de que grande parte de Malibu é selvagem, ainda não explorada; atravessar quatro faixas, pegar a trilha que sobe as encostas e ter uma visão excepcional da costa. E correr na praia bem cedinho, no meio da neblina, pode ser uma experiência solitária, sim, mas única.
O que há por trás daquelas portas
O Ryokan fica no extremo norte de um trecho de exclusividade bem projetada que inclui o Nobu Malibu, restaurante da mesma família, e o Little Beach House Malibu, versão na Costa Oeste da Soho House londrina. Quando chegamos ao hotel, em uma tarde de sábado, com várias motos zumbindo à nossa volta, vimos que a porta da frente estava trancada, como é de praxe, para manter afastados turistas e caça-famosos. Depois de nos identificarmos como hóspedes pagantes, um clique no balcão da recepção fez deslizar as portas, revelando cinco funcionários parados no saguão, recepcionando-nos com toalhas quentes e um tour de reconhecimento.
O saguão dá para um jardim japonês verdejante, com trepadeiras floridas e um deque de ipê voltado para a praia – que ficou vazia enquanto estivemos lá. Talvez os hóspedes preferissem as espreguiçadeiras de vime de seus deques privados? Durante nossa estada, não encontramos nenhum, mas o que não faltou foram camareira, faxineira e mordomos. Passando pela trilha que leva à academia pequena, mas bem equipada, a piscina brilhava convidativamente ao sol – ela, aliás, também dava para a praia. Infelizmente, estava fechada por causa de um problema de licença envolvendo a prefeitura. Mas quem ia querer nadar?
Tínhamos de subir um lance de escadas para chegarmos ao quarto, de esquina, de frente para o mar a oeste e com as colinas de Malibu ao sul. Uma terrina de frutas frescas nos aguardava: abacaxi, amoras, framboesas, maracujá e melão, além de um bule de chá verde.
Os quartos são designados por nome. O nosso era o Suiheisen, em japonês, horizonte (entre os empregados, é conhecido como a “Suíte do Astro do Rock”). Não é particularmente grande, mas é dramático, com as paredes de janelões e a tela da TV escondida no teto, descendo a um toque de botão. No banheiro, em referência à influência japonesa, o vaso tem um assento que se ergue automaticamente ao sentir a movimentação no cômodo. Divertido a princípio, não demora a se tornar irritante.
E tem o ofurô de teca no deque, de frente para o mar, com uma cumbuca de sais aromáticos do Himalaia que devem ser salpicados antes de entrar na água. Havia toalhas grossas dispostas na parte posterior. Sentar na banheira, o vapor subindo no ar, admirando os barcos deslizando nas ondas à luz esmaecida do sol poente foi tão relaxante (desintoxicante, segundo a palavra da moda) que pensamos duas vezes em sair para jantar.
Mas saímos, claro, uma caminhada de cinco minutos até o restaurante, que combina dramatismo e vigor com um salão ao ar livre de cara para o mar, sob as estrelas. Fomos os últimos a sair, ao lado de Jack Dorsey, um dos criadores do Twitter e do Square, que comia a poucas mesas de nós.
Ryokan só no nome
Em um ryokan japonês tradicional, os hóspedes dormem em futons dispostos em tatames no chão e compartilham a área de banho; é conhecido por ser uma acomodação modesta, com café da manhã e jantar quase sempre incluídos.
“Humilde” não é bem a palavra que vem à mente nessa praia de Malibu. Nos quartos do Nobu Ryokan, há robes de caxemira da Loro Piana e yukatas – um tipo de túnica levinha – personalizadas. Futom? Pode esquecer. Essas camas são cobertas com lençóis de 800 fios da Anichi. Embora o frigobar, bem estocado, com guloseimas da Dean & DeLuca, esteja incluído no preço, as bebidas alcoólicas não estão.
O café da manhã combina com o espírito pródigo do hotel: tacos com ovos mexidos e abacate é uma forma excelente de começar o dia no deque, mas custou US$ 22 por três mordidas cada um. O café saiu por US$ 12, mas pelo menos foi preparado em cafeteira francesa (e pontualíssimo: pedi para as 10h, bateram à porta às 9h59min).
Quando acabamos de comer, já era quase meio-dia e o relógio apontava o fim de nossa estada, fato de que eu também já estava mais do que ciente. A esse preço, uma noite como a nossa pode ser uma escapada, sim, mas também uma fonte de ansiedade. E se chover? E se eu chegar atrasado? E se eu não gostar do quarto? Por esse dinheiro, será que posso me arriscar a dar uma voltinha na praia ou tenho de ficar só no deque e tomar outro banho de ofurô?
Às vezes, o excesso é realmente demais.
Por Adam Nagourney