Pobre Melbourne: depois de sete anos encabeçando a lista da Economist Intelligence Unit de melhores cidades do mundo para viver, finalmente foi desbancada, no ano passado, por outra metrópole apaixonada por café: Viena. Porém, apesar do rebaixamento, o pessoal local não está muito preocupado. E, embora a Prefeitura esteja enfrentando questões relacionadas com essa popularidade – crescimento rápido, especulação imobiliária, congestionamentos –, esse centro urbano localizado no sudeste da Austrália continua sendo a capital cultural do país. Ali há mais festivais do que o calendário pode comportar; um cenário gastronômico fértil e ousado; um compromisso com as artes que vai só se aprofundar com os planos da Galeria Nacional de Vitória de construir a maior galeria de arte contemporânea da Austrália até 2025. Melbourne pode ter perdido a coroa, mas continua cuidando de seus parques espaçosos, oferecendo o famoso flat white (como é conhecido o café com leite na Austrália) caprichado e cultivando um estilo de vida solar.
Sexta, 16h
Vida praiana
Situada na tranquila Baía de Port Phillip, Melbourne não tem a cultura do surfe de Sydney, mas o subúrbio de St. Kilda, à beira-mar, chega perto, com praias de palmeiras, ousados praticantes de kitesurfe e (geralmente) bastante sol. Comece com uma volta pelas confeitarias charmosas da Acland Street – a Monarch Cakes, de 85 anos, que faz um kugelhopf de chocolate com uma receita dos primeiros tempos da casa, e a Europa Cake Shop, que tem um cheesecake de semente de papoula e um bolo de laranja sem farinha fabulosos. A seguir, vá para a praia para um mergulho, mas, se o tempo não ajudar, siga para o Pontoon, bar elegante com pátio externo pertinho da areia, para saborear a pale ale local Stomping Ground (AU$ 14, ou cerca de US$ 10) e observar os banhistas bronzeados e tatuados que desfilam por ali.
18h30
Tudo na grelha
O cheiro da fumaça e o estalar da madeira são a primeira percepção que se tem ao entrar no Matilda, inaugurado em junho passado por Scott Pickett, um dos chefs locais mais aclamados. Praticamente todos os itens do cardápio são preparados no fogo ou à base de carvão: a cozinha aberta, que fica ao lado da entrada principal, é equipada com um defumador portátil, um forno a lenha, outro vertical e dois fogos de chão, mas não se vê fogão tradicional a gás à vista. O foco do cardápio é nos ingredientes nativos, como a perca-gigante grelhada recoberta com um grenobloise de erva-sal, cal do deserto e murta limão (AU$ 44) ou a bisteca maturada por 21 dias com molho romesco de macadâmia (AU$ 49). E, embora a tarte Tatin Pink Lady (AU$ 22) seja assada no forno tradicional, o sorvete de creme que a acompanha também recebe um leve tratamento de defumação.
21h
Balada à beira-mar
Construído em 1878, o opulento Hotel Esplanade, de frente para a baía, era o epicentro da vida social nos primórdios de St. Kilda. Alfred Felton, filantropo e grande benfeitor da Galeria Nacional de Vitória, viveu ali durante mais de uma década, até sua morte, em 1904. Ao longo do século XX, o hotel foi usado basicamente como uma casa de espetáculos, recebendo de bandas de jazz a grupos famosos, incluindo noites de música disco. Depois de entrar em decadência, o Esplanade (conhecido como "Espy") passou por uma reforma de um ano e meio, tendo sido reinaugurado em novembro de 2018, ainda voltado para a música. O complexo agora abriga três palcos, incluindo um no que era o salão de festas do hotel, o Gershwin Room, e um calendário lotado de eventos todo fim de semana, que varia desde a apresentação de bandas australianas novas até shows de arte performática conceitual. Nomes como Sun Kil Moon e Ruby Fields já passaram por lá.
Sábado, 8h30
Além do café com leite
Melbourne é um centro de madrugadores, o que não é surpresa para uma cidade que se orgulha de seu café – e, quando se trata da bebida, o Seven Seeds, que funciona como torrefação e cafeteria em um galpão convertido na região norte, é um dos melhores. A casa, que trabalha com grãos adquiridos diretamente dos produtores descobertos por olheiros em viagens a locais como Etiópia, Guatemala e a região andina da Bolívia, recentemente começou a publicar o preço que paga pela saca, para reforçar a transparência. As versões filtradas a frio (AU$ 5) são fantásticas, servidas com blocos de gelo. Os destaques do cardápio do café da manhã incluem ovos mexidos com carne de caranguejo cobertos com molho de caramelo e pimenta Sichuan e salada de hortelã e coentro (AU$ 24). As sessões públicas de degustação são realizadas geralmente aos sábados, para promover as técnicas dos baristas.
11h
Dia de feira
Conhecido simplesmente como o "Queen Vic", o Queen Victoria Market não só realiza a maior feira livre da cidade como a mais antiga, com uma história de mais de 140 anos, que mereceu um lugar na lista do Patrimônio Nacional do ano passado. Suas dependências estão sempre lotadas, não importa a hora nem o dia, por isso prepare-se para a muvuca. Ali você encontra de tudo, desde carne de carneiro e linguiças temperadas com hortelã e alecrim até ervas nativas, além de queijos e pães. Não deixe de provar a tigela de mexilhões ao vapor (a partir de AU$ 11) no The Mussel Pot. (Dica: se estiver na cidade durante a semana, dê uma chegada ao mercado nas noites de quarta, tanto no inverno como no verão.)
13h
Lição de história
No que diz respeito a histórias de origens, poucas são tão bem produzidas como a que conta o início de Melbourne no museu da cidade (ingresso adulto a AU$ 15, criança não paga). A exposição, rica e interativa, primeiro acompanha o visitante através da história dos primeiros habitantes, os indígenas, descrevendo em detalhes a devastação causada pela chegada dos europeus, em 1835 – as populações dizimadas pelas doenças, as terras roubadas. A história continua com a descrição dos primórdios de Melbourne como cidade do ouro e o crescimento fenomenal dos últimos anos. Dois outros destaques: a exposição Wild, que dá detalhes de como um agrupamento de 600 animais é afetado pelas mudanças climáticas, e a belíssima Forest Gallery, que encerra eucaliptos, samambaias e outras espécies locais, além de pássaros e peixes da região.
15h
Área de estilistas
Fitzroy já foi um bairro operário, mas hoje é destino certo para quem quiser conferir o trabalho dos estilistas locais. Há grifes nacionais conhecidas como Kloke e Handsom, e a Mud Australia, que produz peças coloridas de porcelana, o que não significa que não haja espaço para as independentes. A Uscha trabalha com peças de cerâmica de inspiração japonesa e artigos em madeira e couro feitos por artesãos locais, enquanto a Third Drawer Down fez parceria com artistas renomados e revelações para criar desenhos exclusivos para suas canecas, sacolas de viagem e peças de cozinha. Na Design a Space, mais de 80 estilistas locais alugam as araras para exibir suas criações, ficando com 90 por cento dos lucros das vendas. E o Rose St. Artists' Market, semanal, promove mais artistas, designers, padeiros e agricultores orgânicos, que podem oferecer seus produtos onde antes funcionava um ferro-velho.
18h
Jantar refinado
Conforme o cenário gastronômico e culinário de Melbourne foi amadurecendo, um chef em particular se destacou mais que todos: Andrew McConnell, que hoje tem nove estabelecimentos. Inaugurado no fim de 2015, o wine bar Marion é um dos mais populares da cidade, graças à carta de vinhos para lá de eclética e à deliciosa comida que serve a preços bastante acessíveis. A seleção do chef (AU$ 65 por cabeça) oferece a degustação de seus maiores sucessos, entre eles o martim-pescador Hiramasa com casca de laranja em conserva, picles de funcho, pimenta de espelette, pólen e flor de erva-doce e o choco grelhado com molho de cebolinha, rabanete, funcho e folhas de curry fritas. Uma curiosidade: algumas mesas dão vista para uma viela conhecida como Deadman's Lane, que ganhou esse nome pelo número de corpos amontoados ali – bêbados ou mortos – durante a época das guerras de gangues em Fitzroy, no início do século XX.
21h
Espírito australiano
Pouca gente conhece as manhas do cenário da destilação artesanal australiano, em franca expansão, como Seb Costello, dono do bar de coquetéis Bad Frankie, em Fitzroy. Batizado com o nome do ex-governador de Van Diemen's Land (atual Tasmânia), Sir John Franklin, que proibiu as destilarias pequenas na ilha no início do século XIX, o bar promove o que há de melhor na Austrália atual em matéria de destilados, com um cardápio que abrange 500 variedades locais de gim, uísque, vodca e até licores mais obscuros, como o rakia da Austrália do Sul e os absintos tasmanianos. O amor de Costello pelo país se reflete também nos jaffles, ou tostados preparados na sanduicheira, e no papel de parede com fotos antigas, algumas inclusive de seu próprio álbum de família.
Domingo, 9h
Força no pedal
[C]omeçando pelo centro, passe pelas casas de barcos do século XIX em Alexandra Gardens (que ainda são usadas pelos remadores de fim de semana), atravessando South Yarra e terminando no Convento Abbotsford, convertido em um espaço com ateliês, cafés e uma feira livre mensal.
Embora Melbourne seja um centro urbano bem amplo, é mais fácil do que se imagina conferir o sertão australiano na bucólica Trilha Main Yarra, que se estende por mais de 32 quilômetros ao longo do rio Yarra. Alugue uma bicicleta que aguente encostas bem moderadas; a Freddy's Bike Tours & Rentals oferece vários modelos para estrada a AU$ 30 por meio período. Dali, começando pelo centro, passe pelas casas de barcos do século XIX em Alexandra Gardens (que ainda são usadas pelos remadores de fim de semana), atravessando South Yarra e terminando no Convento Abbotsford, convertido em um espaço com ateliês, cafés e uma feira livre mensal. A trilha é bem sinalizada e quase toda plana, com bastante sombra fornecida pelos eucaliptos e belas vistas do rio. Se tiver sorte, você pode até ver um ornintorrinco brincando na água.
11h
Comendo com os animais
Depois do passeio, passe a tarde na fazenda. Ao lado do convento, a Collingwood Children's Farm (entrada para adultos AU$ 12, crianças AU$ 7) é uma instituição sem fins lucrativos que há 40 anos abriga vários animais (porcos Berkshire e cabritos anglo-nubianos goats, só para citar alguns) em pouco mais de quatro hectares de pastos. A criançada pode chegar bem pertinho dos bichos acompanhando os funcionários nas duas caminhadas diárias para alimentá-los, além de escovar as vacas e brincar com os porquinhos-da-índia. Depois, sente-se para desfrutar um café da manhã caprichado no Farm Café, restaurante arejado e florido com cardápio locávoro e opções como sardinhas grelhadas da Austrália do Sul com ricota, azeitonas e tomate orgânico na torrada (AU$ 21) e almôndegas com coalhada seca e tabule (AU$ 21). A visão das vacas e galinhas livres diz muita coisa a respeito de Melbourne – e de como a vida é boa ali.
Onde ficar
Fitzroy, que na década de trinta era barra pesada, hoje é uma das áreas mais descoladas da cidade – além da localização privilegiada, servida por várias linhas de trem, com acesso fácil ao centro, South Melbourne e St. Kilda. Há uma grande variedade de lofts reformados e casinhas pitorescas, que antes serviam de moradia para os operários, disponíveis no Airbnb com diárias entre AU$ 100 e AU$ 150.
É hotel, galeria ou um pouco dos dois? O Olsen (637-641 Chapel St., South Yarra, artserieshotels.com.au/olsen/), com 224 quartos, em South Yarra, é dedicado ao artista especialista em paisagens John Olsen, de 91 anos, um dos pintores australianos mais reconhecidos, com obras suas exibidas pela propriedade. Diárias a partir de AU$ 185.
Situado acima do restaurante Matilda, o United Places Botanic Gardens (157 Domain Road, South Yarra; unitedplaces.com.au) é um hotel butique de doze suítes com luminárias feitas sob medida, peças de arte e de cerâmica produzidas localmente e mobiliado com as criações da espanhola Patricia Urquiola. Diária dos quartos duplos a partir de AU$ 650.
Por Justin Bergman