Houve um tempo em que não havia muita razão para os festeiros de fim de semana se aventurarem além do extremo sul de Miami Beach, na Flórida (Estados Unidos), tão bem caracterizada na TV e pela art déco. Mas a famosa vida noturna de South Beach se espalhou, atravessando a Baía Biscayne, invadindo o interior, incluindo também galerias de arte de vanguarda, restaurantes incríveis e butiques chiques e cheias de bossa. E os problemas que isso acarreta são inevitáveis: congestionamentos que surgem em qualquer lugar, disparada nos preços dos aluguéis de certos bairros, antes tranquilos e desconhecidos, mas que foram “descobertos”, deixando os moradores nem um pouco satisfeitos.
O lado bom? O que já era um multiculturalismo alucinante ficou ainda mais rico: Little Haiti e Little Havana agora competem por atenção e influência com Little Venezuela e Little Moscow. Como os trechos de praia de areia branca de South Beach, eles continuam sensacionais como sempre, pontos de encontro para lá de tradicionais dos moradores da Grande Miami.
A balada vai até o dia raiar
O Rose Bar, no saguão do Delano Hotel, continua sendo uma opção elegante, tanto quanto nos anos 1990, quando era considerado o ponto mais frequentado por modelos de Miami Beach. Ótimo para quem quer ver e ser visto. Entretanto, se pagar US$ 20 por um coquetel básico é demais para você, vá ao Mac’s Club Deuce, um dive bar eclético que foi inaugurado em 1964 e hoje recebe motoqueiros e socialites. E nem pense em pedir um appletini.
A casa noturna Ball & Chain, em Little Havana, foi inaugurada em 1935 e já recebeu nomes como os de Count Basie (1904-1984) e Billie Holiday (1915-1959). E embora a decoração antiga sugira que um desses famosos possa reaparecer a qualquer momento, as noites não são só calcadas na nostalgia. Algumas das melhores bandas de salsa de Miami, como o Conjunto Progreso, dividem o palco com grupos mais alternativos como Palo! e o Spam Allstars, que misturam funk e psicodelia com a batida tradicional cubana. Toda noite boa termina do mesmo jeito: a pista de dança lotada de corpos suados em movimento, fazendo uma pausa ocasional para reabastecer com um mojito geladíssimo antes de voltar à diversão.
A balada em Miami vai até o dia raiar. De fato, até pouco antes da meia-noite, muita casa noturna ainda está praticamente vazia. Wynwood oferece The Electric Pickle, onde a pouca iluminação e a decoração enxutíssima combinam com o humor dos DJs, que apostam na house music sem firula e breakbeats invocados, como também o despojado Gramps, onde bandas pós-punk se apresentam ao vivo no pátio externo.
Sob o sol da Flórida
O fim da manhã é o horário perfeito para ir à praia em Miami, antes que fique quente demais e que a avenida principal, costeira, paralela à Ocean Drive da 5th até a 15th Street, comece a engarrafar. Mas, se seu negócio é sossego, siga para o norte, onde o que não falta é praia relativamente vazia sob o céu azul, ao som das ondas quebrando na orla. A areia compacta de alguns trechos é ótima para a corrida, e o passadiço vai até a 46th Street. Se você se interessar pelo Art Deco District, ali ao lado, o Miami Design Preservation League faz passeios guiados diários (US$ 25), às 10h30min. Depois, passe na La Sandwicherie, que oferece sanduíches em croissants que derretem na boca (US$ 8).
Não vá embora sem cair na água para ver a cidade do ponto de vista do peixe-boi. A South Beach Kayak oferece aluguel de caiaque (US$ 30 por duas horas) e a facilidade de sair para a baía da porta do estabelecimento (eles até guardam a chave do seu carro, caso você emborque). Siga para o sudoeste para ver o perfil do centrinho, ou vá para o norte para espiar alguns dos imóveis mais caros e exclusivos de Miami Beach. Sim, aquele lá é o Lenny Kravitz no deque. Não, ele com certeza não está acenando para convidá-lo a atracar.
Da arte à moda, uma cidade vibrante
Miami ficou famosa por abrigar uma das cenas artísticas mais vibrantes dos EUA, ao lado de Nova York e Los Angeles. Muita gente que começou em Wynwood migrou para o norte, para Little Haiti e Little River. Se quiser ver o trabalho dessas figuras, comece pela galeria Emerson Dorsch, que exibe veteranos como Robert Thiele, mas também jovens como Jenny Brillhart, Robert Chambers e Mette Tommerup. Pode-se dizer que o traço comum da “escola de Miami” é o desejo de criar objetos tácteis, seja na pintura ou na pá do helicóptero que não para de girar, e que não precisam de muito texto para impressionar o público. Siga para o norte, com paradas em Nina Johnson, Primary Projects, Pan American Art Projects, Spinello Projects, Tile Blush e Fountainhead Studios.
O Design District, na cidade de Miami propriamente dita, é lotado de butiques de luxo, de Louis Vuitton a Versace. Entre esses templos de consumo, ficam dois novos museus locais, um ao lado do outro, ambos com entrada franca. O Instituto de Arte Contemporânea combina um jardim de esculturas de clima tranquilo com galerias internas de obras conceituais de artistas do mundo todo. Mas é o destaque ao talento local que geralmente rouba a cena, das pinturas minimalistas viscerais e poderosas do falecido Darby Bannard às telas abstratas e hipnóticas de um quase-novato, Tomm El-Saieh, que está dando o que falar muito além de South Florida.
Ao lado, a de la Cruz Collection mostra os itens pessoais de Rosa e Carlos de la Cruz, em três pisos de pé-direito alto, com exposições rotativas de pesos-pesados da vanguarda, como Isa Genzken e Dana Schutz; a área permanente é reservada para os trabalhos do experimentalista cubano-americano Felix Gonzalez-Torres. Virando a esquina, duas organizações menores e mais simples – a Locust Projects e a Swampspace – exibem os trabalhos dos astros de amanhã.
Little Haiti abriga duas livrarias especializadas que, mais do que estabelecimentos comerciais, são referência cultural. A Exile Books se concentra em livros de artistas – ou seja, concebidos como obras de arte, para serem admirados e manuseados. As opções vão de fotocópias de fanzines a edições de capa dura. A Libreri Mapou atende à diáspora haitiana, ou seja, não só os livros e jornais na língua criola, difíceis de achar, mas também peças de arte e CDs importados de Porto Príncipe.
Tesouros da Lincoln Road
Foi-se o tempo em que a Lincoln Road era um centro de compras alternativo; hoje, está abarrotada de lojas de cadeia e restaurantes pega-turista. Apesar disso, algumas joias continuam firmes, como a sorveteria familiar Frieze, a livraria Books & Books, a Sinfônica New World e o ArtCenter/South Florida, com ateliês a preços decentes para artistas locais. O visitante é encorajado a caminhar pelos corredores do complexo com cara de aquário, pois os artistas residentes penduram suas obras nas janelas dos estúdios e muitos se prontificam a discutir o mais recente projeto. Só não vale bater no vidro se a porta estiver fechada e estiverem debruçados sobre a tela. O peixe dourado não gosta de ser importunado, e eles também não.
Para aplacar a fome e deliciar os olhos
“Mais fresco do que isso, só se ainda estivesse nadando no mar.” Eis o lema do Stiltsville Fish Bar, que tem jeitão de casebre de praia e cardápio cheio de opções com produtos cultivados no local. Se essa combinação não ficou aparente nas banheiras cheias de gelo para preservar os pescados do dia, os garçons podem até informar o nome do barco que trouxe esse ou aquele peixe – o que nem é tão complicado assim, já que todos os pesqueiros atracam do outro lado da rua, na marina de Sunset Harbour.
Caso você vá a Miami Beach, considere uma chance de provar o lobote frito em panela de ferro (US$ 34), ou o pompano, também natural da região (US$ 37). Deixe um espacinho para a torta de limão (US$ 12), um final refrescante para acompanhar a retirada da parede frontal da casa, móvel, e apreciar a brisa noturna e o pôr do sol.
Outra opção para o jantar na cidade é o Mandolin Aegean Bistro, no Design District, onde as culinárias grega e turca dividem o cardápio e o clima sossegado e discreto da casa que funciona nesse chalezinho dos anos 1940 em azul e branco. Por mais aconchegante que seja o salão, vale a pena sair para o pátio cercado de árvores e comer sob a luz das estrelas.
Comece a refeição com uma travessa de dips tzatziki e pastas tirokafteri com legumes cultivados na propriedade (US$ 22) ou a cafta grelhada (US$ 16). Destaque para o hambúrguer de carne de cordeiro (US$ 19) e o souvlakia de carne (US$ 32).
Onde os corpos são enterrados
Há quase 30 anos, os editores veteranos de jornal mandam seus repórteres novatos saírem para um passeio com o doutor Paul George, acadêmico e ex-presidente da Sociedade Histórica da Flórida, famoso por saber onde os corpos de Miami estão enterrados (literalmente, no caso do tour ao cemitério “Ghosts of Miami”, realizado no Dia das Bruxas).
Enriquecidas por histórias locais e um humor mordaz, as incursões de George agora são realizadas sob a tutela do Museu de História de Miami. Os locais mudam de um mês para outro, mas, seja na embarcação subindo o Rio Miami (US$ 60 o passeio), no local onde houve uma série de tiroteios durante os anos 1980 – conhecidos como a era do cowboy da cocaína –, ou nas ruas com cheiro de jasmim de Coconut Grove (US$ 15) – que já foi uma famosa enseada de piratas, e mais tarde a primeira parte da Miami moderna a ser desmatada –, sem dúvida você deve aprender alguns capítulos fascinantes do passado da cidade.
Por Brett Sokol
Como chegar
- Nenhuma empresa brasileira oferece voos diretos de Porto Alegre a Miami.
- A Azul tem um voo diário (exceto aos sábados) que parte do aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), com destino a Fort Lauderdale.
- A Latam dispõe de dois voos diários, saindo de Guarulhos (SP), rumo a Miami.
- A Gol conta com um voo diário, de Brasília a Miami.