É fim de tarde na região de Margaret River, na Austrália Ocidental. Os dourados raios do sol poente lançam um suave matiz sobre os vinhedos e são filtrados por florestas de gigantescos eucaliptos. A paisagem às vezes parece europeia. As estradas que margeiam os campos de feno formam túneis atravessando bosques de velhas árvores. De repente, surge um rebanho de cangurus cinza descansando sob as árvores, ou então, após uma curva da estrada, aparece o intenso azul do Oceano Índico.
Não é difícil entender a atração do lugar. Ao sul de Perth, capital da Austrália Ocidental, esta é uma área tão remota que é uma surpresa ter se tornado um destino apreciado por turistas amantes de gastronomia e vinho.
Não há a menor dúvida de que a região reúne todos os elementos para seduzir turistas esfomeados (e sedentos). É um lugar deslumbrante, e, embora seja uma das mais recentes regiões vinícolas do mundo, com cerca de 50 anos, já é bem robusta, com quase 100 adegas. Mas está longe de ser o único paraíso produtor de vinho na Austrália, onde há muitos outros mais antigos e de mais fácil acesso. E, no entanto, o turismo em Margaret River e região está bombando, com um aumento de 37% no número de visitantes internacionais apenas nos últimos três anos.
Como conseguiram?
A Austrália apostou numa estratégia de turismo voltada para a culinária, e não apenas para sua população de animais fofinhos. O centro da explosão turística na Austrália Ocidental é o Margaret River Gourmet Escape, um grande festival de vinhos e comidas.
Perth já é uma das mais distantes capitais do mundo, a cinco horas de voo de Sydney ou de Singapura. E são mais três horas de carro entre Perth e Margaret River, a pequena cidade que dá nome à região.
Como o festival foi parar lá?
Dez anos atrás, Perth estava no auge de um período de mineração, e os hotéis lotavam. A secretaria de turismo buscava uma forma de incentivar os visitantes a viajar mais além da capital. Ao mesmo tempo, a Brand Events – mais conhecida pelos festivais "Sabores de…" em diversas cidades – procurava pelo mundo um lugar onde montar seu próximo grande festival gastronômico. (Depois, a Brand Events foi comprada pela IMG, uma empresa internacional de esportes, moda e eventos.)
O Margaret River Gourmet Escape foi inaugurado em 2011 e desde então retorna à região todo ano em novembro. Em 2018 atraiu mais de 20 mil pessoas. O festival tem eventos espalhados pela região e consiste em jantares com degustação de vinhos, festas, sessões de autógrafos e uma "vila gourmet" central numa das principais vinícolas, com um palco para palestras e apresentações culinárias.
Uma das chaves do sucesso do festival é saber atrair grandes talentos: chefs do mundo inteiro vêm participar. Nigella Lawson foi a estrela em 2018; durante o tempo que passou lá, mostrou fotos aprazíveis do evento a 1,4 milhão de seguidores no Instagram.
O festival em 2018 foi praticamente isto: Lawson vestindo um longo esvoaçante numa praia ao pôr do sol, brindando à multidão meio ébria de foliões. O mar calmo e de um azul quase metálico, a praia decorada com enormes tendas com áreas de descanso, garçons passando com travessas de camarões grelhados e belos coquetéis, e luzes cintilantes em cordéis deixando todos mais atraentes do que na verdade eram.
Vendem-se entradas para os eventos separadamente, e o valor da hospedagem por ali pode ser bem salgado, especialmente durante o festival; comparecer pode sai bem caro, mesmo sem computar o preço da viagem. Mas a reunião anual de mídia, chefs e abastados fanáticos por comida ajudou a promover exponencialmente o perfil de Margaret River.
O que há além do festival?
A região dos vinhedos está rodeada de florestas estatais e parques nacionais, e as atividades ao ar livre são praticamente incontáveis. Ao longo da costa, o Parque Nacional Leeuwin-Naturaliste vai desde o Cabo Naturaliste até o Cabo Leeuwin, e no trajeto Cabo a Cabo há uma trilha de 122 km cheia de atraentes aventuras para muitos andarilhos australianos. Pelo caminho que ladeia a costa, avista-se o Oceano Índico quase o tempo todo e é possível fazer a trilha entre quatro e oito dias, dependendo de como se queira percorrê-la.
A maioria dos andarilhos faz do jeito antigo: levando os suprimentos na mochila e acampando onde encontra espaço. Mas há empresas que oferecem guia, transporte, alimento e alojamento. Não muito afastados da trilha, há vários hotéis de alto nível, spas e restaurantes. Uma dessas empresas, Walk Into Luxury (Caminhe com Classe), oferece passeios guiados, transporte diário de ida e volta até a trilha, refeições gourmet e hospedagem no Injidut Spa Retreat, onde vivendas de luxo têm piscinas particulares com vista para o mar.
Hotéis?
O Injidup fica em um dos mais espetaculares cenários entre todas as opções de hospedagem em Margaret River, mas está longe de ser o único nesse panorama de hotéis ultraluxuosos. Mais ao norte da trilha de Cabo a Cabo, o Smiths Beach Resort, situado em frente a uma famosa praia de surf, oferece de tudo: desde chalés de dois quartos até casas de praia de quatro quartos. Já no interior, o Forest Rise tem chalés independentes entranhados numa floresta de contos de fadas, onde cangurus saltitam por entre as árvores bem em frente à janela do seu quarto.
Há também, em abundância, opções mais em conta, como os campings por toda parte, inclusive dentro dos muitos parques nacionais da região. Subindo pela costa, um pouco acima do luxuoso Smiths Beach Resort, está o Yallingup Beach Holiday Park, onde se alugam chalés por apenas 90 dólares australianos por noite (em torno de US$ 63), e os campings são ainda mais baratos. A cidade de Margaret River abriga inúmeros simpáticos motéis por preços razoáveis.
E os restaurantes?
Os restaurantes em Margaret River também estão em rápida expansão, acompanhando de perto a indústria de vinhos, pois os vinicultores vêm aprendendo que uma sala de jantar atrai tanto quanto uma adega. Duas das mais renomadas vinícolas, a Vasse Felix e a Cullen Wines, dispõem também de dois dos restaurantes mais premiados do estado.
E às vezes há alguns maravilhosos achados, como o Miki's Open Kitchen, um sofisticado restaurante de tempura instalado num antigo salão de beleza ao fundo de uma galeria na rua principal de Margaret River. O chef, Mikihito Nagai, mora na Austrália Ocidental há 22 anos e foi atraído a Margaret River 12 anos atrás, em parte porque é um ótimo local para surfar. Em 2013, com o crescimento do turismo, viu a oportunidade de abrir um negócio desconhecido até então na região, e assim nasceu o Miki's Open Kitchen.
Atualmente, os hotéis de Perth não têm tanta procura como há dez anos. A secretaria de turismo da Austrália Ocidental e a IMG estão buscando formas de expandir o sucesso do Gourmet Escape e aumentar o destaque a outras áreas do estado. Em 2019, o festival será prolongado de quatro para dez dias, e haverá eventos em Perth, Margaret River e Swan Valley, outra região vinícola a nordeste de Perth.
Resta saber se outras partes do estado terão o mesmo êxito. Margaret River tem muito a agradecer ao Gourmet Escape, mas grande parte da popularidade que ganhou recentemente só existe graças àquela luz, àquelas árvores e àquele mar deslumbrante.
Por Besha Rodell