Por David Farley
Se você passar mais do que alguns dias na península verdejante da Ístria vai acabar ouvindo de alguém: “Tenho um amigo aqui que já morou em quatro países sem nunca ter viajado”. Alguém que tiver cem anos pode se gabar de ter nascido no Império Austro-Húngaro (que acabou em 1918), ter crescido na Itália (até 1947), passado a maior parte da idade adulta na Iugoslávia e, por fim, entrado na terceira idade na Croácia (desde 1991).
Noventa por cento desta península no norte do Adriático é território croata; o resto é esloveno, com uma pontinha italiana – e poderia muito bem ser um microcosmo da história do sudoeste europeu no século 20. Mas também é um playground mágico do século 21 para aqueles que gostam de sol, praia, cidadezinhas nas encostas, ruínas romanas, vinho regional, trufas e culinária de primeira. Quem fala italiano vai se sentir em casa, já que a maior parte da população ainda é bilíngue.
As cidadezinhas de Rovinj, Porec e Pula, à beira-mar, são estonteantes e atraem o grosso do turismo, mas os vilarejos medievais no interior, como Motovun e Groznjan, com suas comunidades artísticas e restaurantes que oferecem pratos de massa carregados de trufas, sem dúvida merecem uma visita.
Sexta-feira
15h – Mergulho à base de cerveja
Quando a San Servolo começou a fazer cerveja, ou pivo, em 2013, ninguém tinha ideia de que poderia mergulhar nela, literalmente, cinco anos depois. O recém-inaugurado San Servolo Resort & Beer Spa, ao lado da cervejaria, na entrada da cidadezinha de Buje, oferece a hóspedes e não hóspedes a chance de tomar um banho de imersão de 45 minutos na bebida enquanto se serve da torneira ao lado da banheira. Por isso, vale a pena reservar um quarto no hotel.
A seguir, você pode queimar as calorias consumidas na sauna ou dar um mergulho na piscina (cheia de água, não cerveja). O spa, incluindo o banho etílico, custa 525 kuna para hóspedes (cerca de R$ 300) e 700 (R$ 400) para não hóspedes.
18h30min – Com gelo, de frente para o mar
Escondido alguns degraus abaixo do nível da rua fica o Valentino (foto), em Rovinj, um bar de coquetéis que atrai principalmente estrangeiros. O destaque ali é a vista do Mar Adriático que se tem da parte externa. A média de preço das bebidas, como o Aperol, bem popular por lá, é de 90 kuna (cerca de R$ 51). Evite as recomendações dos garçons, que têm tendência a sugerir as opções mais caras do cardápio.
20h — Jantar estrelado
Não é surpresa o fato de a primeira estrela do guia Michelin na Croácia ter sido concedida ao Monte, restaurante que fica em Ístria. Há influências italianas nos diversos pratos de massa e ênfase nos produtos artesanais locais. A casa, no centro antigo de Rovinj, produz o próprio azeite e reúne seus pratos caprichados em menus degustação que podem incluir tartar de atum do Adriático, dumpling de lagosta e rabada, além de sorvete de erva-doce. A maioria dos vinhos da (excelente) carta é local. O menu com seis pratos sai por 849 kuna (R$ 480), sem bebida.
Sábado
9h — Caça às trufas
A Croácia, e mais especificamente a Ístria, nem sempre esteve no mapa das trufas, porque os italianos do Piemonte atravessavam a fronteira, compravam a versão branca da iguaria dos istrianos e aí as levavam de volta para seu país e as vendiam como produto da terra. Entretanto, tudo isso mudou em 2 de novembro de 1999, quando o croata Giancarlo Zigante e sua cachorra, Diana, desenterraram uma trufa de quase 1,5 kg, na época uma das maiores já encontradas.
De repente, o mundo percebeu onde o pitéu podia ser encontrado – e comprado por preços muito menores. Para sair à procura e degustar o acepipe, vá a Prodan Tartufi, perto de Buzet, onde a família Prodan e seus cães levam os visitantes em caçadas de uma hora de duração e depois preparam o que for encontrado em combinação com ovos, linguiça, queijo... A experiência e a refeição custam 475 kuna/pessoa (R$ 270).
13h — Almoço lento
Instalado onde funcionava uma prensa de azeitonas de 600 anos em uma encruzilhada no meio do nada, o Toklarija, com apenas 17 lugares, é uma das melhores experiências gastronômicas locais. Proprietário e chef, o excêntrico Nevio Sirotic capricha no “slow food”, com almoços durando pelo menos três horas, mas o fato é que o salão rústico, iluminado pela lareira, convida mesmo à permanência longa.
Sirotic usa só ingredientes locais, incluindo temperos e ervas da própria horta. Dependendo da estação do ano, a refeição pode incluir salada de aspargo silvestre, ravióli de presunto de Parma e um leitão à pururuca tão macio que nem precisa de faca. É preciso reserva, pois o preparo só inclui as refeições confirmadas do dia. O menu degustação, com seis pratos, custa 450 kuna (R$ 255).
16h — A arte da caminhada
Groznjan ainda tem um ar de abandono. Depois da II Guerra Mundial, grande parte dos moradores da cidadezinha fugiu para a Itália, deixando-a praticamente vazia. Ao final dos anos 1960, artistas e boêmios ali se fixaram. Hoje, o vilarejo charmoso, com as ruas de paralelepípedos, vê-se lotada de galerias. Na Galerija Il Punto, Gordana Kuzina e Edvard Kuzina Matei vendem suas joias artesanais e pinturas.
— Mudamos para cá há 15 anos para vender nossas peças. Não tínhamos mais condições de viver em Zagreb. Adoramos aqui — conta Kuzina Matei.
A Galerija Gasspar vende os trabalhos de vários artistas, incluindo as esculturas de vidro e bronze de Burhan Hadzialjevic e as estátuas de pedra de Gail Morris.
18h — Momento medieval
A apenas 16 quilômetros de Groznjan, no luxuriante Vale do Rio Mirna, fica Motovun, possivelmente a cidadezinha mais pitoresca da península e terra natal do piloto Mario Andretti. Murada, a aldeia tem principalmente lojinhas vendendo produtos locais, fazendo as vezes de um delicioso pit stop na caminhada das muralhas medievais (20 kuna; R$ 12).
Dê uma passada na OPG Vivoda, pouco antes dos portões, onde a família Vivoda vende os azeites (frascos de um litro a 110 kuna; R$ 63) e o conhaque com infusão de ervas chamado travarica que produz na propriedade vizinha (a garrafa de um litro sai por 130 kuna; R$ 75).
20h30min — Sushi istriano
Comemorando o vigésimo aniversário em 2018, o Damir & Ornella, em Novigrad, é uma excelente pedida culinária, com o cardápio concentrado basicamente no “crudo”. Damir trabalha no salão, cortando branzino cru e limpando vieiras em um carrinho, para depois temperá-las com azeite, um pouquinho de limão, sal e pimenta, enquanto Ornella fica na cozinha, caprichando nas opções de massa. O cardápio muda diariamente, baseado no que os pescadores tiram do mar de manhã. O menu degustação de cinco pratos, sem bebidas, sai por 500 kuna/pessoa (R$ 285).
Domingo
9h – Banho de sol na praia
Em Pula, você pode ir à praia. Saccorgiana, ao sul do centro, é uma enseada tranquila, ainda que toda coberta de seixos – apesar de não oferecer nenhuma faixa de areia, é mais confortável do que parece para o banho de sol. Tem também um trampolim, o Zeppelin Beach Bar, que oferece cerveja, vinho e refrigerantes, e estacionamento gratuito ali pertinho.
12h30min — Almoço à pescadora
Situado em uma marina agradável, no antigo vilarejo pesqueiro de Fazana, oito quilômetros ao norte de Pula, Stara Konoba (Velha Taverna) é uma boa opção para se sentar a uma das mesas externas e observar os barquinhos flutuando e os pescadores para lá e para cá. Como era de se esperar, o cardápio puxa para as opções marinhas: sardinhas grelhadas, lula à dorê, sopa de peixe e massas com mexilhão, vôngole e camarão são os destaques. O almoço sai mais ou menos 250 kuna/pessoa (R$ 142).
14h30min — O outro Coliseu
Há várias razões para descer até Pula, no extremo meridional da península, mas você só precisa de um: a arena do século 1 é o sexto maior anfiteatro romano do mundo dos 200 que ainda existem, e que já chegou a abrigar mais de 20 mil espectadores. A estrutura da capital italiana pode inspirar mais admiração por causa do tamanho e da imponência, mas o anel superior externo da versão croata ainda está intacto. O ingresso é 50 kuna (R$ 28).
Há também o Templo de Augusto, que, apesar de seus 2 mil anos, está muito bem conservado e, espalhadas pela cidade, várias ruínas romanas. Se precisar de outra desculpa para conferir a área, aí vai: é onde fica o principal aeroporto comercial da Ístria.