Eu ainda era criança quando ouvi falar pela primeira vez da Bósnia. Naquela época, o que existe de mais horroroso no planeta estava acontecendo lá: uma guerra. Como não entendia nada sobre o assunto, não dei muita bola. Eis que, quase 20 anos após o fim da Guerra da Bósnia, eu me encontrava naquele que é um dos países mais interessantes que já visitei. E foi fantástico.
Tudo começou com uma viagem sem roteiro para o Leste Europeu. Ônibus para cá, carona para lá, até que cheguei à Croácia e descobri que estava pertinho da Bósnia. Pensei: já que vim até aqui, não custa nada dar um pulo no outro lado da fronteira. Bom, custar até que custou, mas foi bem mais barato do que eu imaginava.
Por ter um passado conturbado e uma guerra relativamente recente, a Bósnia e Herzegovina - nome oficial do país - ainda é pouco explorada em termos de turismo.
Marcas de balas nos prédios. Foto: Antônio Soletti, arquivo pessoal
O resultado são preços surpreendentemente baixos em comparação a outros países europeus e até mesmo com os seus vizinhos do Leste. Além de hotéis, passeios e alimentação bastante acessíveis, o lugar reserva muitas atrações, começando pelo lado mais sombrio da sua história: a guerra.
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A Bósnia e Herzegovina é resultado da dissolução da antiga Iugoslávia, nos anos 1990. Ao contrário de outras nações que conquistaram sua independência às custas de conflitos menos intensos, a Bósnia mergulhou em uma guerra que parecia não ter fim. Foram quase quatro anos de horror e o triste saldo de 200 mil mortos. Além de ser a melhor forma de entender o que aconteceu, visitar o país tem um significado mais forte: ver de perto o real estrago de um conflito.
Se o seu objetivo é visitar destinos menos badalados mesmo em um continente bastante explorado, a Bósnia e Herzegovina é perfeita para isso. Mesmo que o país não tenha todas as facilidades dos vizinhos europeus, compensa com muita história e excentricidade.
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A violência ficou lá no passado. É até engraçado pensar que Sarajevo, que já teve a famosa "avenida dos atiradores de elite", hoje em dia seja tão segura e agradável.
Vinte anos mais tarde, entendi tudo aquilo que eu não tinha entendido quando era criança. E o melhor: tive a sorte de comprovar que o país anda mais lindo do que nunca.
Vista de Sarajevo. Foto: Antônio Soletti, arquivo pessoal
Passeio por Sarajevo
Por reunir católicos, ortodoxos e muçulmanos no mesmo território, a Bósnia é uma grande mistura de culturas e costumes. Essa mesma mistura, que já foi motivo de ódio e brigas, é o que torna o país tão especial nos dias de hoje. Em Sarajevo, por exemplo, é possível cruzar por mesquitas, igrejas e sinagogas localizadas na mesma rua. Não é à toa que a cidade é chamada de Jerusalém da Europa.
Mesmo que você só queria conhecer a parte boa dessa história, fique sabendo que é impossível fugir das cicatrizes da guerra. Elas estão por todos os lados e em todas as cidades. Prédios com marcas de tiros, paredes metralhadas, edifícios bombardeados e muitos cemitérios mostram que algo de errado aconteceu ali. Viajar pela Bósnia é se transportar para um passado de horror que, por sorte, no Brasil nunca experimentamos. É inevitável passar por uma janela cravejada de balas e se perguntar: afinal, quem estava ali? Quem atirou? Será que sobreviveu?
Sarajevo. Foto: Antônio Soletti, arquivo pessoal
Em Sarajevo, existem muitas opções de passeios que contam e revisitam locais históricos, não só da Guerra da Bósnia, mas também das duas guerras mundiais. Vale lembrar que foi em uma esquina à beira do Rio Miljacka que Francisco Ferdinando foi assassinado, dando início à I Guerra.
Um lugar bastante visitados da cidade é o Tunnel of Hope (túnel da esperança), construído por baixo da pista do aeroporto quando Sarajevo estava sitiada pelos sérvios. Na época, ele era a única porta de entrada e saída da capital. Hoje, é possível visitar uma parte do túnel e também um pequeno e interessantíssimo museu instalado no local.
Tunnel of Hope. Foto: Antônio Soletti, arquivo pessoal
Apesar da atmosfera pesada criada por sucessivos conflitos, Sarajevo tem muito mais a oferecer aos visitantes. Cercada por montanhas, a cidade que foi bombardeada está praticamente reconstruída e ainda mantém a simplicidade do passado. Os antigos bondes, por exemplo, voltaram a circular e são uma ótima opção de transporte. O comércio é formado por pequenas lojas que vendem suvenires feitos em bronze e outros metais. O mais famosos deles é o chaveiro de projétil, coisa que eles tinham de sobra nos tempos da guerra. Nas partes mais altas da cidade, ainda é possível encontrar as estruturas usadas na Olimpíada de Inverno em 1984.
Mas é à noite que a capital, Sarajevo, esquenta. Milhares de pessoas caminham tranquilamente pelas ruas ou se aglomeram nos bares ao ar livre para apreciar uma boa cerveja e muitos cigarros. Sim, a Bósnia tem um dos maiores percentuais de fumantes do mundo, uma herança da guerra, quando os combatentes do exército eram pagos com maços de cigarro.
Fotos: Antônio Soletti, arquivo pessoal
Para os carnívoros de plantão, uma ótima notícia: os pratos têm nomes esquisitos, mas são sempre à base de carne. O mais famoso deles e orgulho nacional é o cevapi, um pão sírio aberto com cebola picada e croquetes fritos feitos de carne moída. Servido em praticamente todos os restaurantes, é realmente delicioso desde que você não exagere na cebola e converse com outras pessoas mais tarde.
Belo bate-volta
Quem está nas belas praias do sul da Croácia pode aproveitar para conhecer Mostar. Essa pequena cidadezinha com ares quase medievais também foi massacrada pelos sérvios e é cheia de história.
Mesquita em Mostar. Foto: Antônio Soletti, arquivo pessoal
Destaque para a Stari Most, uma linda ponte de pedra construída no século 16 e derrubada durante a guerra dos anos 1990. Com o apoio da Unesco e de vários países, ela foi reconstruída e hoje é, disparado, o ponto turístico mais visitado da cidade. Nela, os moradores mantêm uma curiosa tradição: saltar lá de cima em direção ao Rio Neretva, que corta o município. Mas como quase nada nessa vida é de graça, eles só fazem isso mediante contribuições dos turistas, que se aglomeram para filmar e fotografar os saltos.
Como Mostar é pequena, o melhor programa é caminhar pelas ruelas tranquilas e se impressionar com as lembranças do conflito. A cidade conta com ótimos restaurantes, já que muitos turistas fazem um bate-volta vindos da Croácia.
* Lajeadense, Antônio Soletti tem 30 anos, é publicitário e mora em Porto Alegre. Ele já escreveu também sobre sua viagem à África. Confira aqui.