Por Zita Prates de Oliveira, especial*
Muitos brasileiros foram apresentados aos desenhos rupestres do Parque Nacional da Serra da Capivara na Olimpíada do Rio. Quem assistiu à cerimônia de encerramento viu, logo nas primeiras cenas, a reprodução animada dos coloridos desenhos de animais dos paredões da Capivara, no Piauí, local que concentra o maior número de sítios de arte rupestre das Américas.
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Para conhecer in loco essas belezas, foi necessário viajar um bocado. Voar de Porto Alegre a Petrolina (PE) e, de lá, rodar mais quatro horas por estradas de Pernambuco e da Bahia até São Raimundo Nonato (PI), cidade que oferece os recursos para acesso ao parque: guias, hospedagem, transporte e alimentação. Ele fica no sudeste do Estado e ocupa áreas de quatro municípios: São Raimundo Nonato, João Costa, Coronel João Dias e Brejo do Piauí, em um total de 130 mil hectares com relevos típicos de chapadas e serras. O clima predominante é o semiárido, com uma estação de chuvas ou inverno, entre novembro e maio, e uma estação seca ou verão, de junho até as primeiras chuvas. A temperatura média anual beira os 28ºC.
As pinturas rupestres são a maior, mas não a única atração do parque. Suas formações rochosas atestam as mudanças geológicas e climáticas ocorridas na região a partir de 400 milhões de anos, de uma planície costeira à formação de serras compostas por arenitos, conglomerados e rochas sedimentares. O relevo e as paisagens das serras da Capivara, Branca, Vermelha e Talhada são deslumbrantes.
Percorrendo seus boqueirões, baixões, caldeirões e tocas, é possível perceber as infinitas texturas e cores das rochas, encantar-se com o formatos e altura dos paredões, descobrir refúgios criados pela natureza e pelo homem pré-histórico. Cada trilha percorrida surpreende. Seja pela natureza, seja pelas pinturas feitas por grupos humanos nômades, que caçaram e coletaram alimentos na região e por aqueles que nela se fixaram, quando ali havia abundância de água e vegetação. Formações rochosas e trilhas de pura beleza agreste.
Aos olhos sulistas, acostumados ao verde da vegetação e às chuvas frequentes, as paisagens do parque causam estranhamento. É preciso acostumar o olhar àquela vegetação de caatinga, típica do Nordeste, sem grandes árvores, com arbustos de caule fino, acinzentados e sem folhas. Um emaranhado de galhos espinhosos que impedem qualquer tentativa de caminhar fora das trilhas demarcadas. Acima da caatinga, os grandes maciços das serras que formam o parque e o céu muito azul sem nuvens.
Observando as árvores da caatinga, aprendemos um pouco mais sobre a história econômica do Brasil. Que o ciclo da borracha não foi produto apenas da extração do látex da seringueira: no início do século 20, o Piauí foi grande produtor de borracha a partir da maniçoba. O látex era extraído da raiz mestra da árvore. Antes de extração, era cavado um buraco, forrado com argila ao redor da raiz, para preservar o látex das impurezas.
Há ainda os animais, alguns dos quais encontrados somente neste ecossistema: onças pintadas, tamanduás, caititus, tatus e mocós (roedor endêmico da caatinga), veados, macacos, lagartos, serpentes e sapos, muitos deles se mostrando aos visitantes em sua originalidade ou beleza durante as caminhadas nas trilhas.
As pinturas
Já foram identificados no parque mais de 1,3 mil sítios contendo grande quantidade de pinturas rupestres e vestígios pré-históricos e históricos (casas, fornos e outras instalações relacionadas com a ocupação pelo homem moderno). Deles, 180 estão abertos à visitação e mais de 60 são acessíveis aos visitantes com necessidades especiais. As pinturas estão localizadas nas chamadas tocas, abrigos ou reentrâncias nos paredões das rochas. Algumas dessas tocas se destacam por características especiais de beleza das rochas, das figuras rupestres e até da ambientação criada para a visitação.
As pinturas rupestres retratam figuras humanas, plantas, animais, objetos e signos em situações cotidianas como caçada, parto, sexo, luta, dança e em cenas cerimoniais e místicas de populações que circularam ou se fixaram na região entre 50 mil anos e 6 mil anos atrás. As figuras eram executadas com o uso de pigmentos como o vermelho, azul, amarelo, cinza, marrom e branco, obtidos a partir de minerais. A exceção era o preto, que vinha de ossos calcinados e moídos. O mineral mais utilizado era o óxido de ferro, que dá a cor vermelha característica das pinturas da Capivara.
Museu do Homem Americano
Outra atração da Capivara, o museu guarda, cataloga e exibe de forma interessante e interativa os principais achados das escavações arqueológicas realizadas no parque, pinturas rupestres, grafismos, artefatos, fósseis humanos e de animais. Uma visita que oferece uma viagem no tempo. Tempo que, nos registros da Capivara, é mensurado em milênios. Tudo que ali está sofreu transformações datadas em um intervalo entre 400 milhões e 6 mil anos atrás.
Cerâmica artesanal
As peças são feitas por artesãos locais utilizando argilas da região. Depois de queimadas, recebem os desenhos, releitura da arte rupestre dos sítios da Capivara. São produzidas nas cores azul, azul petróleo, bege, verde e branco, sempre utilizando pigmentos de origem mineral.
*Leitora do Viagem, Zita Prates de Oliveira é bibliotecária em Porto Alegre