Torun, na Polônia, é uma cidade medieval às margens do Rio Vistula. É conhecida por dois motivos: Nicolau Copérnico e os biscoitos de gengibre. O astrônomo nasceu lá, embora tenha se mudado quando ainda era estudante e vivido a maior parte da vida em outras paragens. Já o biscoito perfumado, há tempos é produto de exportação muito valorizado, inspirou museus e confeitarias exclusivos e abriu caminho para um debate sobre quem oferece a melhor versão.
Os artesãos, cuidadosos, há séculos guardam as receitas – e até hoje os ingredientes utilizados para a confecção do autêntico torunskie pierniki permanecem envoltos em mistério.
– Não existe só uma receita ou só uma maneira de preparar o pierniki. O problema é que muitas opções são secretas – conta Anna Kornelia Jedrzejewska, curadora do Museu do Biscoito de Gengibre de Torun, antiga fábrica de Gustav Weese, cuja família fabrica o pierniki há gerações.
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A referência mais antiga à guloseima é de 1380. O nome, pierniki, é derivado da palavra polonesa pieprz ou pierny, que significa aproximadamente "cheio de sabor picante". A cidade se encontra na antiga rota das especiarias da Ásia para a Europa.
Além disso, a abundância de solo fértil e de abelhas melíferas explica os três principais ingredientes da gostosura: mel, farinha (de centeio, trigo ou uma mistura das duas) e especiarias. O bom pierniki é resultado da mistura equilibrada de sabores.
– Canela em excesso pode deixá-lo muito doce; muito gengibre ou pimenta pode deixá-lo muito forte – ensina Pawel Laskowski, mestre biscoiteiro da Kopernik, que cresceu a partir da empresa criada pela família Weese e que hoje é a maior produtora de Torun.
Uma das receitas mais antigas do biscoito de Torun pede mel a gosto em uma tigela, aquecido com vodca forte e água, e misturado até engrossar. A essa combinação se agrega uma série de especiarias, casca de limão e açúcar.
– Até o século 19, não existia isso de dar quantidades. Todos os detalhes das receitas eram passados de geração em geração de confeiteiros. Assim, cada vez que eram preparados, tinham um gosto diferente – diz Rafal Boinski, que faz demonstrações no Museu Vivo do Biscoito de Gengibre.
Ele afirma que canela, gengibre, pimenta-do-reino, cravo e noz-moscada são obrigatórios, mas erva-doce, cardamomo, pimenta-da-Jamaica e um pouco de coentro também são bastante populares.
– As proporções dependem do freguês. Se preferir mais picante, acrescente mais pimenta ou gengibre. Se quiser mais docinho, é só pôr mais canela ou mesmo um toquinho a mais de pimenta-do-reino – ensina Boinski.
Massas guardadas em gavetas por até um ano
O Museu do Biscoito de Gengibre de Torun recentemente inaugurou um laboratório para analisar o sabor e a composição ao longo dos anos. O pierniki tradicional sai do forno molinho e só endurece depois de frio. Os biscoitos têm de ser mantidos em um local úmido, tipo um porão, em recipiente de metal ou com fecho a vácuo para amolecer. Fãs garantem que ele fica mais gostoso com o tempo.
A Kopernik vende várias opções, embora a maioria não seja mais feita com mel, que se tornou caro. Na fábrica, os confeiteiros guardam o segredo da mistura das especiarias e decidem quando usar a massa, armazenada em gavetas de metal, nas quais chegam a maturar por até um ano.
– Nem sempre dá certo, mas é por isso que ele é tão peculiar. A maioria não deixa a massa descansar por tempo suficiente – afirma Jakub Kopczynski, gerente de marketing da Kopernik.
Os elegantes e intrincados moldes entalhados de madeira em que os biscoitos eram feitos, há centenas de anos, talvez fossem tão essenciais para a popularidade do petisco quanto o sabor. Durante séculos foram considerados presentes cobiçados, feitos especialmente para nobres e dignitários. Após visita a Torun, em 1825, o compositor Frederic Chopin, com 15 anos na época, escreveu a um amigo elogiando o biscoito, chegando a afirmar que era melhor do que a arquitetura gótica local.
Embora essa versão mais elaborada continue à venda em Torun, não é comum. O pierniki da maioria das lojas e feito em casa ganha formas simples e tem uma textura ligeiramente seca.
Algumas lojas de pierniki se espalham pela cidade, uma das poucas na Polônia a escapar dos bombardeios da II Guerra Mundial. Em uma delas, perto da antiga sede da prefeitura, as paredes estão cobertas de embalagens de todos os tipos, inclusive latas decorativas, em versões realçadas por geleias.
Os dois museus têm uma seção prática, em que visitantes podem pôr a mão na massa, literalmente.
– Cada geração acrescenta algo novo à fórmula – diz Kornelia Jedrzejewska.