Faz mais de uma década que Las Vegas mantém como mote, em suas campanhas publicitárias, o slogan "O que acontece em Vegas fica em Vegas". A mensagem insinuante é que, na cidade, você com toda certeza vai perder inibições e estribeiras e se envolverá em atividades sobre as quais seria melhor que seu vizinho, sua mãe ou seu cônjuge jamais soubessem.
Estive por lá em novembro e posso garantir que, ao contrário do que habitualmente se imagina, as aventuras que acontecem e que ficam em Las Vegas pouco têm a ver com jogatina louca e desenfreada.
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É verdade que as máquinas caça-níquel e as mesas de pôquer estão por todo lado, a começar pelo setor de desembarque do aeroporto, mas elas são cada vez menos relevantes. Em 2015, por exemplo, só 10% das pessoas que visitaram a metrópole do deserto norte-americano fizeram a viagem com o propósito primário de jogar.
Mas é um caso clássico de azar no jogo e de sorte em todo o resto. As apostas podem estar estagnadas, mas o setor turístico local segue bombando.
Ainda que em termos práticos se resuma a uma única avenida – a frenética Strip, uma faixa de cinco quilômetros onde estão enfileiradas as atrações mais conhecidas –, Las Vegas alcançou em 2015 o número recorde de 42 milhões de visitantes, sete vezes a quantidade de estrangeiros que estiveram no Brasil no mesmo ano. São esses turistas que cada vez menos se dão ao trabalho de arriscar dinheiro na roleta. Na década de 1990, as apostas eram o destino de 60% dos gastos. Hoje, representam só 35%.
Para que então as pessoas estão indo a Las Vegas? Ora, para se divertir o máximo que puderem, de preferência sem limites. Isso significa assistir a espetáculos de todos os gêneros, entregar-se a comilanças homéricas, dançar nas melhores festas, visitar os locais de arquitetura e decoração mais espalhafatosas de que se tem notícia nesta galáxia, fazer compras em lojas de grife ou outlets, relaxar à beira de piscinas, conhecer gente louca para enfiar o pé na jaca, e, claro, para beber – beber muito.
Las Vegas detectou essa tendência e se adaptou. A cada ano que passa, investe mais em atrações sem relação com o jogo, incluindo a criação de espaços de lazer e comércio ao ar livre, voltados a pedestres, que quase a fazem parecer uma cidade de verdade, ao menos em alguns recantos.
Nos meus dias por lá, nem tive tempo de examinar os caça-níqueis, mas dirigi um Lamborghini a 300 km/h, sorvi coquetéis no topo de uma roda-gigante com 170 metros de altura, me senti desconfortável em um spa repleto de velhinhos pelados, assisti a um rodeio cercado por 20 mil caubóis apoiadores de Donald Trump, saboreei pratos autenticamente bons em uma réplica surreal de uma praça de Veneza construída no interior de um hotel-cassino, tirei fotos de mulheres seminuas dançando em cima de balcões de bar em plena rua e, depois de três dias de muita atividade e pouco sono, dormi gostosamente durante toda a duração de um dos oito espetáculos permanentes que o Cirque de Soleil apresenta em diferentes pontos da cidade que já não se contenta em ser apenas a meca dos cassinos.
Em busca do centro de Vegas
Quando entrei em meu quarto, no 20º andar do Hotel MGM Grand, a primeira coisa que me atraiu foi a vista: da janela, descortinava-se a pequena distância uma área apinhada de arranha-céus imponentes. Calculei que fosse o centro de Las Vegas, onde se concentrariam escritórios e instituições financeiras. Decidi ir até lá assim que houvesse uma oportunidade.
Na manhã seguinte, por motivos de jet lag, estava desperto já às 5h. Sem a menor esperança de me reconciliar com o travesseiro, resolvi colocar o plano em prática. O primeiro desafio era deixar o hotel – algo que muitos dos turistas nem se incomodam de fazer ao longo de toda sua estadia. Não porque fiquem enfurnados testando a sorte no carteado, mas apenas porque os hotéis são estruturas mastodônticas que mais parecem cidades. É possível fazer de tudo sem pôr o pé na rua.
O MGM, por exemplo, tem mais de 5 mil quartos enfileirados em corredores a perder de vista. Além disso, abrange uma dúzia de restaurantes chiques, praça de alimentação, lojas, teatros imensos (onde se pode optar entre assistir a uma apresentação do mágico David Copperfield, a um show de dança ou de comédia ou a um espetáculo do Cirque de Soleil), arena esportiva, boate, centro de convenções, piscinas, spa, rio, quedas d´água e tudo o mais que se possa imaginar, totalizando 35 mil metros quadrados.
Está longe de ser uma exceção. Ao longo da Strip, sucedem-se hotéis-cassino nos mesmos moldes, um mais mirabolante do que o outro. O valor da diária tende a ser acessível (a partir de US$ 55, no caso do MGM), porque a ideia é colocar o cliente para dentro e fazê-lo torrar seu dinheiro no cardápio quase infinito de atrações disponíveis.
Os estabelecimentos costumam ser temáticos, com opções para todos os gostos (ou para todos os tipos de mau-gosto, dirão os sarcásticos). O Luxor é inspirado no Egito e conta, naturalmente, com uma pirâmide e uma Esfinge em tamanho família como cartões de visita. O Paris, por sua vez, oferece uma réplica da Torre Eiffel e de outros prédios da capital francesa.
O Venetian é certamente um dos mais extravagantes. Na parte externa, exibe cópias do Campanário de San Marco, do Palácio Ducal, da Ponte do Rialto e de outras referências venezianas. O interior imita as vias da cidade italiana, incluindo construções típicas que funcionam como lojas e restaurantes, canais com gondoleiros cantarolantes, pontes e uma versão da Praça de San Marco não muito menor do que a original. O teto, elevadíssimo, é pintado de céu com nuvens. Dizem que à noite se enche de estrelas artificiais.
Muitas pessoas acham tudo isso lindo e luxuoso, enquanto outras consideram Las Vegas o suprassumo da breguice – mas a verdade é que se divertem da mesma forma, pelo que a experiência tem de insuperavelmente surreal ou porque, exigentes que são, sabem reconhecer que estão diante do melhor que a cafonice tem a oferecer neste mundo.
Sendo a megalomania a realidade dos hotéis-cassino de Las Vegas, não espanta que eu tenha me perdido no MGM. Só depois de uma hora percorrendo quilômetros acarpetados por salões e corredores sem fim, localizei uma das saídas para a rua. Do lado de fora, descobri que os deslocamentos não eram menos complicados. Via meu objetivo, os arranha-céus, ali do outro lado da rua, mas chegar até lá era outra história. Las Vegas não foi pensada para pedestres.
A Strip é uma via expressa e, até onde pude perceber, conta com apenas uma esquina, onde é até possível esperar diante da sinaleira e atravessar na faixa de segurança – uma experiência que, depois de alguns dias de permanência na cidade, é experimentada como um desafogo. O normal é apanhar elevadores, passarelas e escadas rolantes não apenas para atravessar a rua, mas até mesmo para chegar a uma zona contígua da calçada.
Essa é uma das características que Las Vegas está tentando mudar. As autoridades do turismo local notaram que os visitantes de hoje querem ter experiências prazerosas também como pedestres e estão investindo em moldar a cidade a isso. Mesmo com as dificuldades de locomoção ainda existentes, no entanto, percorrer a Strip de uma ponta a outra, principalmente à noite, é irresistível. Por um lado, para ver a sucessão de construções malucas, as luzes, as fontes e chafarizes, os lagos artificiais, os néons e os fogos de artifício.
Mas também para olhar as pessoas, sejam os turistas festeiros ou as figuras que pululam na calçadas com aparatosas fantasias ou sem roupa nenhuma, apenas pinturas em partes estratégicas da anatomia. Afinal, Las Vegas é conhecida como Sin City, a Cidade do Pecado, e não é a toa que o codinome está no singular. O pecado em questão aqui é basicamente o da luxúria, e o mandamento que todos quebram é o de cobiçar a mulher do próximo, o que não chega a ser um problema, porque o próximo também cobiçará a sua mulher e pode ser até que cobice você mesmo.
Depois de muito caminhar e de voltar atrás várias vezes, por ter esbarrado em becos sem saída ou escadas rolantes bloqueadas, finalmente achei a rota para os arranha-céus, onde esperava encontrar um gostinho da cidade de verdade. À medida que me aproximava, deparei com uma cópia da Estátua da Liberdade e com uma réplica da ponte do Brooklyn pousada sobre a calçada. Detrás delas, estavam os edifícios que eu buscava.
Só então, depois de hora e meia batendo perna, percebi que eles não existiam. Colados um ao outro, com alturas e estilos distintos, eram apenas a fachada de um hotel-cassino em homenagem a Nova York. Percebi que aquela ilusão era a única Las Vegas de verdade e a única verdade de Las Vegas.
Velocidade máxima
Em Las Vegas, ninguém vai ao deserto para meditar. Na manhã em que saí para a vastidão árida, o objetivo era pilotar um veículo esportivo em um pista inspirada nos circuitos de Fórmula-1 – uma das atrações eletrizantes que pululam na cidade em seu esforço por oferecer muito mais do que cassinos.
Estava ciente havia alguns dias de que teria essa experiência, mas não dedicara um único segundo a considerar o assunto. No caminho, no entanto, o nervosismo de outros jornalistas do grupo começou a me contaminar. Um estava em dúvida se teria coragem de sequer entrar no carro, outro queria ir como passageiro com um piloto profissional na direção, um terceiro estava decidido a dirigir mas já tremia por antecipação. O receio comum era perder o controle a 400 km/h em uma das curvas acentuadas do circuito e espatifar-se contra um muro.
O estabelecimento, inaugurado no ano passado depois de um investimento de US$ 30 milhões, chamava-se SpeedVegas e contava com uma bem fornida coleção de Ferraris, Lamborghinis, Porsches, Corvettes e outras fofuras do gênero. O cliente escolhe um ou dois carros e decide o número de voltas que vai dar na pista, fazendo o pagamento (a partir de US$ 99) de acordo com o pacote contratado. Antes de entrar no cockpit, precisa submeter-se a uma aula, com instruções sobre o que fazer em cada ponto da pista. Não consegui memorizar nada, o que me deixou ligeiramente alarmado. Na parede, espiava um painel que exibia dados sobre as pessoas que estavam pilotando naquele momento, incluindo os batimentos cardíacos. Eram bastante elevados.
Coloquei o capacete e fiquei à espera do meu carro. Os outros jornalistas foram antes para a pista e, passados alguns minutos, vi-os desembarcarem de suas Ferraris vermelhas de perna bamba, tremelicantes, olhos arregalados, pingando suor.
Calhou a mim um Lamborginhi amarelo. A primeira coisa que fiz ao entrar não foi nada edificante. Bati a cabeça com força na moldura da porta.
Pelo menos em um aspecto, a experiência teve algo em comum com uma aula de autoescola: um piloto profissional sempre vai no banco de passageiro. Mas o papel dele não tem ponto de contato com o de um instrutor de direção. Não está no carro para pontificar sobre as virtudes da direção defensiva, e sim para garantir que você vai pisar fundo e, contrariando todos os seus instintos, não freará nas curvas, a não ser no último instante.
Mesmo assim, as minhas primeiras duas voltas na pista foram sem sobressaltos. Eu me sentia uma ás do volante e estava totalmente satisfeito comigo mesmo. Então o piloto mostrou-se impiedoso: disse que eu estava fazendo um papel ridículo com a minha lentidão, ainda que não tenha usado exatamente essas palavras.
Tentei me recuperar na volta derradeira. Pressionei o acelerador com toda a força na reta e vi o velocímetro passar bastante a marca dos 300 km/h. Então senti as entranhas congelarem. E amarelei. Freei uns metros antes da curva, para desgosto profundo do meu instrutor, que ficou de mal e nem falou comigo na hora em que desembarcamos.
Atrações para pedestres
Flanar ao ar livre, por um calçadão charmoso, repleto de jardins, de obras de arte e de recantos para relaxar nunca foi uma experiência que se pudesse associar a Las Vegas. Nos últimos tempos, no entanto, espaços desse tipo se tornaram uma realidade. E são os próprios cassinos que estão patrocinando a construção.
O mais recente desses empreendimentos é o The Park, inaugurado em abril em um terreno localizado entre os cassinos Monte Carlo e New York-New York. O grupo MGM colocou abaixo um prédio que havia no local e gastou US$ 100 milhões para criar uma área de lazer com muito verde, cercada por bares, restaurantes e teatros. Há esculturas, fontes, árvores, lugares para sentar e até muros cobertos por espelhos d´água – nos mesmos moldes do que foi prometido no projeto do Cais Mauá.
Um pouco mais antiga, do final de 2014, é a Linq Promenade, uma extensa zona de lazer ao ar livre situada no complexo do hotel-cassino Linq. Trata-se de uma simpática rua de tijolinhos exclusiva para pedestres, repleta de palmeiras e luminárias em estilo vintage, ao longo da qual erguem-se prédios baixos, também em estilo antiquado, abrigando mais de 40 lojas e restaurantes. É a anti-Las Vegas, num oferecimento da própria Las Vegas.
A última das novidades no local é um restaurante fast-food do chef-celebridade Gordon Ramsay, estrela do reality show de culinária Masterchef. O lugar chama-se Gordon Ramsay's Fish & Ships e serve peixe e batata fritos por uns poucos dólares. Causa furor.
Mas o ponto alto – metafórica e literalmente – da Linq Promenade é a High Roller, anunciada como a maior roda-gigante de observação do mundo, alcançando 170 metros. Ela conta com 28 cabines esféricas, cada uma com capacidade para 40 pessoas, oferecendo as melhores vistas de Las Vegas e do deserto circundante. Pode-se optar por diferentes experiências lá dentro, como fazer ioga no trajeto, degustar chocolates e, nos fins de tarde, ter um happy hour nas alturas, gerenciado por um barman que não deixa faltar coquetéis.
Downtown Vegas
Estou convencido de que a melhor coisa que fiz durante meus dias em Las Vegas foi não andar na Slotzilla, a tirolesa que percorre a Freemont Sreet, principal rua do centro antigo da cidade, a uma altitude de 40 metros. Primeiramente porque, digam o que disserem, não há graça nenhuma em arremessar-se no vazio, preso apenas por um cabo, de uma plataforma equivalente a um prédio de 12 andares. O outro motivo é que, tendo declinado o convite para experimentar a tirolesa, tive tempo para percorrer a chamada Downtown Vegas – a parte mais interessante da cidade, disparado.
Reconheço que há um considerável exagero em dizer que a região é o centro antigo, a menos que se tenha uma definição muito inclusiva do que significa antigo – afinal, Las Vegas foi fundada há pouco mais de cem anos e só floresceu depois da década de 1930, quando o jogo foi legalizado. Dito isso, é inegável que Downtown emana um cheirinho de História. Foi ali que nasceu a indústria dos cassinos responsável por dar fama à Sin City.
Por isso, como se costuma dizer nos suplementos de turismo, visitar as redondezas é fazer uma viagem ao passado. É a Las Vegas clássica, com hotéis-cassino desprovidos da megalomania extravagante dos seus sucessores plantados na Strip. São aconchegantes, com um ar vintage, e enfileiram-se um ao lado do outro ao longo da estreita Freemont, em uma explosão de neon ao nível da calçada. É como estar em um filme dos anos 1950.
Décadas atrás, quando o negócio das apostas tornou-se uma poderosa indústria de entretenimento e migrou para a vastidão da Strip, algumas milhas ao sul, Downtown despencou em uma soturna decadência.
O que salvou a zona foi a atual ânsia dos turistas por experiências mais autênticas, ao ar livre, e que não estejam diretamente ligadas a perder dinheiro em uma máquina ou nas mãos de um crupiê. Em consequência, muitos milhões de dólares foram investidos nessa parte histórica da cidade nos últimos anos, e ela voltou a fervilhar. Hoje, dois em cada três turistas que visitam Vegas deslocam-se até o local.
A principal atração é a Freemont, hoje um calçadão coberto, em cujo topo passam voando os adeptos da tirolesa. Ao nível do solo, também não falta animação. Além dos cassinos, há uma profusão de bares, restaurantes e lojas, além de uma aposta firme nas promessas da sensualidade. Em diferentes pontos foram instalados palcos onde apresentam-se as "dancing DJs", jovens com tudo em cima que programam música e rebolam os corpos desnudos. Entusiasmados, os turistas dançam no meio da rua. Elas disputam a atenção dos marmanjos com as moças de biquíni que fazem acrobacias sobre os balcão de bares que funcionam em plena rua.
Também na Freemont, mas fora da zona de maior agito, fica uma novidade que já se transformou em atração de primeira linha: o Conteiner Park. Como o nome sugere, tem um parque e tem contêineres. Na verdade, é uma área de lazer, com brinquedos para crianças, cercado por um shopping composto de boutiques, restaurantes e lojas alternativas, tudo construído com contêineres de navios reciclados. O aspecto alternativo, aliás, tornou-se uma das marcas de Downtown. Nos últimos anos, grafiteiros renomados de todo o mundo têm sido convidados a usar como tela as paredes mais sombrias e os recantos mais degradados do bairro.
No coração da Arena
A vocação de Las Vegas para receber grandes eventos e espetáculos ganhou um novo fôlego neste ano, com a inauguração da T-Mobile Arena, um incrementado ginásio multiuso com capacidade para 20 mil espectadores. Desde a inauguração, o espaço recebeu estrelas da música e disputas de variadas modalidades esportivas, mas no início de novembro mostrou o alcance que é capaz de dar à palavra "multiuso": toneladas de terra foram despejadas na quadra central para que a arena pudesse acolher as finais do Professional Bull Riders (PBR), o rodeio que movimenta mais dinheiro nos Estados Unidos.
O objetivo dos competidores é permanecer oito segundos em cima de um touro furioso. Quem consegue ganha pontuação de acordo com a performance. Os que fracassam não pontuam. Trata-se de um esporte repleto de peões brasileiros. Vários foram campeões em anos recentes e, na atual temporada, cinco alcançaram um posto no ranking dos 10 melhores.
Como participavam da final 40 peões e o tempo de permanência sobre o touro era de oito segundos, isso significava no máximo pouco mais de cinco minutos de ação ao longo da noite. Levando em conta que boa parte dos participantes aguentou só um ou dois segundos na sela, foi bem menos do que isso. Mesmo assim, o evento se estendeu por cerca de quatro horas, revelando o engenho e a arte norte-americanos quando se trata de encheção de linguiça.
Para o bem e para o mal, a maior atração foi mesmo o público, ao menos para um forasteiro do Brasil interessado em conhecer algo da psiquê local. Um pouco desenxabida a princípio, a multidão transformou-se em uma efusiva e obediente massa de manobra no momento em que começou a transmissão televisiva, e os telões ordenaram que se fizesse ruído e se balançassem bandeirinhas dos Estados Unidos. Automaticamente, 20 mil bandeiras tremularam sob um barulho ensurdecedor. Depois vieram o hino nacional cantado de pé e um vídeo patriótico que extrapolava todos os limites do ridículo. A sensação era de estar na Coreia do Norte, em meio a uma massa submetida a décadas de lavagem cerebral.
Estrelado pelos competidores, o vídeo tematizava a ideia de que a América é a coisa mais incrível superior que já existiu. Quando imagens de policiais ou de soldados em ação no Iraque ou no Afeganistão eram exibidas no telão, o público vibrava em êxtase. Mas no momento em que uma imagem do ativista negro Martin Luther King foi mostrada, um silêncio gélido e sepulcral invadiu a arena.
O evento ocorreu às vésperas da eleição à presidência dos Estados Unidos e deu uma ideia do que estava por vir. Uma das estratégias dos organizadores para ocupar o tempo ocioso era colocar um caubói palhaço a fazer uma espécie de stand-up comedy no centro da arena. Em dado momento, ele lançou-se candidato, dizendo que tinha qualidades que o credenciavam para a Casa Branca. Uma delas, revelou, consistia em não ser Hillary Clinton. O público gargalhou a rédea solta. Mas quando ele disse que sua outra virtude era não ser Donald Trump, a multidão não achou graça nenhuma. Reagiu com vaias.
*O repórter viajou a convite da Las Vegas Convention and Visitors Authoritity