Um dos motivos pelos quais a ilha francesa da Córsega pode parecer tão estimulante para um visitante é que – e digo isto da melhor maneira possível – os corsos não ligam muito para você. Claro, eles fazem questão que você esteja confortável e que tudo tenha sido providenciado, mas não vão se importar muito com os detalhes do seu itinerário, recomendando essa atração ou aquela.
Sabem que a ilha é absurdamente bonita – imagine montanhas alpinas surgindo no litoral mediterrâneo –, então presumem que qualquer enseada de granito rosa, lago na montanha ou vale cercado de rochas que você veja, mesmo que não seja muito conhecido, estará entre as atrações mais maravilhosas da sua vida. E estão certos.
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Em geral, os corsos vão cuidar da vida e deixam que você descubra por si a ilha, que, com cerca de 322 mil habitantes, fica a mais ou menos 169 quilômetros da costa sul da França. Isso pode ser emocionante, mas também faz com que conhecer os moradores seja um pouco difícil, mesmo para alguém como eu, que estava visitando o lado corso da família do meu marido.
Nunca tinha ido à Córsega, e fazia 17 anos desde que meu marido, Fabrice, estivera na ilha pela última vez. Para ele, a Córsega não era o Vallée de la Restonica, uma trilha de gargantas e lagos glaciais popular entre os fãs de caminhada; nem as belas cidades costeiras de Calvi ou Porto-Vecchio, com iates ancorados em águas azul-turquesa. A Córsega que ele conhecia não era aquela que você busca, mas a que é uma surpresa: um javali que cruza seu caminho na floresta; o caminhão de açougueiro subindo a rua para vender os cortes do dia; a água de uma fonte quebrando o silêncio da noite. Cenas e sons do cotidiano de uma aldeia que exigem apenas tempo. Nós, porém, tínhamos apenas cinco dias.
A luz elétrica havia chegado às ruas de Corrano – e foi a primeira diferença notada por Fabrice quando fizemos a curva em uma estrada, com nossa filha de um ano e meio na cadeirinha no banco de trás, para entrar na aldeia encarapitada em uma montanha.
Na manhã seguinte à nossa chegada, Fabrice e eu saímos em busca do Rio Taravo, onde sua avó costumava nadar. Ele jurava que o caminho era aquele, e descemos uma montanha passando por uma casa de granito e túmulos em ruínas, em direção a uma parede de pedra. Seguimos o caminho ao lado dela.
Ao sairmos da floresta para um pasto de grama pálida e sobreiros, eu não sabia exatamente para onde olhar. Havia beleza em todos os lugares ao mesmo tempo. Quase fiquei estrábica.
Após mais uma hora de caminhada, Fabrice declarou que havia perdido o rio, mas no caminho de volta, um javali nos encontrou.
Para continuar nossa exploração das aldeias, havia feito planos para ficarmos em uma pousada não muito longe da costa oeste da ilha, mas logo depois a proprietária me escreveu dizendo que precisava de nosso quarto para a filha grávida. Um tanto desapontada, reservei o primeiro hotel que encontrei.
Enquanto degustava um Porto com gelo ao entardecer no terraço do Hôtel Abbartello, construído ao longo da costa rochosa do Olmeto, tive que admitir que as comodidades modernas do hotel foram uma mudança bem-vinda do fogão elétrico de Corrano. E inclui o torneio de bocha, realizado na manhã seguinte no estacionamento do hotel, com os moradores, como uma experiência local.
Nossa intenção era ver os penhascos de Bonifácio ao pôr do sol, então partimos de Olmeto pela N196, que nos levaria para o interior e depois para a costa sul da Córsega. Isso nos deu tempo suficiente para dar um mergulho e, claro, comer carne de porco.
A cidade de Sartène, nas montanhas, garantiu o último objetivo. O turístico, mas irresistível Cave Sartenaise vendia especialidades corsas como doce de castanha, bolos de figo e figatellu. Compramos algumas salsichas secas, pedimos para que fossem seladas a vácuo para a volta a Nova York e acabamos comendo-as na estrada, junto com tortas feitas com brocciu, um queijo de leite de ovelha ou de cabra.
Indo para o sul pela N196, vimos as florestas que cederam espaço aos cemitérios e vinhedos na beira da estrada, que deram lugar ao maquis, um emaranhado de alecrim, arbustos e suculentas. Seu perfume entrou em nosso carro ao subirmos a costa sul, quando o Mediterrâneo surgiu.
Vários metros abaixo, passamos pela praia Roccapina, uma enseada de água turquesa, e continuamos rumo a leste até a praia Tonnara varrida pelo vento, onde fomos dar um mergulho rápido.
Antes do anoitecer, chegamos a Bonifácio. De sua cidadela ventosa, esticamos o pescoço para ver as falésias brancas e ondulantes sobre o estreito azul que separa a Córsega da Sardenha, ao sul. Lá, havia grutas escuras e iates navegando rumo ao porto.
Após uma parada em um supermercado em busca de mais figatellu, voltamos ao carro e começamos a viagem de três horas para Corrano. Por quase 241 quilômetros, passamos por aldeias corsas, comemos sua comida e nos maravilhamos com suas paisagens.
Separatismo
O pouco desenvolvimento da Córsega, que resultou na preservação de sua natureza, e o reassentamento de 15 mil a 17 mil argelinos de descendência francesa depois que a Argélia ganhou sua independência, em 1962, ajudaram a gerar um ressentimento que reacendeu um movimento nacionalista na ilha.
Desde o final dos anos 1960, a Frente Nacional de Libertação, ou FLNC, grupo de separatistas mais ativo da Córsega, e outros nacionalistas vêm regularmente bombardeando e atacando edifícios do governo e foram implicados nos assassinatos de policiais, prefeitos e mais notoriamente, em 1998, do oficial de mais alta patente da França na Córsega. Os problemas políticos e criminais, porém, não conseguem abrandar a explosão do turismo.