Por Alan Feuer
The New York Times
O restaurante ficava em algum lugar perto do palácio presidencial. Pelo menos foi isso que apareceu na internet. Estava escuro em Malé, a capital das Maldivas, quando acordamos em nosso hotel, famintos após viajar por mais de 40 horas. A gente havia perdido a hora para comer no hotel: a cozinha do térreo já estava fechada. Mas o Google Maps propôs um fast-food a alguns quarteirões de distância.
No dia anterior, quando saímos do aeroporto, ainda sentindo os efeitos do jet-lag, Malé nos pareceu uma cidade com os encantos exóticos do Caribe: prédios pintados de cores brilhantes amontoados na orla, pequenas embarcações balançando no porto, e homens em scooters, que ignoram – ou desprezam – as leis de trânsito, rasgando a avenida que corre ao longo do mar.
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Mas, nessa primeira noite, quando fui comprar nosso jantar, ouvi pelas ruas uma música incompatível com esse cenário. Era um som agudo e penetrante: melancólico, vindo do Oriente Médio e aparentemente fora do lugar entre as palmeiras esbeltas que balançavam perto da praia. Eu sabia o que era, mas não esperava encontrar aqui esse estranho acompanhamento para o pad thai que havia comprado: em uma mesquita de cúpula dourada, um muezin fazia a chamada para a oração noturna.
As Maldivas, uma cadeia natural de mais de mil ilhas de coral ao largo da costa ocidental da Índia, no Mar de Laccadive, são conhecidas principalmente como um destino glamouroso de férias, o tipo de local onde os resorts são frequentados por supermodelos e seus namorados mais recentes. Sua reputação é de um lugar hedonista e decididamente chique. Em 2014, o duque e a duquesa de Cambridge passaram um feriado no país antes de partir para seu tour real por Austrália e Nova Zelândia. Eles viajaram em um hidroavião para um resort cinco estrelas no remoto atol de Noonu, no canto noroeste do país.
Mas as Maldivas, ao contrário das Bermudas ou de Saint Barths, são mais complexas do que a maioria dos lugares procurados por turistas europeus. Elas são administradas por um governo islâmico – que, na verdade, está se tornando mais extremista a cada ano. Os cidadãos das Maldivas, que em sua maioria são muçulmanos sunitas, não podem praticar religiões que não sejam o Islã. A carne de porco e o álcool são amplamente proibidos, exceto, é claro, nos hotéis que abrigam os viajantes estrangeiros. Assim que Cheyne, minha namorada, e eu chegamos ao aeroporto, vimos uma reportagem anunciando que o país havia recentemente abandonado seu código de leis quase laico e imposto a sharia.
Talvez seja próprio da natureza das férias na praia tentar escapar da realidade: ignorar a cultura local e, em essência, olhar o mar, dando as costas para a terra. Não há dúvida de que ao longo de seis dias, gastos em três resorts, Cheyne e eu cedemos às indulgências, recebendo massagens em um spa submarino e nadando com as arraias no recife de corais. Mas a atmosfera cheia glamour, embora muito empolgante, não era hermeticamente vedada. De vez em quando, a vida real – ou a vida real para os nativos das Maldivas – invadia nosso sonho.
Aos turistas, opulência
A cultura de férias por ali é dominada por resorts opulentos e isolados. A maioria dos turistas nunca coloca os pés em áreas que não sejam controladas pela indústria de viagens. Eles chegam ao aeroporto e são imediatamente guiados por funcionários uniformizados até o cais nas proximidades, de onde lanchas ultra rápidas os levam num passeio de 40 minutos às ilhas distantes.
Cheyne e eu passamos um dia em Malé, mas, na tarde seguinte, já estávamos em um desses barcos. Era uma lancha bem potente que seguiu para o elegante resort Per Aquum, na ilha de Huvafen Fushi, um banco de areia no norte do atol de Malé. Assim que pisamos a bordo, surgiram toalhas e água de coco. Depois de nos entregar os nossos coletes salva-vidas, um atendente orgulhosamente nos disse que, em divehi, o idioma nativo das Maldivas, Huvafen Fushi significa ilha de sonho.
Fomos recebidos no cais de Huvafen Fushi por uma radiante equipe de funcionários. Eles nos deram as mãos e nos cumprimentaram pelo nome. Enquanto íamos para o carrinho de golfe que nos levaria em um passeio, pétalas de rosas recentemente colhidas foram sendo espalhadas aos nossos pés.
Hufaven Fushi é um refúgio verde onde estradas de terra cortam manguezais e calçadões de madeira envelhecida passeiam sobre a água rasa, interligando a aldeia de cabanas nativas, construídas sobre palafitas num estilo falso primitivo. O resort, que se orgulha de sua privacidade, tem apenas 44 quartos.
Após o almoço no restaurante macrobiótico, nosso guia daquele dia, uma espécie de mordomo privado do resort, nos mostrou as instalações do quarto mais caro, uma vila para casais que custa US$ 22 mil por noite na alta temporada. Ela representa as Maldivas no máximo da ostentação: som ambiente, terraço com jacuzzi, escada privativa para ir até o mar e uma piscina interna ligada ao pátio exterior por meio de uma porta de vidro aberta por controle remoto.– O que nós oferecemos é uma fuga, um sonho luxuoso e a sensação de se estar longe de tudo – afirma o gerente, Marc Gussing.
Um pouco da vida real
Acho importante dizer que em nenhum momento, nem uma vez durante a nossa viagem, Cheyne ou eu sentimos que havia algo estranho ou perigoso. Longe disso: nadamos em praias vazias e demos caminhadas tranquilas sozinhos sob palmeiras frondosas.
Ainda assim, ao final da visita, senti que precisava explorar o que as Maldivas tinham para oferecer além do ambiente atencioso e irreal dos resorts. Numa tarde, resolvi ir à subdesenvolvida ilha de Guraidhoo. Com ruas de terra e cães soltos, é o lar de cerca de 2 mil habitantes simples das Maldivas.
Meu guia, Imran Janeen, me mostrou com prazer o hospital da ilha e o velho estaleiro, onde 20 homens sem camisa trabalhavam em um imenso iate de madeira que, me contaram, estava em construção fazia dois anos. Perguntei a Imran sobre a religião em Guraidhoo – se o Islã era praticado rigorosamente. Ele me disse que há três mesquitas na ilha, que tem apenas 12 hectares. Mas, ele acrescentou, também existem sete pousadas, oito ou nove restaurantes (dependendo da época) e – surpreendentemente – 50 lojas de suvenires.