O objetivo era conhecer a vida animal nas ilhas que são o grande berçário da Antártica: Geórgia do Sul, território inglês assim como as Malvinas (Falklands). A bordo, especialistas em baleias, aves, fotógrafos profissionais, geólogos, biólogos, pesquisadores, ecologistas e naturalistas, além de um casal de exploradores australianos - Tim e Pauline Carr - que moraram 14 anos nessas ilhas geladas.
Gente de muitas partes do mundo: Estados Unidos (a maioria), Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia, Índia, Israel, Canadá, Moçambique, Bélgica, Chile, Argentina, Suíça, África do Sul, Equador, Nepal (Tashi Tenzing, neto do primeiro homem a chegar no cume do Everest, em 1953) e três porto-alegrenses. Setenta e quatro disciplinados e superequipados observadores, que não se queixaram em acordar às 4h30min para conseguir a melhor luz para fotografar essa abundância de vida. Nos acompanhava um jornalista da BBC, além de alguns dos melhores fotógrafos de natureza dos EUA.
A viagem começou com uma escala em Buenos Aires, rumo a Santiago, no Chile. De lá, uma parada em Punta Arenas, de onde saem os voos para as Ilhas Malvinas (um por semana). Das Malvinas, partiu o quebra-gelo Ortelius, que navegou dois dias até chegar à Geórgia do Sul.
O lugar é espetacular. Baías incríveis, montanhas cobertas de gelo, rochas de diversos formatos e cores, águas cristalinas e muito frio. Um berçário fantástico de mamíferos e aves exóticas, como elefantes marinhos de até cinco metros de comprimento, albatrozes de três metros de envergadura, grandes skuas e petréis, colônias enormes de pinguins, focas peludas. Baleias, nesta época, são poucas, talvez devido à caça durante muitos anos. No caminho, deparamos com icebergs do tamanho de uma quadra inteira, flutuando perigosamente.
O clima muda o tempo todo. Em um mesmo dia, temos sol, chuva, vento fortes e sempre gelados, neve, sol de novo, chuva de gelo, tempo fechado. É preciso estar protegido: três camadas de roupas, balaclava, botas à prova d'água, duas luvas, poderosos óculos de sol e, sempre, muito protetor solar, pois o sol refletido na neve queima muito!
Os exploradores
Muitos foram os exploradores do mítico continente gelado desde o século 15. O interesse pela Antártica vem da época do descobrimento do Brasil. Também lá os portugueses foram os primeiros a chegar, em 1505. James Cook, em 1773, foi o pioneiro em cruzar o Circulo Antártico.
Uma frase que define bem os mais importantes exploradores: "Se estamos buscando eficácia, o cara é o Amundsen. Se buscamos descoberta científica, o cara é o Scott. Se estamos ferrados e não sabemos como sair, o cara é o Schakleton!". O anglo-irlandês é o mais famoso explorador e exemplo para o mundo pela superação. Em 1914, saiu da Inglaterra para cruzar o Círculo Polar e viu seu navio ficar preso e ser destruído pelo gelo. Saiu com três pequenos barcos pela região e conseguiu salvar toda a sua tripulação. Na Geórgia, há um túmulo em sua memória.
No século 18, ainda antes do petróleo ser o que é hoje, a caça à baleia representava um grande negócio, pois tinha seu óleo bastante valorizado. As focas também eram muito caçadas. Há um relato de que um só barco matou 100 mil focas em cinco anos.
Na baía de Stromness, pode-se visitar estações baleeiras, onde o óleo era extraído, e a carne, industrializada. Esse local era considerado a favela da ilha, pelo cheiro de matança de baleias.
Mas o turismo na Antártica só começou em 1966. Hoje, há várias empresas do mundo todo que fazem roteiros pelo Sul. Fomos com a americana Cheeseman's Ecological Safaris. A bordo, aulas sobre tudo ligado à natureza: fotografia criativa de paisagens, vida marinha na Antártica, experiências de quem viveu lá, biodiversidade, a escalada do Everest, animais antárticos, ursos marrons do Alasca, preservação do meio ambiente, comportamento das baleias, arqueologia marinha, aquecimento global etc.
Caminhar no navio é um desafio em dias de mar forte. Pegamos ondas de até 10 metros. Parecemos pinguins caminhando pelos corredores, e muitos enjoam. Durante 10 dias, circulamos em volta da grande ilha. É um autêntico berçário e viveiro de um sem-número de espécies, que escolhem as ilhas para se reproduzir e/ou viver. Descer nas baías é uma experiência exigente, pois só se chega nelas por meio de Zodiacs (botes infláveis).
A preservação
Os cuidados com a preservação são incríveis. Ainda a bordo, todas as roupas e os equipamentos que descerão às ilhas são minuciosamente inspecionados. Aspiradores de pó e pinças buscam todo grão de sementes que poderia contaminar as espécies que vivem no local. Em cada saída ou chegada, as botas são desinfetadas. Ao entardecer, um aviso: fechar as escotilhas e as cortinas dos quartos, para evitar que aves sejam atraídas e batam contra o vidro. No início da viagem, somos convidados a sincronizar as câmeras de fotografia na mesma hora, dia e local para que os animais fotografados possam ser rastreados em seus deslocamentos pelo mundo, além de estimar se as populações estão diminuindo ou aumentando. Baleias e aves, especialmente, são reconhecidas por marcas e desenhos.
Os animais
Durante a viagem, encontramos 42 espécies de animais e aves diferentes. Das 17 espécies de pinguins existentes no mundo, 15 circulam por aqui. Das 85 espécies de baleias do mundo, 37 estão na Antártica. Sem falar nas 14 espécies de focas e 150 espécies de peixes.
É um ambiente lindo, mas violento. O clima, o mar, os animais se atacando uns aos outros para sobreviver. Em quase todos os locais, milhares de pinguins fazem seus ninhos na praia ou nas encostas dos morros. Só na Baía de St. Andrews, está a maior colônia de pinguins-rei do mundo, estimada em 300 mil animais adultos e em torno de 100 mil filhotes todos os anos. Em outros locais, encontramos pinguins das espécies: adélie, chinstrap, emperor, gentoo e macaroni, além do king.
Outra presença constante foi as centenas de elefantes-marinhos se reproduzindo, dando à luz filhotes. Um espetáculo à parte é observar os gigantescos machos de até cinco toneladas disputarem seus haréns - que podem chegar até a cem fêmeas para um macho. Todos têm profundos cortes no pescoço causados por suas frequentes brigas.
Os albatrozes que circulam pelos céus fazem seus ninhos nas ilhas. Logo que nascem ficam semanas exercitando suas poderosas asas antes de sair do ninho. São as maiores aves que existem, com asas que chegam a três metros de ponta a ponta. Podem ficar dois anos sem tocar a terra, circulando pelos mares, onde dão uma volta ao mundo por ano. Vivem entre 50 e 60 anos e, em toda a sua vida, voam em torno de 8,5 milhões de quilômetros. Usam as correntes de ar ascendentes e descendentes para voar com um mínimo de esforço, quase sem bater asas. Mas sua população diminui em torno de 2% ao ano, assim como os pinguins macaroni e outras espécies.
Quase todos dependem do krill, um tipo minúsculo de camarão, que alimenta baleias, albatrozes, pinguins e peixes. Como o krill vive de fitoplâncton, que diminui, atinge toda a cadeia! Só uma espécie de pinguins cresce: os gentoos.
Muito disso causado pelo degelo mundial. Aqui também se sente que o gelo encolhe a cada ano!
Os locais
Em torno de toda a ilha, Gold Harbour, Cooper Bay, Drygalski Fjord, Hercules Bay, Cumberland Bay, Cave Cove, Peggoty Bluff, King Haakon Bay e Fortuna Bay são os locais mais incríveis. Grytviken é a única cidadezinha da ilha, onde vivem cerca de 30 pessoas, junto a uma antiga estação baleeira, um correio e um pequeno museu.
*Publicitário, Alfredo Fedrizzi é sócio-diretor da agência Escala