A temperatura chegava fácil aos 32ºC quando Mohamed enrolava um longo lenço azul na minha cabeça, a proteção solar usada pelos nômades do deserto do Marrocos. Ali perto, camelos bufavam e gemiam, esperando os tratadores que os equipariam com selas para a viagem. Atrás de nós, emergia uma longa duna dupla e um oceano de areia ondulando até se perder de vista. Depois de uma jornada de uma semana pelo sul do Marrocos, estava pronto para me aventurar pelo Saara, o ponto alto de um sonho de duas décadas.
- Água? - perguntou Mohamed, o jovem gerente do meu hotel, apontando para a sacola contendo minhas provisões: uma laranja, uma escova de dentes e, sim, uma garrafa de água.
De repente, os suprimentos me pareceram irresponsavelmente escassos.
Esperei por conselhos sobre como me proteger do sol, locomoção no deserto, táticas de sobrevivência e os piores problemas possíveis, mas Mohamed só sorriu. Uma brisa de primavera soprou, evocando um pensamento paranoico.
- Não há risco de tempestades de areia? Elas começam no verão, certo? - perguntei ao gerente.
- Não, elas começam por agora - disse com um sorrisinho.
E então voltou para o hotel, deixando-me com um guia adolescente.
Mohamed, gerente do hotel. Foto: Malu Alvarez,The New York Times
Tentei rir do comentário. Afinal, esse era apenas o maior deserto do planeta, um mundo incansável de sol e areia abrasadora, onde você pode cambalear sem direção por dias ou semanas, em um calor letal, sem ter um vislumbre sequer de vida humana ou animal, a não ser por um eventual escorpião. Qual era a pior coisa que poderia acontecer?
A primeira vez que os ventos do Saara sopraram em minha vida foi há 20 anos, quando eu fazia pós-graduação. Eles saíram das páginas de O Céu que nos Protege, romance existencial dos anos 1940 de Paul Bowles sobre o desenrolar das vidas de três americanos viajando pelo deserto do norte da África.
Desde as primeiras palavras, fiquei encantado e desencorajado: "Ele acordou, abriu os olhos. O quarto significava muito pouco; estava profundamente imerso na não existência de onde havia acabado de vir". Frases de profunda tristeza me carregaram por caminhos tão maravilhosos como aqueles seguidos pelos nômades do livro, que se embrenham cada vez mais nas profundezas do deserto indiferente. "Ela ficou impressionada com o silêncio do lugar", escreve Bowles sobre Kit, que viaja com seu marido, Port. "Poderia ter pensado que não havia nenhum outro ser vivo a milhas de distância. O famoso silêncio do Saara."
O famoso silêncio do Saara. A frase ecoou. Nos anos seguintes, alimentei o mesmo sonho das protegidas garotas das montanhas cuja história se torna o condutor temático de O Céu que nos Protege: visitar o deserto, subir a duna mais alta, beber chá no Saara.
Em março, o momento chegou. Após explorar Marrakesh, Fez e Casablanca em visitas anteriores, dirigi-me ao extenso sul rural, uma região com menos densidade humana e perspectivas mais vastas.
Em linhas de ônibus CTM e Supratours, viajei pelas raras montanhas e paisagens de cânions dos berberes, os habitantes de pele clara do norte da África, que chegaram antes dos invasores árabes do século 7 e compõem a maior parte da população do sul do Marrocos.
Da costa do Atlântico às dunas do Saara, a jornada de sete dias mostrou cidades tanto fascinantes quanto abandonadas. Em quase todas as paradas, encontrei fantasmas do próprio Bowles.
Agadir
Depois de descer em Marrakesh, fiz uma viagem de ônibus de três horas para Agadir, um refúgio costeiro de praias modestas, campos de golfe e resorts. O meu, um complexo branco de arquitetura mourisca moderna chamado Kenzi Europa, pareceu especialmente popular entre os visitantes do norte da Europa, que voam para o aeroporto internacional de Agadir em companhias aéreas baratas e enchem as piscinas dos hotéis all-inclusive.
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Sabendo que Agadir seria minha última chance de aproveitar a praia, os frutos do mar frescos e qualquer coisa semelhante a uma noitada convencional, deixei-me ser rapidamente mimado antes de encarar as privações das zonas rurais. A rua principal, Boulevard 20 Août, levou-me até minha primeira necessidade, entre prédios de concreto branco um pouco sujos, até a costa do Atlântico.
Praia em Agadir. Foto: Malu Alvarez,The New York Times
Vinte e cinco dirhams me arrumaram uma cama ao sol no Chez Aziz, um clube de praia. Quarenta e cinco mais trouxeram uma cerveja Casablanca gelada. Uma gaivota solitária mergulhou no céu azul enquanto as ondas batiam, dissolvendo qualquer sensação de passagem do tempo.
Taroudant
Um ônibus me carregou entre planícies desgrenhadas, com árvores parecidas com esqueletos e conjuntos de casebres de barro. Duas horas mais tarde, em Taroudant, encontrei um labirinto de ruas estreitas com prédios baixos e velhos enfileirados. Uma cacofonia de ruídos ressoava: lambretas baratas e barulhentas, táxis buzinando, o som dos cascos dos cavalos puxando carroças, rádios tocando pop marroquino.
Vista do terraço do Chez Nada. Foto: Malu Alvarez,The New York Times
Então essa, pensei, é a Pequena Marrakesh, como os marroquinos apelidaram Taroudant, por causa da história que divide com sua prima chamativa e mais famosa do norte. Taroudant, e depois Marrakesh, serviu de capital
para os Saadians, uma das poderosas dinastias árabes que lutaram pelo controle do Marrocos, entre os séculos 16 e 17, e as duas cidades ainda possuem gastas muralhas caneladas, mercados labirínticos e praças centrais animadas por uma população de curandeiros folclóricos e encantadores de serpentes.
As semelhanças pareciam terminar aí. De um modo agradável, Taroudant não tinha o luxo brilhante e as marcas globais que tomam conta de Marrakesh.
Ouarzazate
Depois de Taroudant, a paisagem se tornou um mundo de pedra, areia e mato com os picos recortados das montanhas Atlas à distância. Curiosidades geológicas - imensas entranhas derramadas, esculturas gigantes de pingos de areia - passavam rapidamente. Uma estradinha tortuosa subia pelas encostas e descia em um vale pontilhado por cidades de uma só rua. Depois, as planícies estéreis reapareciam.
Praça de Ouarzazate. Foto: Malu Alvarez,The New York Times
De repente, quatro horas depois de deixar Taroudant, o ônibus começou a avançar por ruas mais urbanizadas, cheias de carros novos e brilhantes, prédios ocres, postes de ferro e fontes jorrando água. Construída pelos colonizadores franceses nos anos 20 como uma cidade militar, Ouarzazate irradia um sentimento de organização europeia.
Merzouga
Viajei por oito horas no dia seguinte em um ônibus quase vazio para meu destino final, Merzouga. Dormi e acordei muito depois, quando passávamos ao lado de um grande leito de rio. A noite já havia caído.
- Senhor Sherwood?
Dois homens em longos robes me explicaram que meu hotel os havia mandado. Em um carro subcompacto, chacoalhamos por ruas sem pavimentação até chegarmos a Ksar Bicha, um complexo cor de areia parecido com uma fortaleza. O gerente, Mohamed, deu-me as boas-vindas, levou-me até uma varanda no segundo andar e apontou para a noite.
- Amanhã, quando o sol sair, você verá as dunas. Elas estão aqui perto, do outro lado da parede - afirmou ele.
E estavam mesmo. Acordei ao amanhecer com os bufados e os gritos dos camelos e seus tratadores, ali ao lado do hotel. Então, eles sumiram. Um adolescente levou nosso comboio de dois camelos pelas dunas.
Vista do terraço do Ksar Bicha. Foto: Malu Alvarez,The New York Times
Como se estivéssemos em barcos, fomos jogados para cima e para baixo das ondas de areia no ritmo da batida dos pés dos animais.
Depois de poucas horas, chegamos ao acampamento de deserto do hotel. Atrás dele, uma duna avermelhada. Desmontei, joguei minha bagagem em uma tenda e corri para cima da escarpa, escorregando e tropeçando na areia.
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Cambaleando para cima, cheguei a um patamar depois de 30 minutos excruciantes. Tinha conquistado apenas metade da
duna, mas senti um arrepio de satisfação enquanto arfava. Na minha frente, um panorama do deserto dourado se estendia em todas as direções.
"A paisagem do deserto é sempre melhor na meia-luz do amanhecer e do entardecer", escreveu Bowles. "Falta a sensação de distância: uma crista próxima pode ser uma cordilheira longínqua, cada detalhe pode ter a importância de uma variante maior no tema repetitivo do interior."
Perto do cair da noite, voltei para o acampamento. Estrelas recortadas brilhavam acima de nossas cabeças como uma pintura de Van Gogh. Um funcionário em uma chilaba (túnica) veio com um pote prateado.
Depois de uma semana cruzando o Marrocos, meu sonho de duas décadas foi realizado: tomar chá no Saara.