A muralha de pedras se vê imponente à distância, como uma resistência para não ser engolida pela imensidão do Rio da Prata. Do alto, surge um canhão que dá a ideia ao visitante de que aquele está longe de ser um lugar turístico comum. Remanescente do período em que os destinos das terras uruguaias começaram a ser traçados, o armamento em ferro perfeitamente conservado já não ameaça ninguém. Ao contrário, convida.
A entrada pelo portal da cidadela é guardada pelo brasão da coroa portuguesa. Ao pisar a primeira viga de madeira abaixo do portal, a tradição manda fazer um pedido em silêncio. É o passo inicial para embarcar nos mais de 300 anos de história de Colônia do Sacramento. Ao longo dos 12 hectares cuidadosamente preservados da cidade histórica, em um passeio que não dura menos do que um dia inteiro, é impossível não se apaixonar pelo clima aconchegante entre o casario e as ruas de pedras - boa parte delas ainda originais do final do século 17.
Desde 1995, a Colônia do Sacramento ou, originalmente, a Colônia do Santíssimo Sacramento, é considerada patrimônio histórico pela Unesco. Foi o reconhecimento a uma história marcada pela resistência desde sempre.
A um barco de Buenos Aires
Dizem que ali, em Colônia, o sentimento de ser uruguaio está mais vivo. Não na forma de bairrismo, mas de receptividade. Em dias de céu claro, desde a ponta da muralha, às margens do Rio da Prata, vê-se a silhueta de Buenos Aires e, principalmente, do seu porto. Hoje, é a partir da capital argentina que chega a maior parte dos turistas a esse destino uruguaio, em uma viagem de barco de uma hora.
Uma realidade bem diferente da vivida em mais de um século por essa fortificação instalada pelos portugueses. No meio do caminho, por água, até Buenos Aires, está a Ilha de San Gabriel. Foi ali que o governador da capitania do Rio de Janeiro, Manuel Lobo, atracou pela primeira vez em janeiro de 1680. Depois de observar que, na margem leste do Rio da Prata, os espanhóis realmente não estavam instalados, resolveu avançar. Acabou por criar a primeira cidade do que viria a ser o Uruguai.
O portal de Colônia
Foto: Ministério do Turismo do Uruguai, divulgação
Um ponto estratégico para portugueses e ambicionado por espanhóis. Até o começo do século 19, essa terra mudou de mãos sete vezes. Se os espanhóis a tomavam pela força das armas, os portugueses retomavam na base de acordos diplomáticos. Essa disputa quase sem fim está marcada na arquitetura da cidade.
É preciso disposição para caminhar entre as ladeiras e muita curiosidade para sentir-se no ambiente dos moradores originais da Colônia. Eles dividiam espaço em casas baixas, erguidas com tijolos e parede de barro, recobertas em cal e sangue de animais, e que até hoje mantêm o tom avermelhado.
As telhas são típicas dos portugueses, ou melhor, dos escravos que a faziam displicentemente. Casinhas típicas portuguesas são vizinhas de outras com características espanholas. Estas, livres dos cercos militares, foram erguidas com maior riqueza de materiais e, sobretudo, com a riqueza de detalhes dos espanhóis nos ferros.
Restaurantes aconchegantes
Nesse caminho, além de entender os motivos da resistência aos exércitos, a recuperada arquitetura da Igreja do Santíssimo Sacramento e as ruínas do Convento de San Francisco, que hoje divide espaço com o Farol da Colônia, mostram a força desta comunidade às vontades da natureza.
As ruas de Colônia têm um charme encantador e são perfeitas para passar tardes
Foto: Ministério do Turismo do Uruguai, divulgação
Então, se o vento vindo do Prata bater forte, ou se até mesmo a chuva lhe pegar de surpresa, não deixe de saborear a culinária típica em cada um dos restaurantes aconchegantes que ocupam parte do casario histórico. Ou ainda o artesanato único da cidade histórica.
Mas, acima de tudo, não deixe de fazer seu pedido no portal. Quem sabe assim você espante a maldição da freira (monja) que até hoje assombra as ruas da Colônia.
A Rua dos Suspiros
Parada obrigatória na cidade histórica é a Calle de los Suspiros (Rua dos Suspiros), onde todo o casario e o calçamento são originais dos séculos 17 e 18. A curiosidade está no nome. Há pelo menos duas versões.
É fato que a via, por ser a porta de entrada da cidade quando as embarcações atracavam ali, era ponto de prostituição. Uns dizem que os suspiros partiam de dentro das casas.
Mais romanesca é a versão que relaciona o suspiro aos escravos negros. Ao desembarcarem dos navios negreiros, eles suspiravam por pisar em terra firme, justo no começo da via. Mas eram forçados a subir a tal rua e, lá no alto, na praça central, eram comercializados.
Foto: Ministério do Turismo do Uruguai, divulgação
A maldição da "monja"
Dois anos depois da chegada de Manuel Lobo (fundador de Colônia), como era comum nos povoados portugueses e espanhóis, começou a ser construído o Convento de San Francisco, concluído em 1694. Dez anos depois, já sob domínio espanhol, o local foi destruído por um incêndio.
Com a chegada dos espanhóis a Colônia, porém, os monges e freiras que viviam ali foram expulsos. Diz a lenda que apenas uma delas resistiu. E, quando finalmente foi expulsa, amaldiçoou a cidade. Os moradores garantem que a maldição da "monja" sempre se manifesta. Basta marcar algum grande evento, como o aniversário da cidade, e a chuva estraga tudo.
Hoje, as ruínas do convento são um lugar de visitação obrigatória.
Tempestade sobre a Igreja do Santíssimo Sacramento
Construída em 1808, a Igreja do Santíssimo Sacramento foi erguida com muros de pedras em um estilo tradicional português. O detalhe é que a pólvora da Colônia era guardada no forro da igreja.
Pois em 1823, enquanto crianças eram batizadas, uma tempestade se abateu sobre a cidade. Quando os moradores saíram da igreja, um raio a atingiu, causando uma explosão.
Restaram somente as duas colunas frontais e o muro dos fundos da igreja originais. A partir do final da década de 1950, a arquitetura original foi recuperada, mantendo as colunas e o muro que sobreviveram à tragédia.
A igreja é adornada com obras originais do período jesuítico.
O passeio
A Colônia do Sacramento é considerada cidade-irmã de Pelotas. Fica a 177 quilômetros de Montevidéu, a duas horas de carro, mas a maior parte dos turistas que a acessam chegam por água a partir de Buenos Aires, que fica a 40 quilômetros, em uma viagem de barco de uma hora. Alguns pacotes turísticos para a capital argentina incluem a visita a Colônia do Sacramento.
Um destino adequado tanto a mochileiros quanto ao turismo em família, pela tranquilidade do lugar. Recebe hoje turistas do mundo inteiro, mas, apesar de uma história que se confunde com a da formação do Rio Grande do Sul, ainda não está entre os principais destinos dos brasileiros no Uruguai.
E as condições podem ser consideradas favoráveis do ponto de vista do custo. É possível se hospedar em Colônia do Sacramento com diárias que variam de US$ 12 (hostel) a até US$ 193.
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Para passear pela cidade histórica, e entender os detalhes, o ideal é ser acompanhado por um guia em um passeio que dura em média quatro horas por R$ 16. O roteiro inclui ainda cinco pequenos museus com visitação a preço único, em torno de R$ 5.
A partida dos passeios é feita do porto da Colônia, onde está o recém-inaugurado Centro de Interpretação (BIT). Ali, antes de mergulhar no passado, o turista é convidado a ser engolido pelas belezas do Uruguai em uma sala multimídia ao melhor estilo Disney.
O tesouro dos vinhedos
É preciso sair da cidade histórica, pela Ruta 21, para conhecer um dos tesouros de Colônia, e de todo o Uruguai. Um dos berços do vinho Tannat. A vinícola Los Cerros de San Juan, criada em 1854, foi a primeira a produzir vinho industrialmente no país em uma propriedade na época mantida por uma família alemã.
Perto de Colônia fica a vinícola que é o berço do vinho Tannat
Foto: Ministério do Turismo do Uruguai, divulgação
Chegou a ter 9 mil hectares entre os rios do Prata e San Juan. É o ponto mais próximo do Uruguai, pelo Prata, com Buenos Aires. Hoje mantida por empresários argentinos, a propriedade tem 220 hectares (46 dedicados aos vinhedos). Recebe turistas para degustação acompanhada de um belo assado e de uma aula sobre a história do vinho no país - e principalmente sobre a produção do Tannat.
Para fisgar os gaúchos
Os principais destinos dos gaúchos no Uruguai ainda são a fronteira seca, Punta del Este e Montevidéu. Nesta temporada, a intenção dos uruguaios é conseguir fisgar os gaúchos também a outros atrações turísticas como Colônia do Sacramento, o Carnaval ou as sete zonas termais no Rio Uruguai, com ônibus partindo direto de Porto Alegre.
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Há ainda uma estratégia de fortalecimento do turismo natural, no distrito de Rocha, onde fica Punta del Diablo.
A polêmica da maconha
As autoridades uruguaias não apostam na adaptação ao chamado turismo canábico a partir da liberação do consumo da maconha no país.
- Não foi uma liberação irrestrita. A venda só foi autorizada a pessoas que residem no Uruguai. Na verdade, foi uma alternativa, uma vez que as políticas de repressão não funcionaram - aponta o vice-ministro de Turismo e Esporte uruguaio, Antonio Carámbula.
Sobretudo após a legalização da união homoafetiva, o país assumiu a posição de nação mais "gay friendly" da América do Sul.
- O Uruguai é um lugar seguro, saudável e onde as pessoas podem se sentir bem - define Carámbula.
Saiba mais
*Eduardo viajou a convite do Ministério do Turismo do Uruguai