Em setembro de 2013, minha mulher, Márcia, e eu conhecemos a Índia, este país fascinante. Já no planejamento da viagem, alguns meses antes, indecisos sobre como iríamos nos locomover, descobrimos, em uma publicação de turismo, uma referência a uma agência de Nova Délhi (Saga World Travels), referenciada pelo Ministério de Turismo da Índia.
Entramos em contato por e-mail e fechamos um pacote de 15 dias, com motorista particular (depois constatamos ser o melhor meio de viajar pelo país e o mais utilizado pelos estrangeiros), hospedagem em hotéis 4 estrelas (palacetes reformados), ida e volta de trem a Varanasi em primeira classe, no valor de US$ 800 por pessoa - uma pechincha. Já descobria aí que a Índia é um destino extremamente acessível, com um câmbio muito favorável (R$ 1 = 27 rúpias).
Ao chegarmos a Délhi, nosso motorista, e depois amigo, Ashok Sharma, estava nos aguardando no aeroporto. Dali, saímos em um roteiro pelo Rajastão, região marcada pelos antigos feudos dos marajás, onde se encontram templos e palácios que retratam a opulência daqueles tempos, bem como a história e os costumes da Índia. Ainda é visível a influência do período de domínio britânico (séculos 17 a 20).
Graças ao estilo em que estávamos viajando, com motorista particular, o contato e o entendimento de costumes, crenças, sistema de castas e história do país foi muito facilitado. A mitologia hindu é muito rica, com seus mais de 3 milhões de deuses, além das várias manifestações da tríade principal: Brahma (Criador), Vishnu (Mantenedor) e Shiva (Destruidor). Parece adequado para uma população de 1,2 bilhão de pessoas, com tradições milenares e uma variedade de crenças e costumes que nos causam estranheza e encantamento. Assim como os casamentos arranjados pelas famílias, que até hoje ocorrem, principalmente na região rural, com plena aceitação dos envolvidos.
Roteiro intenso
Nossa primeira parada foi Mandawa, vilarejo pequeno onde se encontram numerosas "havelis"- as casas construídas pelos comerciantes mais abastados, ricamente ornamentadas com pinturas e detalhes arquitetônicos, que hoje são a principal atração turística do local. Já neste primeiro trecho, pudemos constatar o trânsito caótico, com a estrada compartilhada entre automóveis, caminhões, ônibus, camelos, carroças, pedestres, o som incessante das buzinas e o respeito zero a qualquer regra de trânsito - uma loucura de fazer a freeway, no verão, parecer um sonho!
Dali, seguimos para Bikaner, onde visitamos o Junagarh Fort, o mais preservado e ornamentado do Rajastão. Nos arredores dessa cidade, encontra-se o inusitado Templo Karni Mata (ou Templo dos Ratos), habitado por centenas desses roedores, os quais, pela crença, seriam reencarnações dos antepassados. Para entrar no templo e andar no meio dos parentes do Mickey, tem que tirar os sapatos.
Chegamos depois a Jaisalmer, a cidade dourada, toda construída com arenito, a pedra local. É o portal do deserto de Thar, que se estende até a fronteira com o Paquistão. Sua fortaleza imponente se ergue acima da cidade e é plenamente habitada.
Os templos e havelis são famosos pelos entalhes, tão finamente trabalhados que parecem renda. Também em Jaisalmer tivemos a experiência de fazer um safári de camelo pelo deserto, assistir ao pôr do sol sobre as dunas e passar a noite no deserto, debaixo de um céu estrelado e iluminado pelo cheio do luar - inesquecível!
A antiga capital
Passamos por Ranakpur, onde existe um complexo de templos jainistas, sendo o maior o Templo de Adinath, todo construído em mármore, com 1.444 colunas trabalhadas com desenhos diferentes. O jainismo data do século 6 a.C. e se caracteriza pela doutrina de não violência a todos os seres vivos.
Udaipur, a próxima cidade, é uma joia romântica: seu suntuoso City Palace à beira do Lago Pichola, rodeado por montanhas, bem como o Jag Niwas, palácio no meio do lago que parece flutuar, compõem um cenário de sonho.
Jaipur, a maior cidade do Rajastão - conhecida como a Cidade Rosada, em função da cor de suas construções mais importantes -, era a antiga capital (Amber). Ela tem inúmeras atrações, como o City Palace, o Hawa Mahal (Palácio dos Ventos), o Jantar Mantar (observatório astronômico com esculturas futuristas) e, principalmente, o Amber Fort: antiga cidadela onde vivia o marajá, na parte mais alta da cidade, cujo acesso é feito no lombo de elefantes - algo para não esquecer.
A cidade azul
Foto: Antônio Pozzer/ Arquivo Pessoal
Jodhpur, a cidade azul, devido às inúmeras casas desta cor, seria a próxima parada. As casas azuis identificavam os habitantes da casta brâmane, sagrada, que seriam preservados em caso de invasão. O efeito visual, quando se avista a cidade desde o Mehrangarh Fort, é impressionante. Daqui se originou o estilo de micropinturas, característico do Rajastão, que tinha como motivo principal o registro das festividades e atividades do Marajá e de sua corte. Também foi marcante o passeio pelo Sardar Bazaar, onde presenciamos um festival em honra a Ganesh (o deus elefante, da boa fortuna), do qual saímos cobertos de pó colorido.
Nessa altura, já tínhamos tido contato com muitos dos produtos locais: as peças decorativas de madeira e arenito, com o mesmo trabalho de entalhe da arquitetura local, os tecidos suaves e multicoloridos dos saris, vestuário feminino composto por uma peça única de 5,5 metros de tecido que envolve o corpo com uma técnica perfeita - tudo a preços muito acessíveis.
Agra, a grande atração
Foto: Antônio Pozzer/ Arquivo Pessoal
Em Agra, que foi capital do império Mogul antes de Délhi, teríamos o momento mais esperado da viagem: a visita ao Taj Mahal, uma das novas Sete Maravilhas do Mundo. Mausoléu construído em mármore e pedras (todos os desenhos são entalhes) pelo imperador Shah Jahan para imortalizar seu amor pela esposa preferida, merece a alcunha de "poema em mármore". Sua visão ao alvorecer, que permite apreciar a mudança de cores à medida que o sol se levanta, é um momento de pura magia e enlevo. Para descrever, palavras não há.
Além disso, nos arredores de Agra está a cidade murada de Fatehpur Sikri, outra joia arquitetônica do império Mogul, fundada pelo imperador Akbar, que marcou seu governo pela tolerância e pela convivência entre as religiões hindu, muçulmana e cristã.
De Agra, devido à longa distância (800 quilômetros), fomos de trem a Varanasi. Vá de primeira classe - qualquer outra opção é uma expe-riência que você não quer ter. Cidade mais antiga (continuamente habitada) do mundo, aqui sente-se todo o peso da espiritualidade indiana.
Situada às margens do Ganges, rio sagrado, com mais de 90 gaths (pontos de acesso ao rio), proporciona uma experiência única.
Os indianos acreditam que quem tiver suas cinzas jogadas no Ganges irá direto ao Nirvana, sem novas reencarnações. Desta forma, existem vários crematórios, para os quais acorrem pessoas de todo o país - os corpos envoltos em panos são colocados em piras de madeira e queimados num ritmo constante e ininterrupto (cada crematório realiza aproximadamente 300 cremações/dia), em uma manifestação crua de fé, aceitação e religiosidade impactantes.
No mesmo Ganges, peregrinos se banham ao longo do dia, e os rituais que acontecem ao anoitecer e alvorecer reúnem centenas de crentes para as abluções, às quais os turistas assistem desde barcos.
Consolidando esta vocação de centro espiritual, logo ao lado encontra-se Sarnath, tão sagrada para os budistas quanto Varanasi para os hindus. Aqui, Sidarta Gautama, o Buda, fez seu primeiro sermão após a Iluminação, para cinco discípulos.
Lição para a vida
Foto: Antônio Pozzer/ Arquivo Pessoal
Finalmente, voltamos a Délhi, ponto de partida, onde novamente encontramos Ashok. Délhi concilia a Índia tradicional (na Velha Délhi, centro) com uma cidade moderna, de avenidas largas, monumentos modernos (o Raj Ghat, onde estão os restos de Gandhi, é emocionante) e antigos (Qutub Minar, Mausoléu de Humayun).
O Templo de Akshardham, apesar de moderno, é impressionante e no melhor estilo de arquitetura religiosa hindu. O Rashtrapati Bhavan, atual residência do presidente, ladeado pelos edifícios do Secretariado e tendo ao fim da larga avenida o Indian Gate, é um exemplo grandioso do estilo britânico. Mas, provavelmente, todo o sincretismo religioso da Índia está melhor representado no magnífico Templo de Lótus (Bahai House of Worship), que é uma casa de meditação onde todas as crenças são bem-vindas.
Ashok, além de um excelente guia, tornou-se um interlocutor com quem, nas muitas horas de estrada, trocávamos impressões, discutíamos o dia a dia, a realidade da Índia, comparávamos padrões ocidentais e orientais. A distância e a formalidade iniciais foram se diluindo. Falávamos da cordialidade e da simplicidade do povo. Da curiosidade das crianças e das mulheres, rindo e cochichando atrás dos véus, ao nos ver, ocidentais, no meio deles. Falávamos da sua vida e das nossas. Na despedida, o abraço foi sincero e afetuoso.
Ao voltar, trouxemos a satisfação de ter realizado uma viagem realmente fantástica, que nos levou a conhecer um país como poucos: multissensorial, colorido, barulhento, cheio de aromas e gostos, alegre, vibrante, caótico.Mas, acima de tudo, com uma tradição e religiosidade que, apesar de difícil de absorver pela nossa cultura ocidental, não nos permite ficar indiferentes, pois faz pensar sobre um fluir diferente que a vida pode ter!
A culinária
Essencialmente vegetariana (sendo as vacas consideradas sagradas, a carne bovina é proscrita), a culinária surpreende pela diversidade de cores e apresentações. O uso de especiarias é generoso, o que resulta em um paladar fortemente condimentado - mesmo quando se solicita "sem tempero". O aroma das especiarias domina os bazares, e a quantidade de ofertas multicoloridas é uma atração à parte: chás, temperos, raízes... Para quem não vive sem carne, sempre há opções com frango ou porco.
*Leitor do Viagem, Antônio Pozzer é médico em Porto Alegre