Quando digo aos meus amigos de Toronto o quanto amo a cidade, eles se perguntam: "É sério?" Por isso, acabo sempre pensando que eles imaginam que só estou tentando ser gentil, ou talvez - com a modéstia característica dos canadenses - eles relutam em reconhecer como é fácil amar a cidade em que vivem. Entretanto, eles também têm uma boa dose de orgulho cívico justificável e uma consciência clara de por que Toronto é um lugar tão especial e incomum para viver e visitar. Há mais por trás dessa cidade discreta do que muita gente pode imaginar.
Primeiramente, é um lugar ótimo para caminhar, e parte do que a torna tão divertida de explorar é sua diversidade e a variedade de bairros dos quais a cidade se orgulha e que resistiram à homogeneização que ocorreu em boa parte de Nova York - de Yorkville, com suas lojinhas chiques e lojas de departamento, a Old Town, onde se encontra o Mercado Saint Lawrence, uma imensa estrutura coberta que oferece uma gama enorme de alimentos e produtos artesanais, e onde os agricultores locais vendem seus produtos aos sábados. Alguns dos bairros são conhecidos por sua beleza arquitetônica: as charmosas casas vitorianas ao longo de ruas arborizadas em Cabbagetown, um antigo rincão dos operários irlandeses; os casarões igualmente atraentes de tijolos à vista e os bangalôs neogóticos de Annex, um bairro de artistas, professores universitários e estudantes que frequentam a Universidade de Toronto; as casas geminadas de tijolos e os jardins bem cuidados de Roncesvalles, além das mansões de Forest Hill.
Entretanto, quando os nativos de Toronto falam sobre seus bairros, ou quando eu começo a contar sobre os lugares aonde eu mais gosto de ir, geralmente estamos nos referindo a áreas habitadas por algum grupo específico de imigrantes, ou bairros onde populações extremamente diferentes vivem lado a lado. Em Kensington Market, um dos lugares mais diversificados e fascinantes da cidade, essa mistura está refletida com humor no nome de um restaurante ítalo-jamaicano: o Rasta Pasta.
Na verdade, Kensington Market - a poucos metros de distância dos bairros de lazer e negócios e próximo dos maiores hotéis de Toronto - ilustra perfeitamente a vida em Toronto. Isso porque a poucas quadras é possível ter uma ideia bem vívida de como a cidade é capaz de dissolver de forma graciosa e tranquila as fronteiras entre culturas diferentes, preservando o que é melhor e mais valioso em cada uma delas. No Nu Bügel, é possível comer bagels feitos no forno à lenha (o de gergelim é especial) assados por uma família de venezuelanos; um pouco adiante, na Avenida Augusta, dois restaurantes de empanada ficam bem em frente um do outro, e logo ao lado existem diversas opções de restaurantes, nos quais é possível provar a culinária franco-caribenha, tacos, sushi, sobremesas e refeições vegetarianas no popular Wanda's Pie in the Sky. Na Rua Baldwin, não muito longe da Avenida Spadina, existe um mercado de produtos do Oriente Médio, uma loja de presentes jamaicanos e um mercado de especiarias etíopes. Além disso, perto do cruzamento da Avenida Augusta e da Rua College, encontra-se o Caplansky's, onde o pastrami e as carnes defumadas são tão boas quanto qualquer uma das lendárias casas nova-iorquinas.
Tanto quanto ou ainda mais que qualquer cidade dos EUA, Toronto celebra suas origens multiculturais. Existe até mesmo um calendário multicultural online dedicado às palestras, a feriados religiosos e nacionais, além dos festivais de rua patrocinados pelas diversas comunidades da cidade. Com frequência me parece que a cidade é mais bem integrada que suas vizinhas do outro lado da fronteira.
Naturalmente, até mesmo o turista mais ingênuo só precisa olhar os jornais, ou assistir alguns minutos de TV à noite para saber que Toronto também tem a sua parcela de pobreza, violência, preconceito, violência de gangues e escândalos políticos; minha visita mais recente à cidade coincidiu com as revelações embaraçosas e o furor em torno do controverso prefeito da cidade, Rob Ford, e seu envolvimento com as drogas. Algumas pessoas reclamam que Toronto é certinha demais, muito previsível, sem graça, e que a cidade não tem a alegria de viver de Montreal. Porém, os visitantes casuais e os habitantes de longa data concordam que os prazeres da cidade superam suas falhas, que suas ruas são limpas e seguras, e que seu povo (2,6 milhões de pessoas em Toronto; 5,6 milhões na área metropolitana) são educados, gentis e prestativos de uma forma que chega a assustar quem vem de outros lugares.
Nos restaurantes de Toronto, notei grupos de amigos racial e etnicamente mistos com ainda mais frequência que nos bairros nova-iorquinos celebrados pela diversidade. Vejo uma variedade muito maior de visitantes nos museus de ótima qualidade da cidade: classes de crianças sentadas no chão e desenhando no Royal Ontario Museum, que apresenta coleções maravilhosas de obras de arte asiáticas e do Oriente Médio, além de pinturas canadenses, ou na Art Gallery of Ontario, onde exposições populares recentes incluíram obras de Ai Weiwei e de artigos ligados à carreira de David Bowie. Em todos os cantos, é possível ver imagens dos cidadãos em suas rotinas diárias - o policial sikh conduzindo o trânsito, os repórteres vietnamitas e filipinos apresentando notícias para a TV, escritores caribenhos lendo suas obras no Festival Anual dos Autores realizado pela Prefeitura - são um testemunho de como a cidade recebe de braços abertos os imigrantes que buscaram refúgio em Toronto.
Um dos paradoxos de Toronto é que mesmo que a cidade permita que os recém-chegados se assimilem à vida canadense - as pessoas falam sobre como determinado bairro havia originalmente recebido imigrantes de determinada região, mas que se mudaram para áreas mais prósperas, abrindo espaço para a nova onda de pessoas de outros locais -, os bairros étnicos da cidade lembram muito o país de origem de seus habitantes e as lojas (especialmente os restaurantes) parecem mais autênticos aqui do que em outras cidades para onde os imigrantes importaram sua cultura e sua culinária.
Por consequência, a verdade é que o que eu realmente gosto de fazer em Toronto - além de caminhar e explorar a cidade - é comer. Existem os lugares para onde volto a cada visita, novos lugares que descubro todas as vezes, outros que quero experimentar, para onde acabo não indo, e juro retornar na próxima viagem.
Portanto, o que acontece é sempre o mesmo: um dia antes de ir embora de Toronto, fico sabendo de novos lugares que não conheci, ou aonde não tive tempo de ir.
Como sempre, fico triste porque estou prestes a partir e tudo o que posso dizer é: vou ter que fazer isso tudo na próxima vez em que vier para cá.
Canadá
Imigrantes proporcionam diversidade cultural a Toronto
Maior cidade do Canadá é capaz de dissolver de forma graciosa e tranquila as fronteiras entre culturas diferentes, preservando o que é melhor e mais valioso em cada uma delas
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