Não era um bom sinal o fato de termos que explicar as nossas filhas que a viagem que tínhamos planejado, a 24,1 km de casa, no norte da Califórnia, eram férias legítimas e que muita gente no resto do país, quiçá do mundo, se aventuraria por distâncias imensas pelo mesmo prazer. Nós, adultos, tínhamos certeza que caminhar de uma pousada para a outra através do belo Condado Marin era uma aventura de verdade, só que as crianças não acreditaram. (Fotos: Thor Swift/The New York Times) Depois de visitar Stinson Beach, Elizabeth e sua família resolveram comemorar
O abraço de irmão
Os amiguinhos delas tinham ido para o Havaí; ou para o Egito e depois, Paris. Nós mandamos as meninas, uma de oito e a outra de dez, colocarem duas ou três calcinhas, uma camiseta limpa, uma jaqueta forrada, uma escova de dente e um livro na mochila, jogamos tudo na traseira do Subaru, seguimos rumo ao leste, atravessamos a Golden Gate Bridge, paramos em um estacionamento improvisado na saída da Rodovia 101, em Sausalito, e seguimos a trilha.
Nós procuramos viajar em busca do belo, do exótico, para reforçar os laços com as pessoas queridas sem nenhuma data ou razão especial, sair da prisão do dia a dia e deixar de lado os smartphones. Passar as férias em casa, na minha opinião, é uma ilusão, ou, em palavras mais gentis, é preciso ser mais forte que eu para ver alguma beleza ou exotismo dentro da própria casa e ainda deixar o celular de lado.
Só que aquela viagem era diferente, era tudo festa. Meu marido, Dan, e eu não queríamos mostrar o mundo às nossas filhas como pais, estávamos apenas levando as duas para uma aventura enriquecedora, daquele tipo que pode acontecer em qualquer lugar.
O plano no 1º dia era: caminhar 12,9 km nas trilhas que iam da turística Sausalito até Marin Headlands e além, à enseada rústica de Muir Beach. 2º dia: caminhar 16,1 km nas trilhas de Muir Beach até Stinson Beach, que é meio o Hamptons do norte da Califórnia; depois, mais 3,2 km até a areia e nadar (sim, nadar!) atravessando a lagoa até chegar à bela, mas imprevisível Bolinas. 3º dia: surfar e explorar Bolinas, torcendo para não encontrar os tubarões brancos que se reúnem ali, e depois voltar para Sausalito de ônibus para retomar a rotina de californianos e pegar o carro.
A beleza de Marin Headlands é indescritível, verdadeiro paraíso para financistas e hippies que se deram bem no setor imobiliário. Como somos da região, já passamos o dia na região uma dúzia de vezes, mas naquele primeiro dia, à apenas uma hora na estradinha poeirenta, as colinas pareciam diferentes. Sim, ainda eram verdinhas e ofereciam uma vista espetacular, mas sem o carro e a consciência de que não voltaríamos a ele tão cedo, o mesmo terreno que percorremos tantas vezes parecia um tiquinho mais selvagem e menos como um parque, nem que fosse só na imaginação.
Ainda assim, sempre que o passeio envolve crianças, os riscos são grandes. Para ganhá-las, ou você precisa de doces ou de bom humor, mas para garantir melhor os dois. Naquela primeira tarde, caímos de boca em uma verdadeira mina de ouro cômica: o abraço de irmão que, para quem não sabe, é um aperto de mão que se transforma em um abraço primeiro de ombro, depois com tapinhas nas costas.
Minha filha de oito anos, Audrey, disse que tinha me dado um desses por engano depois que lhe ofereci protetor solar. Isso dez minutos depois de ela ter dado um abraço tipo "eu-te-amo-papai" para agradecer o pedaço de chocolate que ele tinha lhe dado, então não sei se acreditava nela. Tudo bem. O tal do abraço acabou sendo o tema da viagem e uma verdadeira recompensa. Fomos brincando disso todo o caminho até Wolf Ridge e ao longo da Trilha Costeira.
No fim do dia, porém, e de mais de 12 km de caminhada, a gracinha deu lugar à ansiedade. Dan e eu começamos a nos arrepender de sermos escritores e não termos feito Direito para darmos férias decentes para nossas filhas, mas conforme fomos descendo a escarpa íngreme em direção a Muir Beach, nós quatro embarcamos em uma fantasia coletiva, imaginando que descíamos o tobogã do parque aquático Fairmont Kea Lani Maui pool.
O segundo dia
Como toda pessoa que já foi para um resort sabe, você pode viajar meio mundo e não aprender nada a não ser o nome do bartender da piscina da mesma forma que pode caminhar menos de um quilômetro e fazer uma descoberta bombástica. Ao entrarmos no Green Gulch Farm Zen Center, o centro de prática zen budista onde passamos a primeira noite, ficamos maravilhados em silêncio.
Nossos quartos eram claros e simples. O local era de tirar o fôlego e mais que sossegado. No jantar, comemos um delicioso tagine em um salão cheio de monges silenciosos, vestidos de preto. (Os outros hóspedes que estavam lá para a oficina "Como transformar a depressão e a ansiedade: o caminho para a compaixão natural" não ajudaram a melhorar muito o ambiente.) De manhã, depois do café, Hannah, nossa filha mais velha, disparou pelo portão da frente. Audrey a seguiu, improvisando um rap: "Eu estou em uma casa com gente quieta e esquisita".
O segundo dia foi ambicioso: 16,1 km mais um mergulho na água gelada da lagoa. Em verões anteriores, tínhamos acampado em High Sierra a uma altitude de quase 3.400 metros e os 6,4 km para o Lago Chickenfoot eram feitos ao som de um coro de lamúrias e a passo mais lento que o engatinhar de um bebê, mas dessa vez, com pouco peso e baixa altitude, as meninas correram feito lobas.
Ao meio-dia, começamos a descer a Trilha Dipsea rumo a Stinson Beach. À uma hora, já tínhamos percorrido 12,9 km e chegado à Rodovia 1. Para comemorar, demos um abraço de irmão e consumimos um zilhão de calorias, com cheesebacon no Breakers Cafe, seguidos de sorvete de casquinha com calda quente de chocolate.
Encontro com o tubarão
Em vez de se arrastarem, Hannah e Audrey fizeram aos pulos os 3,2 km até a praia de areia branca de Stinson. (De vez em quando, Hannah pedia para que Dan a puxasse feito boneca de pano) Nosso plano era chegar à lagoa à noitinha, na maré baixa, quando a travessia estivesse em 27,4 m, mas chegamos às três e meia e pegamos a foz se abrindo cada vez mais: de 45,7 a 54,9 m. Dá para atravessar, mas são 11,3 km a mais sem contar que o mergulho já era. Tiramos então as roupas e embrulhamos as mochilas em plástico para mantê-las secas.
A estátua de Buda em uma estufa em Green Gulch Farm Zen Center, em Muir Beach
Foi então que enquanto tentava convencer Hannah de que calcinha e regata eram quase a mesma coisa que maiô inteiro, ouvi Dan dizer: "Querida? Está vendo aquilo ali?" e apontar para a água, na direção de uma criatura acinzentada do tamanho de um beagle: era um filhote de tubarão.
Se o fato deu mais legitimidade às nossas férias? Bom, nosso plano era ampliar os horizontes das meninas, e não assustá-las. O Dan nadou primeiro, sozinho, testando a água, por assim dizer. E chegou a Bolinas sem encontrar a mãe tubarão. Apesar disso, quando um homem que pescava por ali ofereceu a canoa, Dan aceitou e atravessou com as duas. Só para deixar registrado: eu nadei só porque sou orgulhosa.
Na manhã seguinte, acordamos no Smiley's Schooner Saloon nos sentindo fabulosos. Nossa intenção era alugar pranchas, mas não tinha onda; assim, nos reunimos para ler "Querido Diário Otário: Tem um Fantasma na Minha Calça" bem alto, no quebra-mar. As meninas se espalharam, encolheram, relaxaram, se moveram. Na viagem de volta para Sausalito, perguntei se iam dizer aos amigos que a nossa viagem tinha sido tão boa quanto se fosse para o Havaí. Elas disseram que não, é claro, mas que queriam repetir a dose no ano que vem com algumas condições. Primeira, elas queriam um dia a mais: 24,1 km até a cidade de Olema, pelo Point Reyes National Seashore; segunda, queriam nadar.