Chefe masai Salaton Ole Ntutu observa Maji Moto
Foto: Michael Benanav/NYTNS
Na cidade-mercado de Narok, Quênia, 145 quilômetros a oeste de Nairóbi, eu estava comprando um cartão SIM queniano para o meu celular quando escutei alguém atrás de mim chamar meu nome. Ele vestia uma shuka vermelho vivo, o xale tradicional do povo masai. Um colar colorido de contas circulava o pescoço, passava pelas orelhas e rodeava os pulsos. Na cintura, uma espada curta de aço estava dentro da bainha de couro vermelho. Os pés vestiam sandálias com solado de pneus.
- Salaton? - eu perguntei.
- Sim! Bem-vindo! - ele disse, e acrescentou:
- Eu o espero do lado de fora. -
Chefe masai, Salaton Ole Ntutu veio me levar para seu vilarejo, Maji Moto, onde mantém o Acampamento Cultural Masai de Maji Moto. Ali, os visitantes ficam em sua comunidade tribal, aprendendo os hábitos dos masais e admirando a paisagem onde vivem. Embora o acampamento tenha notas elevadas no TripAdvisor, eu não tinha muita certeza onde a experiência ficaria no espectro entre "macumba para turista" e "visceralmente autêntico" (que não integram as categorias oficiais de críticas, mas talvez devessem ser incluídas). Antes mesmo de nós deixarmos Narok, vi minha primeira indicação enquanto Salaton embarcava uma ovelha branca e marrom, recém-comprada no mercado, dentro do táxi conosco; depois de gostar do visual da ovelha, ele decidiu acrescentá-la ao rebanho.
A estrada asfaltada virou de terra, depois um caminho lamacento enquanto cortávamos as planícies de Loita. Manadas de gazelas-de-thomson, gnus e zebras pastavam casualmente no verdejante tapete gramado que brotou durante as chuvas extraordinariamente fortes de dezembro, e que continuavam no começo de janeiro.
Ao chegar a Maji Moto, reparei que não era um vilarejo no sentido clássico da palavra. Embora exista um "centro da cidade", com algumas lojas básicas de tecidos, açougue, moinho de grãos e um barraco de zinco passando por bar e servindo quente a cerveja mais popular do Quênia, Tusker, a maioria dos masai da área não mora perto dali. Cada família reside em uma manyatta - pequeno complexo de choupanas de madeira e barro, com cercados de madeira para o gado, ovelhas e bodes, sem vizinhos por perto. As manyattas de Maji Moto se espalham por quilômetros de pastagens semiáridas inexploradas no sopé do morro Loita, servindo de lar para aproximadamente 3 mil pessoas.
Em essência, o acampamento de Salaton é uma manyatta. Por US$ 100 a noite, os hóspedes ficam em choças de barro que são simples e limpas, com camas confortáveis, mosqueteiros e iluminação à luz solar - ou, por US$ 75, em barracas com colchões. As refeições, tais como ensopado de bode, batata frita, macarrão, salada de cenoura e ugali (similar à polenta) são preparados sobre carvão ou propano por um guerreiro encantador chamado Sinti, que é tão bom com a espátula quanto com a lança; e a cicatriz ritual na perna, produzida quando ajudou a matar um leão, comprova sua habilidade com a segunda opção. As privadas ficam dentro de casinhas bem construídas; os chuveiros são alimentados pela força da gravidade de tanques com água transportada de uma fonte termal próxima que dá a Maji Moto ("água quente" em suaíle) seu nome.
Fiquei em Maji Moto e seus arredores por 10 dias no último inverno do Hemisfério Norte. Antes da chegada de três viajantes californianos, os únicos outros hóspedes eram dois quenianos que estavam colaborando com Salaton em um projeto regional de conservação, tentando proteger trechos enormes das terras masai. Antes uma propriedade comunitária, a área foi recentemente dividida em lotes particulares que os indivíduos podem vender a qualquer pessoa, causando o temor que de que serão comprados por incorporadores comerciais ou industriais que não pensam no melhor para o ambiente ou da tribo. Durante nossas conversas sobre questões de direitos de terras, migrações da fauna selvagem, padrões de pastagem do gado e tradições culturais, eu comecei a criar uma visão mais cheia de nuances do contexto em que me instalara.
E dia a dia, eu via mais do mundo dos masai de Maji Moto. Aconteceu o frenético mercado de gado semanal na vizinha cidade de Ewaso Nero, onde criadores masai encheram um curral de terra do tamanho de um campo de futebol com ovelhas, bodes e vacas, vendendo a maioria para comerciantes de carne de Nairóbi. Tomei banho nas fontes termais de Maji Moto com os moradores locais e fui conduzido em caminhadas guiadas pelos morros facilmente escaláveis de Loita, onde tudo que crescia parecia ter significado medicinal, nutricional ou espiritual. Por exemplo, as folhas do arbusto compa, similar à sálvia, são esfregadas nas axilas como desodorante, ramos da frondosa árvore olkisikongu são utilizados como escovas de dente naturais e as árvores sagradas oreteti, sob as quais os masai rezam ao seu deus, Enkai, teriam o poder de dispersar a energia ruim e instilar a paz.
Enquanto isso, conheci os masai que trabalhavam e eram voluntários no acampamento de Salaton, em especial os que falavam inglês. Havia Rose, costureira adolescente de sorriso fácil, que ensina às viúvas como costurar quando não está trabalhando com os turistas. Recém-formada com 20 e poucos anos, Joyce foi contratada há pouco tempo para ajudar Salaton com o aspecto comercial do acampamento. E Meeri, no último ano do ensino médio em Maji Mato, que fugira de sua vila anos atrás para não se submeter ao casamento arranjando pelos pais.
- Soube que o líder daqui ajudava garotas como eu - ela disse, descrevendo seus três dias de caminhada pelo mato, dormindo à noite nos galhos das árvores.
A afinidade era fácil enquanto perguntávamos e respondíamos perguntas sobre nossas culturas. Entre nossas muitas conversas, comparamos as diferenças entre o casamento masai e o norte-americano. Quando expliquei que não temos dotes, não praticamos a poligamia e podemos escolher os cônjuges, elas gostaram de ouvir tudo aquilo, mas não apoiaram de imediato a ideia de que uma esposa possa ser mais velha do que o marido.
- Isso nunca aconteceria aqui - disse Joyce, rindo com a ideia.
Nós também trocamos histórias. Elas me contaram sobre a hiena e a lebre - explicando como as duas criaturas que já foram amigas se tornaram inimigas eternas depois que uma enganou a outra em proveito próprio - e eu lhes falei do pastorzinho que denunciava haver um falso lobo (que troquei por leão). Elas me contaram a história de Oltatuanii, na qual uma mulher masai salva seu povo de um gigante assassino; eu lhes contei sobre Xerazade.
Como Maji Moto fica a menos de 60 quilômetros da Reserva Nacional de Masai Mara - famosa principalmente pela enorme migração de gnus que cobre os 1,5 mil quilômetros quadrados de savana todo verão - seria loucura não visitá-lo. Salaton seria meu guia, mas como não tem nenhum veículo, ele telefonou para alguns amigos e negociou um safári de dois dias e uma noite em um Land Cruiser com motorista masai, ficando nas profundezas do parque no luxuoso acampamento de barracas Matira; pelo pacote, paguei US$ 438, sem contar os US$ 70 para entrar no parque.
Era uma profusão de fauna selvagem. Ver esses animais se mexendo de verdade, não a passos lentos ou dormindo em uma jaula do zoológico, foi uma revelação. Certa feita, paramos para observar uma chita com três filhotes andando furtivamente na frente de uma família de elefantes, enquanto um facócero, ou javali-africano, rebolava na direção oposta, uma hiena espreitava ao sul e grupos de impalas pastavam ao norte. Parecia uma versão ao vivo da cena de abertura de "O Rei Leão". Eu abaixei minha máquina fotográfica. Simplesmente, era magnífico e emocionante demais querer experimentar aquilo pelo visor.