Minha família e eu fizemos o percurso de três horas de Roma a Gubbio de carro, numa estrada sinuosa. Só quando estávamos chegando à cidadezinha medieval, que fica no Monte Ingino, descobrimos que, para alcançar o centro histórico, teríamos de subir uma rua de pedra que mais parecia perpendicular ao solo. Tendo de empurrar o carrinho da nossa filha de dois anos sob o sol inclemente, tivemos a impressão de escalar um muro. Porém, quando chegamos à Piazza Grande, a praça central que, de um lado, oferece uma bela vista da cidade e, do outro, encoraja os visitantes a explorar suas ruas, já tínhamos esquecido o esforço.
Gubbio, com 33 mil habitantes, é a maior comuna da província de Perugia e menos claustrofóbica que algumas de suas primas da vizinha Úmbria, como Todi e Urbino. Há um clima de grandeza que domina os quarteirões de casas dos séculos 14 e 15, as escadarias enfeitadas com flores brilhantes e vistas belíssimas, principalmente das áreas mais altas. Nossa intenção era passar a semana ali, hospedados no Fonte al Noce, um resort que escolhemos pela disponibilidade, mas que depois descobrimos estar lotado de famílias parecidas com a nossa - ou seja, pais cansados com filhos (além da pequena, também temos uma garotinha de sete anos) de toda a Europa. Seja uma noite ou uma semana, não há quem resista aos tranquilos prazeres de Gubbio.
Na Piazza Grande, não demorou muito para descobrimos o Palazzo dei Consoli, um prédio de calcário em estilo gótico com janelões em arco. Durante a Idade Média, era ali que o Parlamento se reunia, mas hoje ele abriga uma galeria de arte e um museu em que estão expostas, além de pinturas da escola úmbria e descobertas arqueológicas, as famosas Tábuas Iguvinas. Paramos para admirar as sete tábuas de bronze criadas entre os séculos 3 e 5 a.C. cujas inscrições, num antigo idioma da região, descrevem rituais religiosos milenares.
Do lado de fora, esticamos o pescoço para admirar o campanário que se ergue ao lado do palazzo, uma estrutura quadrada e elegante com um sino de duas toneladas no topo. Segundo o nosso guia, o pessoal usava os pés para fazê-lo tocar. Como assim? A cena de um bando de homens maduros, deitados de costas, chutando o gigantesco sino como se fossem bebês não entrava na minha cabeça. Mais tarde, depois de depararmos por acaso com o desfile de fantasias que precedia uma série de apresentações de dança e um torneio de arco e flecha, nos vimos sentados sob a torre - e, ao erguermos a vista, percebemos vários homens pisando com força em pedais enormes para movimentar o sino. Mistério resolvido.
Aquele era o Torneo dei Quartieri, uma competição de besta (crossbow) entre os representantes dos bairros da cidade, seguido por uma das muitas comemorações que fazem parte da vida cultural de Gubbio: como a Festa das Velas, ou Corso dei Ceri, por exemplo, a mais famosa, com três grupos correndo pelas ruas levando pilares de madeira altos, que lembram velas, cada um encimado pela estátua de um santo, além de vários outros eventos ao longo do ano.
(Nadia Cohen/ The New York Times) Trilha no Monte Ingino, onde fica a cidade de Gubbio
De enlouquecer
O número de coisas para se ver e fazer em Gubbio pode ser meio angustiante, mas não se apavore: relaxe, como nós fizemos, e passe algumas horas vagando sem destino. Foi assim que deparamos com a Fontana dei Matti, ou a Fonte dos Loucos. Saindo da Piazza Grande rumo à Piazza Quaranta Martiri, onde nossas filhas tinham visto um carrossel, encontramos algumas pessoas que caminhavam, silenciosas, ao redor de uma fonte de pedra. Com uma espiada rápida no guia, descobrimos que aquela era a Piazza del Bargello. Segundo a lenda, se você der voltas completas ao redor da fonte, oficialmente se torna um lunático.
Em vez de fazer perguntas inúteis, resolvemos nos juntar aos outros sete que estavam ali, dando voltas. Enquanto andava em círculos, esperando ser tomada pela loucura, notei as lojas ao redor da praça. Muitas ofereciam as peças decorativas em cerâmica com desenhos elaborados em vermelho escuro, azul e dourado pelas quais Gubbio é famosa.
Igrejas e jardins
Depois de garantir o título de malucos, fomos almoçar no Ulisse e Letizia, na Via Mastro Giorgio, casa que serve pratos tradicionais com trufas. Depois, passeamos ao longo do Corso Garibaldi, uma das principais ruas comerciais, e paramos para saborear um gelato, hábito quase obrigatório na Itália, no La Meridiana. Estávamos nos abastecendo - e, no meu caso, tomando coragem - para subir no Funivia Colle Eletto - um bondinho com cara de gaiola no qual cabem apenas duas pessoas. Ele sobe ao topo do Monte Ingino, oferecendo uma vista magnífica da cidade e dos campos que a cercam.
(Nadia Cohen/ The New York Times) Estátua de Santo Ubaldo, antigo bispo e patrono da cidade de Gubbio. Na Basílica de Santo Ubaldo, construída no século 8, é mantido em um caixão de vidro o corpo embalsamado do santo
Ali também fica a Basílica de Santo Ubaldo, construída no século 8, onde o corpo embalsamado de Santo Ubaldo, antigo bispo e padroeiro da cidade, é mantido num caixão de vidro.
A seguir, deixo meu marido e as meninas nos jardins do Parque Ranghiasci e dou uma fugida para conferir as famosas (e muitas) igrejas da cidade. Uma das mais notáveis é a Igreja de São Francisco, uma construção imponente do século 13 com afrescos incríveis, incluindo Storie di Maria, de Ottaviano Nelli, famoso pintor local. Já a Igreja San Giovanni é mais humilde: restos de afrescos góticos parecem retalhos nas paredes nuas, há cadeiras de madeira dispostas em fileiras, com apenas alguns bancos atrás delas e várias pinturas, incluindo o fascinante Annunciazione, de Camilla Filicchi.
Para a alma e o paladar
Por ser tão interessante a cidade, vale muito a pena se aventurar além dos portões antigos. Pertinho dali, ao sul do centro histórico, na Via del Teatro Romano, por exemplo, ficam as ruínas do Teatro Romano, construído no século 1 a.C., onde ocorrem espetáculos no verão. Mais além, no caminho para Umbertide, a cidadezinha que faz divisa com Gubbio a oeste, a Fundação Civitella Ranieri, uma colônia de artistas, fica num castelo imenso do século 15, cercado de jardins luxuriantes, que oferece uma série de concertos e leituras em inglês de 1º de maio a 1º de novembro.
A cinco quilômetros de Civitella, ainda na direção de Umbertide, fica um restaurante maravilhoso chamado Ristoro in Campagna. As opções, que mudam diariamente e são servidas em meio a um bate-papo com o garçom, nem são impressas num cardápio. Enquanto nossas filhas brincavam com as galinhas e os gatos do lado de fora, meu marido e eu nos acomodamos na varanda, admirando a decoração rústica, e pedimos um verdadeiro banquete - vitello tonnato, gnocchi al pomodoro, pollo a la romana... Em outras palavras, como a própria cidade, um verdadeiro achado.