Inevitavelmente, o vinho vai fazer parte do roteiro. Mesmo que o viajante chegue a Mendoza com outro propósito - neve, esportes radicais e aventura - o dia começa ou termina com uma taça de vinho nas mãos. A província tem 900 das 1,2 mil vinícolas da Argentina. E pelo menos 125 delas são preparadas para receber o turista e demonstrar o processo de produção, com tours nas propriedades e degustação da bebida.
As vinícolas maiores estão concentradas no Vale do Uco. Mas em Maipú, a 30 minutos do centro de Mendoza, há bodegas de vinho e também as fábricas de azeite de oliva, outro orgulho mendocino. Uma dessas pequenas e charmosas produtoras de vinho é a Tempus Alba, com capacidade instalada para 300 mil litros de vinho por ano. Em uma área de 2,5 hectares, produz uvas Malbec em um projeto iniciado em 2002. Para elaborar o El Vero Malbec, o vinho mais sofisticado da casa, a família proprietária investiu em pesquisa e elaborou um banco genético a partir de 364 mudas diferentes. Doze variedades foram destacadas para serem multiplicadas em laboratório e usadas na elaboração da bebida. A propriedade faz parte da rota de cicloturismo que corta a região de Maipú e recebe muitos jovens no restaurante, aberto ao público.
Vale do Uco
A maior parte dos vinhos produzidos em Mendoza é feita das uvas do Vale do Uco, região mais próxima à Cordilheira dos Andes, que fica a 130 quilômetros da cidade de Mendoza. A paisagem é encantadora: com a montanha gigante no horizonte, as fincas (fazendas) se alternam na beira da estrada com os subúrbios das pequenas cidades que formam a grande Mendoza. Curioso observar a arquitetura local. Sem chuvas - a média de precipitação é 20 milímetros por ano - as casas raramente têm telhado. A cobertura termina na laje, revestida por um isolante térmico. Os bairros são conjuntos habitacionais batizados conforme a profissão dos moradores: motoristas, engenheiros, professores.
O colorido dos vinhedos, em tons de vermelho e amarelo após a colheita, se soma aos álamos e plátanos pintados das cores do outono. Pera, maçã, pêssego, ameixa e marmelo também são cultivados no Vale do Uco. A fruticultura na região semiárida, com solo composto por areia, argila e seixos, só é viável por causa do sistema de irrigação, herdado dos índios huarpes, integrantes do Império Inca. Em 1530, para aproveitar o degelo da neve da montanha, os índios construíram canais, as acéquias, que levam a água para as partes mais baixas, pela gravidade. Na área rural, pequenas represas garantem o abastecimento das propriedades. Os colonizadores espanhóis aprimoraram a técnica, organizando os canais no perímetro urbano, o que leva água para irrigar parques e praças até os dias de hoje.
Gigantes como a montanha
Quem visita a O'Furnier, no Vale do Uco, pode até cobiçar a função do laboratorista da vinícola. Instalado em um dos corredores suspensos da construção sustentável que aproveita a luz natural e a circulação de ar para receber a produção de uva, o laboratório fica de frente para a Cordilheira dos Andes e o vulcão Tupungato. O visual não poderia ser mais inspirador.
A produção chega aos 1,5 milhão de litros por ano. Uvas Tempranillo, Merlot, Cabernet Sauvignon, Malbec, Syrah e Sauvignon Blanc são cultivadas em três fincas diferentes e entram na elaboração de vinhos que custam entre 48 e 600 pesos. A bodega tem capacidade para armazenar 2,8 mil barris, que ficam na parte subterrânea da vinícola. Os visitantes percorrem as cavas em passarelas suspensas, enquanto apreciam obras de arte. O cardápio do restaurante Urban, instalado no local, é assinado pela chef Nadia Haron. Formada em Farmácia e autodidata na cozinha, a chef comanda também o Nadia O. F., restaurante em Mendoza eleito o melhor do país pela Academia de Gastronomia da Argentina, no ano passado.
Entre as inúmeras opções de vinícolas abertas ao turismo, a Salentein é uma das que mais investiu na infraestrutura para visitação. O Centro de Visitantes Killka e a pousada instalada na mesma propriedade recebem até 30 mil turistas por ano. A família holandesa, dona da vinícola, foi uma das primeiras a abrir as portas para receber os turistas, em 1995.
O Killka, espaço dedicado aos visitantes, tem loja, restaurante, galeria de arte, cinema e uma capela ecumênica. A visita dura uma hora e meia e inclui a área de produção, a poucos metros da recepção principal. Entre os tanques de fermentação e as cavas, o visitante percorre recintos quase sagrados, concebidos como um templo ao vinho. Na cava principal, com barris de madeira espalhados no salão, são realizados eventos de arte, como concertos de piano. A degustação é feita perto dali, em salas especiais que lembram mesas de reinados medievais.
A visita avulsa pode ser feita por qualquer turista, por 50 pesos por pessoa. Para o hóspede da pousada local, é incluída na diária. São 16 quartos batizados com os nomes das uvas que compõem as linhas da Salentein. A tarifa com café da manhã e jantar custa a partir de US$ 370 para o casal, em baixa temporada.
(Ministério do Turismo/Divulgação) A vinícula Saleiten é uma das mais preparadas em infraestrutura para acolher os turistas
Requinte em seis categorias
Caminhar pela trilha que leva até a recepção do Entre Cielos, em Vistalba, na região da Grande Mendoza, dá pistas sobre o que o hotel reserva aos seus hóspedes. O paisagismo bem cuidado combina diferentes cores e texturas de plantas coloridas pelo outono gelado. Os três suíços, donos do hotel, capricharam nos mínimos detalhes da obra, a começar pela localização. Terreno de uma antiga bodega, o Entre Cielos também oferece vista privilegiada da onipresente Cordilheira dos Andes. Sentar à beira da piscina permite a contemplação da gigantona, logo adiante.
A construção em estilo contemporâneo não interfere na paisagem. No interior, a decoração sofisticada é repetida desde o hall até os quartos, 16 no total, em seis categorias de hospedagem. A mais cara não é a mais confortável, mas oferece uma experiência única. A cabine de fibra de vidro instalada sobre o vinhedo da propriedade faz o hóspede dormir sobre a plantação de uvas, ao mesmo tempo em que contempla a montanha e o céu. A diária, em alta temporada, chega a US$ 980 para o casal.
A tarifa (de qualquer uma das lindas suítes) inclui o circuito clássico do SPA Entre Cielos, que aplica o Hamam, o tradicional banho turco, em um total de 90 minutos de cuidados ao corpo. Há tratamentos adicionais, como a massagem com espuma, feita com produtos à base de azeite de oliva. O lugar é aberto ao público e o plano básico de Hamam custa US$ 50 por pessoa.
Nos hotéis do Vale do Uco, a hospedagem rural é regada a vinho. No Hotel Fuente Mayor, além de conhecer vinhedos e desfrutar do SPA, o hóspede pode cavalgar pelos campos ou praticar esportes radicais, como escaladas e rapel. Há também um campo de golfe e um cassino, para quem quiser arriscar a sorte no jogo.
A cidade de Mendoza tem uma infinidade de opções de hospedagem, de hostels a estrelados. Um dos mais novos é o InterContinental, a oito quilômetros do centro. Com amplas instalações, com capacidade para eventos com até 2,5 mil pessoas e elevadores que comportam até caminhonetes, o hotel também tem um dos cinco cassinos em funcionamento na cidade.
Misticismo de Mendoza
Casinhas vermelhas cheias de fitas, flores e oferendas estão por toda parte nas estradas de Mendoza. Todas são dedicadas ao Gauchito Gil, uma das lendas místicas cultivadas pela população local. Uma espécie de Robin Wood, que roubava dos ricos para dividir com os pobres, Gauchito é a entidade certa para pedir uma moradia. Quando alcança a graça, o fiel constrói uma minicasinha para o Gauchito, como agradecimento. Um assentamento puxa o outro e, não raro, é possível encontrar verdadeiros condomínios do Gauchito.
(Ministério do Turismo/Divulgação) O Centro de Mendoza, área de compras, é tranquilo e organizado
Os mendocinos têm outras três devoções religiosas curiosas: São Expedito, La Muerte e a Defunta Correa. São Expedito também ganha altares em louvor às graças recebidas. La Muerte atende até pedidos malignos. A Defunta Correa é responsável pelas montanhas de garrafas de água amontoadas nos acostamentos das rodovias. Ela teria morrido de sede ao sair em busca do marido que havia partido para a guerra. Com o filho nos braços, caiu morta no meio de uma estrada. Foi encontrada por um soldado, com a criança ainda viva nos seios, apesar do corpo seco. Um santuário foi construído no local, para receber os devotos que lhe creditam milagres. O complexo religioso fica em Vallecito, na província de San Juan. O culto à Defunta Correa é praticado em todo o país.
Vinículas e compras
Tempus Alba
Visitas guiadas por 45 pesos, com degustação de três tipos de vinho, de segunda a sexta, das 10h às 18h. Refeições sob reserva. Em Maipú. Site: www.tempusalba.com
Salentein
Visitas guiadas em inglês e espanhol por 50 pesos por pessoa, com degustação de três vinhos. Duração de uma hora e meia, com entrada no Centro de Visitantes Killka. Em Vale do Uco. Site: www.bodegasalentein.com
O'Fournier
Visitas guiadas em inglês, espanhol e italiano, das 9 às 18 horas, sob reserva, a partir de 35 pesos por pessoa, com degustação de um vinho. A 130 km de Mendoza. Site: www.ofournier.com
La siesta
O centro da cidade de Mendoza é tranquilo e organizado. A capital tem 120 mil habitantes, mas a população cresce para 900 mil quando somadas as cinco cidades que compõem a Grande Mendoza. O núcleo central é formado por um quadrilátero de 24 quarteirões, demarcados por praças em seus vértices. Só é preciso ficar atento ao horário de funcionamento. Os mendocinos são adeptos da siesta. As lojas abrem das 9h às 13h e depois, das 17h às 21h. Na Praça da Independência, uma feirinha de artesanato é uma das indicações para a compra dos regalos de viagem.