Trey estava nervoso. Ele batia os pés descalços no chão do estúdio e abria e fechava o zíper do macacão jeans que usava tão rapidamente que fazia barulho. Ele estava falando muito. Ele estava falando demais.
- Trey, por favor - disse Helen Linsell, a diretora de dança.
Era meio-dia. Sete horas até que eles estivessem no palco, e não em qualquer palco, mas no do prestigiado Teatro Riley, em Leeds.
Dos 24 adolescentes que começaram os ensaios em junho, 18 chegaram até agosto. Entretanto, havia uma sensação de nervosismo no estúdio. No dia anterior eles quase perderam quatro dançarinos, incluindo Trey. Um menino de 17 anos que gosta de se auto intitular o Bob Marley do grupo, apareceu atrasado, chegando às 11h00. Shannon, a garota com um dispositivo de monitoramento eletrônico em um dos tornozelos e com a tatuagem "mãe" no outro, perdeu a cabeça. Os pares foram redistribuídos. Houve lágrimas e insultos e quase uma briga.
Esta não é uma companhia de dança qualquer. Os jovens da Dance United têm um passado de problemas, não de balé. Alunos que abandonaram a escola e criminosos insignificantes - e outros nem tão insignificantes - eles foram, como disse uma pessoa que trabalha com os jovens, "sentenciados a dançar". Repudiados pelas escolas, pelos pais e cada vez mais por serviços de apoio à juventude, eles treinam seis horas por dia durante seis semanas com coreógrafos temporâneos profissionais em um campo de treinamento extremamente disciplinado.
Tem uma garota de 14 anos que corre risco de ser explorada sexualmente em seu estado natal; um menino cuja voz nem engrossou ainda, mas cuja namorada acabou de fazer um aborto; tem a namorada de Trey, Ellie (eles começaram a namorar na segunda semana). Alta e alegre, com os cabelos negros puxados para trás em um coque bagunçado, ela é, talvez, a melhor dançarina do grupo. Porém, há poucas semanas sua mãe lhe expulsou de casa e agora ela está, em suas próprias palavras, "à deriva". (De acordo com a lei de proteção aos menores infratores, nenhum deles pode ser identificado pelo nome completo.)
Trey, Shannon e muitos outros têm entrado e saído de tribunais. Contudo, ninguém fala sobre isso aqui. Nem mesmo os membros da equipe sabem sobre as histórias deles. Eles escolhem fazer isso deliberadamente.
- Dar a eles uma ficha limpa é fundamental para nossa filosofia. Nós não podemos ser preconceituosos. Durante seis semanas, eles são dançarinos, ponto final. - disse Duncan Bedson, diretor do projeto de Leeds.
Muitos não podem lidar com a programação rigorosa. Na terceira semana deste ano, eles perderam Georgia, que ficou tão brava que socou a parede e machucou a mão tão seriamente que precisou ir ao hospital. Eles perderam Billie-Jo, que disse em seu primeiro dia no estúdio que estava ansiosa para "ser feliz uma vez".
No entanto, aqueles que a seguem, têm a chance de se apresentar em um teatro profissional. E, conforme sugere a experiência das 36 academias Dance United em Leeds, Bradford, Wessex e Londres, durante os últimos sete anos, eles também têm uma boa chance de voltar para a escola ou de encontrar empregos.
Em média, sete entre 10 jovens conseguem subir ao palco; desses, oito entre 10 voltam para o sistema regular de educação ou para o trabalho, e mais de três entre quatro não cometem delitos ou se tornam reincidentes. Um a cada dez até chega a estudar dança profissionalmente com Matthew-Jay Pratt, professor graduado pela Dance United, agora em seu último ano no competitivo Conservatório de Música e Dança Trinity Laban.
É um dos programas de participação dos jovens mais originais na Grã-Bretanha, custando aos patrocinadores públicos e privados cerca de US$ 3 mil por pessoa, mas economizando para a sociedade um valor estimado em US$ 128 mil em custos legais e benefícios assistenciais, de acordo com a New Philanthropy Capital, uma empresa de pesquisa que calcula o retorno para os doadores das instituições de caridade.
Em uma quinta-feira de julho, andando por quase metade da academia em Leeds, os alunos estavam no estúdio ensaiando uma levantada complicada. Era a vez de Shannon.
Big Luke dançou pela diagonal e agarrou a cintura de Shannon, tentando virá-la de ponta-cabeça e girá-la, mas as pernas dela se recusaram a entrar na roda.
Ela tropeçou. "Eu não consigo, cara."
- Consegue sim. Vamos lá, vamos tentar de novo. - Linsell disse.
No seu escritório de Londres, ao norte, Rob Lynden, diretor executivo interino e diretor criativo da Dance United, falou sobre o poder transformador da dança.
- Nós tentamos forçar, forçar e forçar os jovens até um lugar confortável. Nós não esperamos nada menos do que o que eles podem dar. Porque sabemos que quando ultrapassam suas próprias expectativas e a dos outros, eles mudam. - ele disse.
A Dance United começou nos anos 90, trabalhando com crianças de rua etíopes, jovens na pós-reunificação da Alemanha e com jovens católicos e protestantes na Irlanda do Norte.
Todavia, nestes tempos de dificuldades econômicas e austeridade, há muito trabalho a ser feito na Inglaterra, particularmente no norte sedento por empregos, onde o número daqueles com menos de 24 anos que não estão empregados ou na escola já alcançou níveis europeus, de quase um entre cinco.
Pergunte a Trey o que ele aprendeu e ele avidamente exibe seu movimento favorito: um salto lateral com o rosto e o peito virados para o céu e com os braços bem abertos.
Porém, ele também aprendeu a levantar de manhã cedo, mesmo quando sua mãe ainda está dormindo, e como seguir uma dieta saudável. Os dançarinos comem cereal no café da manhã e bolonhesa de tofu no almoço. Refrigerantes estão proibidos; há água e suco.
E Trey aprendeu sobre os livros e sobre o poder de tomar o controle da sua própria história.
O show leva o nome de "Rewritten Pages" (Páginas Reescritas, em tradução livre). É sobre desprender-se de rótulos e remodelar a vida. Poucos desses jovens chegaram a ouvir histórias lidas, quem dirá lê-las sozinhos, com exceção de mensagens de texto e Facebook. Contudo, eles conhecem o poder das palavras, principalmente, dos rótulos.
Quando as luzes se apagaram no Teatro Riley, no dia primeiro de agosto, e quando a conversa na plateia diminuiu, 18 jovens dançarinos tomaram o palco. Trey voava como uma águia e Shannon foi suspensa em pleno ar com as pernas traçando um perfeito círculo no foco de luz acima dela.
Mais tarde, enquanto o som inquieto da guitarra deu lugar ao som da batida do coração, ela girou e arrancou duas páginas de um livro, descartando-as calmamente no chão. Ela encarou a plateia, com um olhar firme e olhos castanhos orgulhosos.