(Arquivo pessoal) A apreensão de Angela durante o voo se confirmou na chegada ao aeroporto. Mas não estragou a viagem
Eu me acomodava na janela do voo São Paulo-Londres, quando o moço de quase dois metros e cara pouco amistosa - tinha bigode e sangue no branco dos olhos - ocupou a poltrona a meu lado, já puxando assunto em inglês. A aparência dele dava medo.
Durante o voo, ele não pareceu ter problemas para dormir, enquanto eu mal conseguia pregar o olho, pensando que ele poderia colocar alguma coisa na minha mochila, ou subtrair algo. E se eu precisasse ir ao banheiro? O gigante não parecia que acordaria fácil, e passar por cima dele se vislumbrava impossível.
Ao aterrissarmos, tratei logo de me distanciar.
No saguão para retirar a bagagem, cachorros e policiais circulavam, enquanto meu "colega" de viagem falava alto no celular, gesticulando e chamando atenção. Para meu azar, as pessoas foram escasseando, e as nossas malas foram das últimas a aparecer na esteira. Peguei a minha e me apressei para a saída, quando o moço veio atrás, me chamando e captando a atenção dos policiais.
Um deles ordenou que meu "colega" se dirigisse a uma das mesas. Fui logo me despedindo "bye bye", mas o homem me apontou o cassetete "you too". Expliquei que não estava com o rapaz. Não adiantou. Lá fui eu abrir minha mala para uma policial com luvas cirúrgicas e um aparelho detector de sabe-se-lá-o-quê. O rapaz, na mesa ao lado, não parava de explicar que não estava comigo, o que só parecia piorar a situação. Já tinham lhe aberto a mala, que, aliás, só tinha roupa usada podre dentro, tudo embolado. A policial passou o detector, esfregou um papelzinho branco pela mala e sumiu para dentro de uma sala. Para ajudar, adiante se ouviu uma gritaria, onde uma chinesa se ajoelhava pedindo que não lhe retirassem os pacotes de cigarro.
Finalmente, a policial voltou com o resultado: "Positivo". "Positivo para quê?"- perguntou o moço. "Cocaína"- respondeu a policial. "O senhor me acompanhe."
Enquanto meu "colega" era conduzido, olhei apavorada para a moça que continuava a revirar minha mala. "Perdão, eu não estou com o rapaz, apenas sentou ao meu lado no voo." A policial me olhou muito séria: "Você tem alguma coisa a esconder?" "Claro que não" - respondi. "Então, por que está preocupada?"
Pelo jeito eles não iam presumir nada, a menos que eu tivesse algo a me incriminar, e, quanto a isso, eu estava tranquila, afinal, fizera vigília durante todo o voo.
Foi aí que entendi aquela fixação nos aeroportos para que você fique sempre de olho na sua mala.
Felizmente fui liberada.
Quando lembro dessa história, começo a pensar que Lombroso tinha razão.
Ou meu instinto é muito bom.
*Promotora de Justiça e escritora
www.angeladalpos.com
adalpos@terra.com.br