- Cara, aí está uma coisa que me enche a paciência - afirmou Billy Allardyce.
Estávamos indo para Portobello Road em uma fria manhã chuvosa de inverno, a caminho de uma galeria indicada por um amigo, o antiquário Alexander di Carcaci. Allardyce reclamava das mudanças. Segundo ele, as particularidades e esquisitices de sua infância nos anos 1960 haviam dado lugar à mesmice do centro da cidade.
- Quando era garoto, ainda existiam todas aquelas lojinhas, todas as ruas onde se vendiam produtos especiais - contou Allardyce.
Naquela época, o Columbia Market - que hoje abriga bancas de flores e restaurantes onde hipsters tomam brunch - era o local onde as famílias do West End compravam seus porquinhos-da-índia.
- Gatinhos, cachorros, cobras, coelhos. Eles tinham até cabras - contou.
A imagem é deliciosa - uma cabra pastando no centro de Londres. Ela reúne tanto a alma agrícola da Inglaterra quanto a de uma capital onde espaços pouco conhecidos, esquinas estranhas e caminhos tortuosos sempre tiveram seu lugar.
Essa é uma das razões que me levaram a viajar para Londres recentemente, porque, embora as cabras já não pastem mais, a capital britânica mantém o mesmo espírito que se integrou à textura da cidade, suas galerias, vielas estreitas, terraços estranhos, museus e lojas de especialidades - escondidas à vista de todos, entre, atrás, em cima e às vezes até dentro de atrações famosas.
Acordei cedo demais para visitar o Tate Modern durante uma viagem em outubro, então decidi matar um pouco de tempo caminhando do meu hotel, perto do Palácio de Buckingham, ao longo do sinuoso South Bank. Quando passava pela Abadia de Westminster, resolvi entrar no culto das 7h30min, realizado em uma capela lateral austera o bastante para ser confundida com uma igreja de pedra de Jerusalém. Longe da pomposa nave da abadia do século 14, havia menos de 30 visitantes. Cada um de nós estava compartilhando uma experiência íntima, profundamente universal e disponível a qualquer pessoa.
Momentos como esse são frequentes em Londres. Fugir um pouco das rotas turísticas e vagar pela cidade não atrapalha a Torre e o Palácio de Buckingham ou o London Eye. Ao caminhar por Londres, deparei com maravilhas como o Museu da Casa de Dennis Severs, na Folgate Street, 18, uma "recriação" detalhada de como deveria ser a casa de uma família de tecelões huguenotes após séculos de evolução, feita por um americano. Um local repleto de velas escorridas, objetos incontáveis e panos pendurados nas vigas, a casa poderia facilmente passar por "fofinha", não fosse pela força da visão artística de Severs.
O sótão da Europa
Certa tarde, enquanto caminhava, descobri o portão de água de York, um monte de pedra barroco atribuído a Inigo Jones, e um pub com séculos de idade, que mantém seu charme anacrônico, apesar de estar em todas as listas de atrações turísticas. Também conheci uma sala silenciosa do Dennis Severs House Museum, onde podem ser vistas as cerâmicas chinesas reunidas por um colecionador rico ao longo de sua vida, confirmando que a Inglaterra é realmente o sótão da Europa.
Serenamente espalhados pela sala 95 do museu estão cerca de 1,7 mil objetos da coleção de Sir Percival David, um negociante do século 20 que colecionou as peças de cerâmica com olho atento e uma determinação singular.
Uma atração para si
Sala Árabe do Leighton House Museum, casa construída por um pintor (Andrew Testa / NYTNS)
Cada vez mais, minha ambição como viajante é descobrir locais tranquilos e pouco explorados. Nesse sentido, Londres não é muito diferente de Nova York. Os turistas sempre seguem os líderes que carregam bandeiras coloridas e conduzem grupos enormes. Contudo, talvez porque a cidade seja tão antiga, grande, descentralizada e cheia de camadas, sempre há mais chances de visitar algumas atrações turísticas oficiais e descobrir que você é o único no local.
Tive essa mesma experiência quando fui ao Holland Park e ao Leighton House Museum, uma casa construída de modo radical por um dos principais pintores da era vitoriana. Quando Sir Frederic Leighton construiu sua casa opulenta nos anos 1860 (com uma importante ampliação alguns anos depois), tudo o que se podia ver da janela da sala de jantar eram pastos, um chiqueiro e um parque que se estendia ao Norte. Uma colônia de artistas prósperos cresceu ao redor - os estúdios de Holland Park Circle. Muitas ainda existem nessa área residencial abastada, e a Leighton House sobreviveu como a relíquia improvável de um período e um estilo que resistiram às tendências da moda.
Livros à antiga
Na John Sandoe (Books) Ltd., há livros empilhados sobre mesas e no chão
Sempre que vou à cidade, corro em direção à famosa livraria G. Heywood Hill Ltd., na Curzon Street. Durante minha viagem em outubro do ano passado, um amigo insistiu para que eu visitasse a John Sandoe (Books) Ltd., em Chelsea, uma sugestão que me custou uma boa taxa de excesso de bagagem.
Quando John Sandoe fundou a livraria, em 1957, o terreno abrigava uma casa de banho e tosa de poodles, um brechó e uma agência de secretárias.
Sandoe esteve à frente da loja até se aposentar, em 1989, quando os funcionários a compraram e continuaram a operá-la a partir dos mesmos princípios heterodoxos. Isso quer dizer que, nos três andares do prédio do século 18 onde fica a John Sandoe (Books) Ltd., há livros empilhados sobre mesas, no chão, no corrimão das escadas caracol e em estantes profundas. Existem 24.320 volumes no local, dos quais 22.790 têm apenas um exemplar, de acordo com a última contagem, afirmou Dan Fenton, um dos três atuais donos da loja.
Pareceu-me apropriado que aquele dia frio continuasse assim parado no tempo, então peguei um táxi e atravessei a cidade até a Fleet Street e o Ye Olde Cheshire Cheese, um velho pub cuja série de pequenos cômodos atraiu clientes desde Samuel Johnson até Mark Twain.