A Rua Haarlemmer, em Amsterdã, é estreita o bastante para que eu possa ver da janela do meu escritório as lojas do outro lado da rua. Há uma loja especializada em azeites de oliva, com fileiras de barris de metal e uma placa do lado de dentro que diz "cheque seu óleo", além de um coffee shop onde turistas muito bem vestidos vão para ficar doidões (a maior parte dos visitantes sabe que cafés são lugares onde se consomem bebidas quentes, ao passo que em coffee shops se pode fumar maconha.)
Quando olho para cima, preciso entortar o pescoço para ver a série de gabletes das fachadas de tijolos à vista - em forma de escada, sino, bico - que mostram qual era a moda entre os construtores durante a era de ouro da cidade, no século 17.
A Rua Haarlemmer não é nada incomum. Em uma cidade que foi basicamente construída em cima de pântanos de turfa, o espaço sempre foi um luxo. Curiosamente, os primeiros ocupantes do prédio onde trabalho (alguns séculos atrás) tinham todo o espaço do mundo. O prédio é conhecido como Casa das Índias Ocidentais. Nos anos 1600, os diretores da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais operavam nesse prédio uma empresa que se estendia daqui ao Caribe e às Américas do Sul e do Norte, cujos produtos incluíam sal, madeira, açúcar e escravos. A partir desse prédio, eles criaram postos avançados em outros países, um dos quais, Nova Amsterdã, no extremo sul da Ilha de Manhattan. Gosto de pensar que a sala de reuniões que fica do outro lado do quintal, em frente ao meu escritório, é o lugar onde Nova York foi concebida.
Trabalho na Casa das Índias Ocidentais porque sou diretor de um centro de cultura americana chamado Instituto John Adams, que escolheu esse prédio em função de sua conexão histórica com os EUA quando foi fundado, 25 anos atrás.
Antigos armazéns viraram apartamentos (Herman Wouters / NYTNS)
Espaço valioso
Nos sete anos desde que moro em Amsterdã, peguei-me diversas vezes refletindo sobre o conceito de espaço. Apesar de toda a vastidão que pertenceu aos holandeses ao redor do mundo, eles se restringiram a esse pedacinho de terra, lotado e constantemente ameaçado pela água. Basta escolher um bairro qualquer da cidade e vai descobrir que é um bom exemplo destas duas coisas: como Amsterdã sempre quis ir mais longe, e como seus habitantes estão sempre reconstruindo, reinventando, dando novos sentidos a seu cantinho no mundo, quase sempre de formas criativas.
Um bom exemplo é minha caminhada no horário do almoço. Se eu for pela direita, pela Rua Haarlemmer, passo por um caldeirão étnico de restaurantes - tibetanos, tailandeses, franceses, argentinos - e chego a uma pequena praça, onde às vezes almoço em um quiosque que serve arenques. Poucos passos ao norte nos levam ao cais do porto, que foi famoso por sua "floresta de mastros", uma expressão que sugere tanto o alcance global que a cidade tinha na época quanto o fato de que, durante a era de ouro de Amsterdã, a infraestrutura da cidade se estendia até a água.
A área aquática tem um nome curioso em holandês: ela é chamada de IJ (a pronúncia é parecida com "ai"), e o prédio cor de pérola do outro lado da orla tem um formato que lembra o de um olho e abriga atualmente o EYE Film Museum.
Westerdok é uma das ilhas artificiais criadas em Amsterdã, onde dá para se sentir em pleno século 17
Ilhas artificiais
Se caminhássemos em direção ao leste, chegaríamos à estação central, o principal centro ferroviário do país - mas, a menos que eu precise tomar um trem, faço o possível para evitar aquele caos. Em vez disso, é melhor ir em direção ao oeste, onde há uma série de apartamentos novos e estilosos que vão até a beira do IJ, cada um com seu próprio cais forrado com barcos de passeio. Esse braço de terra é uma ilha feita à mão, chamada Westerdok, construída no século 19 para acomodar a estação de trem.
Os políticos em Haia decidiram colocar a estação bem na beira da água. A ilha foi criada como uma espécie de estacionamento de trens. No final do século 20, o espaço deixou de ser necessário, e, por isso, foi transformado em um novo bairro.
Perto de Westerdok, há mais três ilhas artificiais. Cruzar a pontezinha que leva até a Prinseneiland, a mais bonita delas, é uma das coisas que mais gosto de fazer na cidade, porque, embora ainda estejamos em Amsterdã, temos a sensação de que fomos parar em uma vila de pescadores do século 17. Pequenas pontes levadiças de madeira ligam as três ilhas.
No continente, retorno à Rua Haarlemmer. Há 30 anos, esse era um dos bairros mais barra-pesada da cidade, mas uma iniciativa público-privada o revitalizou, transformando-o em um centro comercial descolado.
Os prédios da Rua Haarlemmer destacam um dos desafios que seus habitantes sempre enfrentaram. Cartões-postais com imagens das casas na beira dos canais mostram como são inclinadas. Mas a inclinação não está ali pelo charme: ela indica um subsolo perigosamente instável. Não dá para construir prédios muito altos em Amsterdã - até mesmo três andares podem levar à necessidade de refazer toda a fundação.