Sorte, desapego pelo calor e insistência. A viagem que eu queria fazer em março deste ano exigia um pouco de cada. De tudo isso, só nasci com a incrível teimosia. Ver a aurora boreal se tornou mais do que férias. Era uma vontade que não me tiraria da longínqua Tromso, na Noruega, enquanto eu não visse as luzes do Norte.
De três dias planejados a cerca de 400 quilômetros acima do Círculo Polar Ártico, onde fica a cidade norueguesa de cerca de 70 mil habitantes e muitos universitários, estendi os planos para uma semana. A cada dia, buscando a aurora em experiências diferentes. É o tempo mínimo ideal para ficar no Norte da Noruega e evitar a frustração de ir embora sem ver o show de luzes, que depende de um conjunto de fatores para ser presenciado.
Quem gosta de calor precisa ser forte e querer muito ver o fenômeno, melhor observado entre setembro e início de abril, período que passa pelo inverno no Hemisfério Norte. Mesmo no início da primavera, os termômetros marcam temperatura negativa, e a cor predominante sobre a cidade é o branco da neve.
Ainda assim, Tromso é um dos lugares mais "amigáveis" para montar base em busca da aurora boreal. Isso porque o local é influenciado pela Corrente do Golfo, o que torna as temperaturas mais amenas se comparadas com aquelas presenciadas no Alasca, nos Estados Unidos, outra meca de quem busca o fenômeno.
Para quem vai com o bolso preparado (a Noruega é um dos países da Europa mais caros para os turistas), Tromso oferece uma boa estrutura hoteleira e gastronômica. Além de atividades na neve bem divertidas.
Gaute Bruvik / VisitNorway.com
O primeiro contato
Depois de instalada na cidade na noite de uma sexta-feira gelada, esperei ansiosa pela noite seguinte, quando havia agendado uma excursão de ônibus para ver o fenômeno. Esses passeios, muitas vezes chamados de "caçada à aurora", costumam sair do centro de Tromso por volta de 18h ou 19h, retornando à cidade pela 1h. São guiados, normalmente, por fotógrafos ou profissionais de turismo que conhecem muito da atividade da aurora.
Para que as chances de ver as luzes aumentem, é preciso se afastar da cidade, onde há o mínimo possível de interferência de iluminação artificial, buscar locais de céu com pouca ou nenhuma nebulosidade, já que o fenômeno ocorre a cerca de 100 quilômetros de distância da Terra, e monitorar os níveis de atividade da aurora, que tem uma escala que vai até 10.
Os guias procuram informações em sites especializados para saber como está a atividade e onde ficam os lugares de céu mais claro, além de dar dicas de como fazer fotos (veja em detalhe). O dia já havia começado bastante nublado naquele sábado. E assim permaneceu até a madrugada de domingo. De dentro do ônibus, uma das guias explicava que tentaríamos todas as chances. Chegamos a parar e descer do ônibus, mas a aurora não deu as caras. Seguimos até a fronteira com a Finlândia, onde a sensação térmica chegava a -20°C e era preciso usar coletes refletores, de tão escuro. Mas a noite terminou em frustração após uma soma de nuvens, escuridão e frio, muito frio.
Sorte, pero no mucho
A noite foi agitada. "E agora! Tenho apenas mais uma noite na cidade. E se eu não ver nada?" Depois de toda a insônia, o replanejamento. Roteiro revirado, céu ainda nublado, bolso apertado. Ainda assim, resolvi me estender em Tromso por mais três dias. Fui até a mesma agência indagar da tal atividade no dia seguinte. O atendente me disse: "a aurora está em um nível quase anormal". Um tanto incrédula, resolvi arriscar. Joguei mais uma conta no cartão de crédito e lá embarcava eu novamente no ônibus.
Paramos na aldeia de Mikkelvik, a cerca de duas horas da região central de Tromso. A atividade se aproximava de 9,6, algo que o guia Francesco disse que nunca tinha visto em mais de dois anos no trabalho. O alto índice, no entanto, não parecia capaz de vencer tantas nuvens e a neve que resolveu cair naquela noite.
Foi preciso que eu entrasse no ônibus para me aquecer novamente, porque já não sentia meus pés, apesar das botas reforçadas para passeios na neve. Quando todos estávamos lanchando chocolate quente e biscoitos, Francesco saltou de dentro do ônibus gritando que a aurora era visível do outro lado do ônibus.
Como se houvesse um Miró a pintar apenas em verde, lá estavam as pinceladas manchando o tanto de nuvens. Foram cerca de 15 minutos para ver e fotografar os rasgos tímidos no céu. De vencer a frustração anterior, de estar ali tão longe do resto do mundo e tão perto de algo tão extraordinário, chorei.
Fotografar a aurora: missão complicada
Fotografar aurora é tarefa praticamente impossível em duas situações: modo automático ou semiautomático da câmera e sem um tripé. Isso porque as caçadas ao fenômeno são feitas em regiões muito escuras. Por isso a importância de uma máquina que possibilite fazer ajustes manuais.
Além desse equipamento, é importante ter baterias extras. Em frio extremo, elas acabam muito rápido. Principais dicas:
1) Colocar a câmera em modo totalmente manual.
2) Utilizar ISO 800.
3) Tempo de exposição (velocidade do obturador) é o que mais pode variar. Faça testes entre 15s e 30s. Por isso a importância do uso do tripé, já que é impossível segurar a câmera por tanto tempo sem tremer.
4) Programe para que as fotos sejam feitas segundos depois de apertar o botão, já que também se pode tremer nesse momento.
6) Abertura: coloque no menor valor possível.
7) Foco: também precisa ser em modo manual e ajustado para o infinito. Em dias de céu estrelado (sem nuvens), uma dica é buscar, olhando no visor, uma estrela. Na direção dela, tente focar até que ela fique como um ponto bem visível.
Mesmo com tanto cuidado, não se frustre se não conseguir a imagem ideal. Estas são algumas das fotos da Rita. Se você quiser, dá para comprar fotos profissionais de você e da aurora
Maria Rita Horn / Arquivo Pessoal
O outro lado da moeda
Se um dia o céu não ajuda, no outro dia quem faz birra é o nível de atividade. No dia seguinte, Tromso amanheceu com sol alto e previsão de pouquíssimas nuvens. Mas estava perto de 2 o índice. Lembram quando falei da teimosia? Pois é, apesar das previsões não muito animadoras, lá estava eu no ônibus da excursão mais uma vez naquela noite. Rumamos a um local chamado Skjold, onde os guias tinham achado as menores probabilidades de nuvens.
No céu, enxergávamos várias estrelas e uma lua lindíssima. Mas nada de aurora. Francesco, além de guia, fotógrafo profissional, atentou que havia aurora invisível a olho nu, mas que podia ser registrada em fotografia. Enquanto os turistas ajeitavam seus tripés e equipamentos, ela deu as caras novamente, por uma meia hora, entre as estrelas e árvores. Mais uma vez de forma tímida, mais uma vez bela.
Ah, a tal teimosia
Previsões de céu muito claro, atividade da aurora ainda indefinida, meu último dia e minha última noite em Tromso foram de pesquisa. Não queria repetir o passeio de ônibus. Descobri uma opção que durava oito horas, em uma viagem que incluía um trecho saindo de ônibus de Tromso, outro em um ferry, até Skjervoy. De lá se toma um navio da empresa Hurtigruten, famosa em operar passeios por fiordes noruegueses, que volta a Tromso. Na agência de informações turísticas da cidade, o passeio foi altamente recomendado para esse dia, já que o navio passa por áreas realmente escuras.
Mas já não havia satisfação em ver o fenômeno duas vezes? Eu queria ter a chance de observar a aurora "dançando" no céu, e se eu tinha mais uma noite no Norte, a pergunta que importa é: por que não?
O frio do lado de fora do barco de retorno era cortante. Segundos era o tempo em que eu podia me dar ao luxo de tirar as luvas e fazer os ajustes na câmara fotográfica antes de começar a congelar a mão. Não tinha nenhum guia a me dizer o nível de atividade. Ou a porcentagem de nuvens no céu. Ou o tempo necessário de exposição à luz da máquina fotográfica. Foram cerca de duas horas em que a aurora apareceu à direita. Ressurgiu à esquerda. Esfumaçou. Girou. Formou espirais. Ficou verde como criptonita. Assim ela abençoou a minha última noite de sono em Tromso. Agora eu podia ir embora.
Bård Løken / Visitnorway.com
Paraíso das atividades de inverno
Tromso também é muito procurada pela diversão na neve
- Skiing ou snowshoeing: esquiar ou, para quem não tem muita habilidade, apenas caminhar na neve, rumo a montanhas locais, usando sapatos especiais.
- Snowmobiling: em uma espécie de moto da neve, turistas podem percorrer paisagens na neve e também ver a aurora boreal, em passeios que combinam pilotar o veículo e esperar pelas luzes
- Dog sledding: passeios pela neve em que o turista sobe em uma espécie de carrinho guiado por huskies. Há também versões com renas.
- Noite em uma tenda sami: agências te levam para passar a noite em lavvus, como são conhecidas as tendas dos samis (lapões), para conhecer um pouco da história do povo nativo da Lapônia.
Maria Rita Horn / Arquivo Pessoal
Nem tudo é aurora e neve
A cidade também é conhecida por outras atrações culturais e atividades de verão
- Maratona do sol da meia-noite: aqueles que buscam corridas exóticas pelo mundo têm aqui uma boa pedida. Correr à meia-noite, na presença da luz solar, atrai esportistas do mundo todo. Desde 1990, sempre em junho
- Sol que não se põe: mesmo quem não corre procura a cidade para ver o fenômeno do sol que não se põe. Em Tromso, de 20 de maio a 22 de julho, são 24 horas de luz solar
- Polaria: com design inovador, uma espécie de aquário-museu sobre o norte da Noruega e a ilha de Svalbard
- Funicular: o veículo te leva ao topo do Monte Storteinen (a 421 metros de altura). Esteve em manutenção até início de maio
- Catedral do Ártico: igreja de 1965, composta por 11 arcos em forma de triângulo
- Vida noturna: Tromso é conhecida como a cidade com mais pubs per capita do que qualquer outro município norueguês
*O site de informações turísticas da cidade traz uma lista de atividades culturais, gastronômicas e de aventura em Tromso.