6h25min. Lá fora, o termômetro marca 5ºC em pleno abril, já com os primeiros raios de sol prenunciando no horizonte um dia de céu aberto e sem nuvens. Dentro da cabana climatizada pela calefação, o lençol térmico e as três camadas de cobertores prendem o sujeito sonolento à cama, como em uma emboscada que não terá desfecho. Basta um passo à frente, porém, para que a paisagem dos Campos de Cima da Serra aqueça até mesmo a ponta do dedo que começa a esfriar no primeiro contato com a temperatura ambiente.
FICHA TÉCNICA: Confira algumas das aves encontradas em Cambará do Sul
Em Cambará do Sul, o amanhecer tem o som de um arroio de água cristalina correndo mansamente até uma pequena cachoeira. Ao longe, as colinas e florestas de pinus que envolvem o bioma são encobertas pelo nevoeiro. Pelo chão, o orvalho congela a grama e as plantas, encharcando os calçados, os pés e as canelas de quem se aventura pelas subidas e descidas que cortam os campos. No pasto, o mugido do gado é ouvido ao longe.
No ar, uma sinfonia de cantos acompanha o bailado de canários, curicacas, chimangos e quero-queros. Em grupos, duplas ou sozinhos, eles voam de galho em galho nas araucárias típicas da região serrana em uma busca frenética pelo alimento. Alguns permitem a aproximação do ser humano, outros saem em disparada ao pressentir qualquer tipo de movimento. Quem dispõe de aparatos como binóculos ou câmeras fotográficas com lentes teleobjetivas, no entanto, pode apreciar as centenas de espécies de aves que habitam os Campos de Cima da Serra.
Relatos da observação de pássaros existem desde o século 18, mas a expressão bird watching foi cunhada somente no início do século 20, nos Estados Unidos. Antes considerada um hobby no cotidiano do então estudante de Biologia Juan Anza, a prática se transformou em livro no final de 2012. Em parceria com o Parador Casa da Montanha, de Cambará do Sul, o biólogo lançou o livro A Natureza em Foco, com fotos e informações de 33 espécies de aves e mamíferos que vivem naquele bioma. Um trabalho que durou cerca de oito meses até a publicação.
- O propósito do livro é o de conhecer para preservar. A ideia é aproximar as pessoas ao meio onde esses animais vivem para sensibilizá-las na manutenção das espécies - explica Anza.
Das mais de cem espécies que vivem na região catalogadas por Anza, algumas delas constam do Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção. A águia-cinzenta e a noivinha-de-rabo-preto, por exemplo, sofrem com a descaracterização do hábitat, em muito decorrente da destruição do ambiente natural para o desenvolvimento de culturas de cereais.
A observação das aves permite também a identificação de comportamentos de cooperação entre as espécies. Tipos de menor porte, como o cochicho e o tico-tico, voam em bandos mistos. Ou seja, enquanto um pássaro é especialista em identificar comida, o outro é mais aguçado em avistar predadores, observa Anza. Desta forma, estabelecem uma "parceria" entre si para o benefício de todos.
Outra ave que caracteriza o bioma é o pedreiro, exemplar endêmico dos Campos de Cima da Serra. Ou seja, a ave se desenvolve exclusivamente nas partes mais altas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, e em mais nenhum lugar do planeta, diz Anza.
*Viajou a convite do Parador Casa da Montanha
fotos: Roberto Azambuja / Zero Hora
Como ver os animais
- Seja o mais discreto possível, pois boa parte das espécies silvestres é arisca ao ser humano e tende a fugir.
- Evite gritos e tons de voz elevados. Quanto maior o silêncio, melhor.
- Evite movimentos bruscos ao deparar com um animal.
- Evite vestir cores claras e chamativas. Use roupas camufladas e confortáveis, pois as caminhadas podem ser longas.
- Os calçados devem ser, preferencialmente, impermeáveis.
Cânions espetaculares
O Itaimbezinho é um dos cânions de Cambará do Sul, com acesso por uma estrada de chão
Os cânions de Cambará do Sul estão entre os pontos turísticos mais visitados da serra gaúcha. São formações rochosas de mais de 100 milhões de anos originadas da separação dos continentes (América do Sul e África). As fissuras causadas pelos derrames basálticos transformaram as rochas em precipícios de 700 metros de altura que configuram uma imensidão de paisagens listadas entre as mais belas do Rio Grande do Sul.
Além do Malacara e do Churriado, destacam-se os cânions Fortaleza - onde foram gravadas cenas da série A Casa das Sete Mulheres - e o Itaimbezinho (ita = pedra; aibe = afiado). Esse último fica a 18 quilômetros da cidade e o acesso é por estrada de chão.
Localizado em uma região de 10 mil metros quadrados do Parque Nacional de Aparados da Serra, o Itaimbezinho é uma área de preservação permanente (APP) hoje administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O caminho que leva aos paredões é cercado pela vegetação fechada, típica da Mata Atlântica, pois está a aproximadamente 40 quilômetros do Litoral.
Até a entrada do parque, o caminho pode ser feito de carro pela ERS-429. O custo é de R$ 6 por pessoa, com disponibilidade de estacionamento a R$ 5 para automóveis e R$ 10 para ônibus. Dentro da área, há duas trilhas para o passeio. A mais longa, o Cotovelo, tem três quilômetros de extensão. A mais curta, o Vértice, tem pouco menos de um quilômetro.
As caminhadas são feitas em áreas de fácil acesso e permitem ampla visualização dos cânions. Do alto dos penhascos, correm as cascatas Véu de Noiva, no Cotovelo, e das Andorinhas, no Vértice.