No abrasivo deserto de Nevada, que um dia foi a parte amaldiçoada da rota pioneira para o Oeste americano, você aprende a distinguir entre os tipos de miragem: o efeito óptico gerado pelo calor e pela refração natural da luz de Las Vegas. Os dois casos são reais, mas só um justifica o significado superlativo do termo "fenômeno". Sobre aquele terreno inóspito se ergue um deslumbre da vontade do ser humano, um delírio de cores, poder, dinheiro e diversão que fez Elvis Presley desejar que o dia tivesse mais de 24 horas (em Viva Las Vegas).
A minha experiência neste paraíso perdulário e sedutor só fez tornar o quanto profética foi citação de Hunter S. Thompson no seu best seller Medo e Delírio em Las Vegas (Jornada Selvagem ao Coração do Sonho Americano): "após cinco dias, Las Vegas fará você se sentir como se estivesse há cinco anos aqui". Você sobrevive, mas sempre há um custo, seja físico, emocional ou financeiro. Do meu bolso, foram apenas módicos US$ 5 nas raras experiências nos caça-níqueis. Mas um bom naco da sua alma você deixa pelas calçadas da cintilante e ardente Strip Las Vegas.
É fácil iludir-se achando que sobreviveu inteiramente à cidade, mas o que seria aquilo se não obra do poder da ilusão, para entreter e fazer sonhar com a possibilidade da fortuna, dos prazeres inesgotáveis e do luxo. É uma tentação que resplandece dos suntuosos hotéis e cassinos como MGM, Mandalay, Caesars Palace e Bellagio, cenários de filmes - como a comédia Se Beber, Não Case - e seriados de TV.
A impressão é de que não há limites para tornar real a fantasia no maior centro de lazer adulto do planeta. Nem percurso de cinco quilômetros da Las Vegas Boulevard e adjacências você encontra de uma Torre Eiffel montada como se fosse uma peça de Lego no meio de uma reprodução de Paris, às reluzentes pirâmides do Luxor, uma praia artificial do Mandalay, os arranha-céus de Manhattan no New York, New York, e gôndolas navegando em canais artificiais no megalômano cassino Venetian. Este é uma espécie de Taj Mahal dos jogos, construído em homenagem à mulher do seu empreendedor, inconformada por ter que deixar Veneza, onde residiu por dois anos. Curiosamente, seis décadas depois de outro "investidor", o mafioso Benjamin "Bugsy" Siegel erguer o pioneiro Flamingo Hotel, também para homenagear a sua amante. Em Vegas, independente dos tempos e da ficha corrida, o ardil une os propósitos sentimentais, financeiros e ardilosos.
Deserto com água por todos os cantos
Algumas horas em Vegas e você perde a impressão de estar no meio do deserto, salvo pelas as rajadas de ventos ardem a pele. É água por todos os cantos, das escandalosas piscinas do Caesers às fontes dançantes do Bellagio, instaladas para promover o espetáculo aquático O, do Cirque du Soleil. Elas são acionadas para apresentações duas vezes ao dia, sendo que, em cada sessão de 15 minutos, é consumido um volume de água superior à média de chuva de todo um ano na cidade: parcos 1,2 mil milímetros cúbicos, ou o equivalente a quatro dos 365 dias. O "milagre" está em um bilionário sistema de tratamento que reaproveita toda a água consumida em Vegas para então despejá-la, limpa, no lago Lago Mead, nas proximidades do Grand Canyon e na monumental represa Hoover.
Estamos falando de um potencial de consumo de 12 milhões de pessoas, que anualmente desembarcam em Vegas em busca de diversão.
Há opções diurnas, como passeios de helicóptero pelo canyon do Rio Colorado, parques temáticos e experiências mais inusitadas que as casas de striptease, como atirar com fuzis. Mas um pouco de decadência e originalidade também servem muito bem para aplacar a overdose de deslumbre e para tanto histórica Fremont é um bom antídoto.
No coração do Grand Canyon
Foto: Marcos Espíndola/ Especial DC
Deixe o coração da agitação para depois e comece a sua incursão por Las Vegas pela periferia. Antes de entregar-se à vida louca noturna, reserve uma boa noite de sono e acorde cedo para conhecer o Grand Canyon. Um passeio pela vastidão das montanhas do deserto de Nevada, que pelo ar, torna a experiência ainda mais marcante. É um deslumbre ver do alto as formações rochosas, o imenso Lago Mead e a imponente represa Hoover que só destaca ainda mais a maravilha do verde topázio da água.
São 45 minutos de helicóptero até chegar à margem do Grand Canyon, paisagem muito conhecida dos filmes de faroeste mas que só ao vivo para ter uma ideia da sua dimensão e suntuosidade. Essa brincadeira lhe poupará tempo e esforço, mas custará pouco mais de US$ 400 (ou R$ 808, preço da companhia Maverick). A opção é fazer o passeio por via terrestre, por ônibus, que levam até quatro horas para chegar ao canyon principal. Atualmente, cinco empresas exploram o serviço.
O show não pode parar
Las Vegas conta com mais de 400 espetáculos ocorrendo simultaneamente todos os dias. E para todos os bolsos. São atrações gratuitas, como shows em bares, performances de rua e festas turbinadas no club Marquee do moderno Cosmopolitan Hotel. Minha dica é o musical Love, inspirado nos Beatles, há sete anos em cartaz no gigantesco Cassino Mirage (média de US$ 100, ou R$ 202). Mas se você busca por algo mais tradicional e megalômano, desembolse US$ 250 (R$ 505) para ver a cantora canadense Celine Dion cantar em dueto com um holograma da própria no impressionante show em cartaz Caesers. E uma constelação de astros da música desembarcará na cidade nos próximos meses, como Rod Stewart, Cee Lo Green (cantando Liberace), Calvin Harris, além de Madonna (outubro, no MGM Grand) e britânico Morrissey (em novembro, no Cosmopolitan).
Ressaca
Lembram do filme Se Beber, Não Case? Então, Las Vegas possibilita aquilo e muito mais. Seja sob o sol abrasivo ou o luar e luminosos das ruas, a cidade é uma festa incessante, inconsequente e delirante. Das pool parties regadas à água e bebidas nas piscinas aos clubs noturnos, uma multidão de baladeiros entram e saem dos hotéis, entopem os halls dos cassinos, embarcam e desembarcam de limusines. À medida que as horas avançam pela madrugada, a situação se torna ainda mais perigosa, e a diversão, selvagem. Grupos brindam e cambaleiam pelas ruas, transformam suítes em picantes warm-ups e amanhecem numa espiral de jogatina e diversão. Não se espante se, ao desfrutar do seu café da manhã, surgir ao seu lado uma loira estonteante, equilibrando os gambitos sobre os sapatos plataformas pedindo ao garçom por uma garrafa de champanhe. The show must go on.
Dificilmente você encontrará Mike Tyson ou acordará com um tigre branco no banheiro do seu quarto, mas não está imune a uma ressaca moral e financeira daquelas. Pode tornar-se um homeless (morador de rua) de ocasião, o destino comum de muitos que se passam na gastança e se veem obrigados a pedir esmolas para voltar para a casa. Mas sempre contarão com a solidariedade alheia. O ditado local não é por acaso: "o que acontece em Vegas fica em Vegas!".
Para beber
Não importa a estação, Las Vegas é escaldante. O clima seco e árido obriga a manter-se hidratado. Água é fundamental, principalmente para quem também não poupará o fígado. Além do dinheiro, o álcool também é outro combustível fundamental para manter o sistema de animação da cidade em alta. Bebe-se muito e em todas as ocasiões. Dica de ouro para manter o bolso saudável: enquanto você mata um tempo gastando centavos nos caça-níqueis, poderá beber na base da cortesia.
Quer algo inovador? Então visite o Onda Wine Lounge, no Mirage, e surpreenda-se com a experiência refrescante que traz espumante prosecco, licor St-Germain, água com gás e um gomo de laranja. E o detalhe mais importante: gelo! É o suficiente para fazer qualquer metido a enólogo rever seus conceitos.
Para comer
Las Vegas chama para si o título de capital mundial da alta gastronomia e, para isso, os hotéis esforçam-se em adquirir o passe dos melhores chefs do planeta, como o aclamado Joel Robuchon, do MGM, ou o televisivo Gordon Ramsay, que serve até o tradicional fish and chips inglês em sua steak house no Paris.
Mas há boas surpresas, principalmente no cozinha oriental. O Shibuya, também no MGM, é um belo restaurante japonês, mas prepare-se para se surpreendido com um apetitoso e exótico foie grass - e se você não lembrar da cena do Hannibal Lecter servindo lascas de cérebro grelhados em Hannibal a degustação poderá ser orgástica.
Cada hotel investe pesado em boas opções de restaurante de ponta que podem valer algumas centenas de dólares, mas também há as alternativas mais em conta, como os buffets onde a maioria dos hóspedes se refestela do bom e do melhor a partir de US$ 13 (R$ 26) por pessoa. Quer testar seus limites? Então vá ao Serendipty do Caesars Palace e tente vencer os 30 centímetros e quase um quilo de um sanduíche a base de filé, ovos, bacon e batatas.
Onde cair vivo
Em Vegas, luxo não necessariamente é uma questão de custo. Esse é o grande barato da lógica naquela cidade quando o assunto é hospedagem. Hotéis contam com milhares de quartos. O moderno Cosmopolitan, por exemplo, é um dos menores, com 2.995 quartos e suas diárias custam em média US$ 200 (R$ 404). Mas grandes redes como Caesars, MGM e Bellagio ofertam diversas faixas de preços, algo a partir de US$ 69 (R$ 139), dependendo da época.
Quando você pagaria isso por um cinco estrelas no Brasil? Julho é o pico do verão nos Estados Unidos, mas isso não é sinônimo de alta temporada em Vegas. O calor afugenta a maior parte dos visitantes, que costumam abarrotar a cidade nos períodos de outono e primavera. Se a ideia é economizar vale arriscar e enfrentar o calor que passa fácil dos 41ºC. Pelo menos poderá se divertir vendo os locais cozinhando ovos no asfalto.
Vegas de verdade
Uma coisa é a Vegas da cultuada e iluminada Boulevard ou Strip, que compõe o Center City, o bilionário novo centro que remodelou e redirecionou a diversão e a extravagância na cidade. A poucos quilômetros há a outra Vegas, da Fremont Street, que como diz o adjetivo é uma experiência ao modo de vida original da cidade. A começar pela rua coberta por um telão, que exibe vídeos e turbina um repertório de rock intermitente. No teto e no palco instalado em uma das esquinas, onde diariamente bandas de hard rock farofa (leia-se Skid Row) animam a malta de locais e turistas em busca de diversão barata ou gratuita.
Lá estão os cassinos mais antigos, como Golden Nugget Las Vegas, que nos áureos tempos das décadas de 1960 a 1980 arrastava multidões para ver Frank Sinatra - hoje está tão caído. E foi pela Fremont que Elvis Presley eternizou um dos seus clássicos: Viva Las Vegas. Mas ela traz tipos pitorescos e bizarros, como pedintes fantasiados de Rei do Rock, super-heróis, personagens de cinema e até um cidadão trajando um biquíni e rebolando na boquinha da garrafa - não o julgo. Pois são os personagens da Fremont Street que nos fazem lembrar que a América está em crise. E, ao contrário das resolutas atendentes dos cassinos da Strip Vegas, na Fremont elas desfilam em modelitos muito mais inspiradores e diminutos. Fremont é o endereço certo para quem busca diversão sem falir financeiramente.
Compras
Mesmo com o câmbio em alta, comprar nos Estados Unidos é uma tentação real e imediata. Las Vegas apresenta desde o comércio popular (principalmente para presentes e quinquilharias) espalhado pela Strip, até os outlets (como os da rede Premium) com lojas de grife ofertando produtos da estação a preços compensadores. O que também não quer dizer que você vá se privar de pelo menos espiar um pouco do luxo.
Reserve pelo menos umas duas horas para caminhar léguas pelo Caesars Shop, suntuoso shopping que congrega as marcas mais renomadas e caras do mundo da moda. Um deboche que tem suas compensações, como a Antiquities, uma loja que vende suvenires autenticados de celebridades do mundo da música, cinema e TV. É de cair de joelhos, por exemplo, a galeria destinada às guitarras de legendas do rock como Erick Clapton, Neil Young, Johnny Cash e ilustrações e fotos de John Lennon. Um contraste e tanto é você ficar a três centímetros de uma guitarra autografa pelo Muddy Waters, porém a US$ 4,5 mil dólares de distância.
De caso com a máfia
Dentre as tantas atrações excêntricas oferecidas em Las Vegas, a mais recente é o MOB Museum, um museu dedicado ao combate ao crime organizado, que abriu no início deste ano em uma histórica edificação nos fundos da Fremont. Curioso porque ninguém assume, mas também não nega, a relação estreita da cidade com a máfia, responsável pelo primeiro boom da jogatina e diversão ainda na década de 1930. O passeio é divertido, com muita informação, alas específicas e interatividade.
Até o notório tribunal do comitê Kefauner, que perseguiu os mafiosos na década de 1950, foi reproduzido, assim com a cadeira elétrica que executou o capo Lois "Lepke" Buchalter em 1944, e uma minuciosa galeria sobre os grandes líderes mafiosos que dominaram a América e Las Vegas, como o mítico Benjamin "Bugsy", que construiu o hotel e cassino Flamingo.