Assim que todos tiveram acesso ao programa, a frustração. De cidades conhecidas e consagradas, apenas Veneza. Mesmo quem já conhecia a Itália tinha a esperança de ir a lugares que arrastam milhões de turistas e que ilustram o imaginário dos viajantes. Mas a proposta era justamente mostrar ao Brasil que existe uma Itália deslumbrante que a maioria não conhece. Ao final do périplo por autoestradas perfeitas, que mostrou belezas dos alpes do norte aos campos ensolarados do sul, a constatação era uma só: embora belíssima, Veneza havia sido a etapa menos surpreendente da viagem.
Os 10 dias na Itália fugiram dos grandes centros turísticos, mas não de lugares impressionantes, gastronomia farta e de um povo amável e extremamente carinhoso com os brasileiros. A Agência Nacional Italiana de Turismo ( Enit) convidou cinco artistas brasileiros - um músico do Rio radicado em Curitiba, dois fotógrafos e um grafiteiro de São Paulo e um artista plástico de Porto Alegre - para se inspirar em um roteiro de 2,7 mil quilômetros ao longo da costa do Mar Adriático.
Tendo início em Trieste, na fronteira com a Eslovênia, e se encerrando em Matera, ao Sul, na região da Basilicata, os artistas colheram suas impressões para transformálas em trabalhos que serão levados a três capitais brasileiras em uma exposição e, o mais importante, na forma de um convite para conhecer uma Itália bem diferente. Um outro grupo percorreu regiões ao longo do Mediterrâneo para complementar a mostra que será montada no segundo semestre. O projeto faz parte do programa "Itália comes you", que também está sendo oferecido a artistas da Rússia, Índia e China, que, com o Brasil, formam o bloco de países emergentes Bric.
Veja a seguir o que você vai encontrar nesta Itália diferente.
Matera, a cidade esculpida em rochas
Uma das cidades mais impressionantes do sul da Itália, Matera foi sinônimo de pobreza até o século passado. Esculpida em rochas, provavelmente entre os séculos 8 e 13, as cavernas nas pedras, conhecidas como sassi, provavelmente serviram de refúgio para os monges do Império Bizantino. Muitas capelas esculpidas no século 15 foram ocupadas por camponeses. A cidade se desenvolveu e, no século 18, muitas construções já tinham se tornado grandes mansões e conventos. Nas décadas de 1950 e 1960, foram tomadas pela pobreza, e os habitantes de famílias tradicionais foram levados a se mudar para a cidade alta.
Por muitos, foi considerada por anos a vergonha italiana, por não contar com saneamento.
Mas foi justamente na miséria que os moradores de Matera encontraram o passaporte para um futuro de qualidade de vida e de prosperidade econômica.
As cavernas instaladas em um desfiladeiro dividido por um cânion e com um fio de rio no fundo passaram a ser encaradas como uma possibilidade turística ímpar, e a cidade começou a dar a volta por cima e a se colocar em um dos destinos mais impactantes da Itália.
Em 1993, a Unesco tornou os sassi Patrimônio da Humanidade, transformando a vergonha em orgulho. A partir daí, as cavernas, vendidas ao mundo como uma das maravilhas do sul da bota, deixaram de ser ocupadas apenas por pobres e passaram a abrigar bares, restaurantes, hotéis luxuosos e residências de moradores de classes média e alta. Hoje, quem mora na cidade alta sonha em se mudar para os sassi, como uma forma de valorizar sua história.
Os hotéis encravados nas pedras dos sassi são uma atração à parte. Eles estão se multiplicando na cidade baixa, oferecendo aos turistas a possibilidade de viver no mesmo lugar em que monges passaram a vida há seis séculos. Mas com o benefício do conforto e do saneamento dos tempos atuais.
Bolzano a cidade de duas culturas
Você conhece Caxias do Sul e suas raízes italianas, não? Você conhece Santa Cruz e suas raízes alemãs, certo? Pois bem, agora imagine as duas cidades transformadas em uma só, com a soma de línguas, culturas e cores de cabelos e olhos. Agora você tem uma ideia de Bolzano, uma cidade encravada nos Alpes, quase no território da Áustria, e na qual metade da população é de origem italiana, e a outra, alemã.
Seu ouvido periga estranhar. Em um bar, café ou restaurante, você presta atenção em uma mesa e percebe mãe e filha falando em italiano. Na outra, um casal de namorados se beija em um impenetrável alemão. Na terceira, amigos no happy hour fazem uma pergunta em alemão e recebem a resposta em italiano. E a conversa continua, cada um em seu idioma preferido. A cidade vive as duas línguas e as duas culturas sem preconceitos. Como a população é praticamente meio a meio, entre os de origem alemã e os de origem italiana, as autoridades decretaram décadas atrás que a escola deveria regular essa colonização diferenciada.
Desde então, os alunos de Bolzano estudam as duas línguas, falam as duas línguas, vivem as duas línguas. Trabalho, algo raro na Europa de hoje, há de sobra, mas apenas para quem fala as duas línguas. Afinal, há ainda pessoas mais antigas que falam apenas um só idioma, não querem aprender o outro, e é preciso respeitar os mais velhos.
Nas ruas, a arquitetura varia do alemão ao italiano, às vezes mistura os dois. A igreja gótica alemã é o principal cartão de visitas da cidade. As bicicletas, na primavera, disputam espaço com as enormes feiras livres, que vendem praticamente de tudo aos moradores.
Bolzano ainda é a terra de Ötzi, uma múmia masculina bem conservada com cerca de 5,3 mil anos. A múmia foi encontrada por alpinistas nos Alpes italianos em 1991, em uma geleira perto do monte Similaun, na fronteira da Áustria com a Itália. Ela rivaliza com a múmia egípcia " Ginger" o título de mais velha múmia humana conhecida e oferece uma visão sem precedentes da vida e dos hábitos dos homens europeus daquela época. Roupas, sapatos, armas e utensílios que foram encontrados com Ötzi ou ao redor dele na geleira em que provavelmente foi assassinado servem de testemunho da história.