Você sai de um ônibus em algum lugar remoto da Bolívia e, após horas de estrada, ainda não sabe aonde ir. São 10h. " Será que estou no lugar certo?", pergunta-se. " E agora, que eu faço? ¿ A dónde voy?"
Essa é uma realidade cada vez mais popular entre brasileiros, que começam a percorrer as Américas depois de anos " de costas para o continente", como se referem os mais críticos ao nosso pouco conhecimento sobre os países latino-americanos. Seguem o caminho de argentinos, chilenos, uruguaios e outras milhares de pessoas de todo o mundo que veem nessas viagens de largas distâncias, baixos orçamentos e longa duração uma maneira de desconectar-se da rotina e de se sentir livre. A cada pequena descoberta ou a cada novo povoado por onde se passa, vem a constatação de que o mundo, muito maior do que se pensa, é uma fonte de sensações inesgotável e faz com que as horas de viagem sejam esquecidas.
Em um país tão próximo, mas com uma realidade tão desconhecida para nós, por exemplo, encontra-se um dos lugares mais impressionantes da América do Sul: a Ilha do Sol. Coincidência ou não, seu ponto de partida, como a praia carioca, chama-se Copacabana, uma cidade pequena, quase uma vila, a cerca de 130 quilômetros de La Paz, na fronteira entre a Bolívia e o Peru.
Centro de peregrinação católica, Copacabana talvez nem estivesse no mapa não fosse também por outros dois motivos: sua importante localização e seu forte simbolismo cultural. Está às margens do Titicaca, nos Andes, o lago navegável mais alto do mundo. Foi de suas águas que, conta a lenda, nasceu o primeiro inca, Manco Capac, e sua irmã e mulher, Mama Ocllo. São as raízes da cultura indígena mais famosa do mundo, ainda cheia de mistérios, cuja principal atração turística é a cidade sagrada de Machu Picchu, no Peru.
Jornada na Ilha do Sol
É do porto de Copacabana que se toma o barco para a Ilha do Sol, o verdadeiro destino dos viajantes que chegaram até aqui, e, para onde, só é possível ir em embarcações lentas, com forte cheiro a diesel. Uma vez na ilha, contudo, parece que se revivem tempos passados. Desembarcando, a paisagem lembra os desenhos do herói Tintim, de autoria do belga Hergé, nas aventuras pelo Templo do Sol. Pouca coisa mudou nas últimas décadas. Aqui ainda não há nenhum sinal da caótica capital. Um ruído, que seja. Não há sequer a presença de carros. Há agora somente alguns aventureiros, todos jovens, e a população autóctone, que passa com suas roupas artesanais características em seus afazeres diários. Para eles e para os visitantes, está claro, o melhor veículo para passear por aqui são as próprias pernas.
Os turistas não são muitos. Talvez por isso, na praia principal, montam-se barracas de camping livremente, sem nenhum controle ou taxa. A 50 metros, já onde começa a vegetação, há pequenas pousadas, que, também sem quaisquer grandes formalidades, são administradas por moradores. É uma atividade econômica que recém começou a surgir. Os preços não ultrapassam os R$ 10 por cama, e quem opta por ficar em um lugar desses pode se beneficiar, principalmente, de um abrigo em época de chuvas (durante o verão brasileiro), quando, em média, chove cerca de 10 horas diariamente.
Moradores vivem do cultivo de produtos como batata e quinoa
As nuvens fazem parte do cenário. Quase tocam as águas do Lago Titicaca, situado a 3,8 mil metros de altura - uma pintura que faz com que qualquer um, admirado, sinta-se capaz de alcançar o céu. O contraste com os tons de verde das montanhas sugere ao viajante que o lugar poderia ter sido inspiração para o paraíso. Na ilha, no entanto, não existem macieiras ou serpentes. Quem vive lá cultiva produtos como quinoa e batata ou pratica outras atividades locais de subsistência, entre elas a pesca de truta. É comum, a qualquer momento, ver mulheres carregando o pasto que recolhem no campo em uma espécie de mochila feita com mantas. Os produtos desse trabalho deverão ser alimentos ou moeda de troca em outros pontos da ilha ou parte do cardápio dos minúsculos bares abertos à noite, resumidos a uma janela pouco iluminada e uma cozinha improvisada.