Há um protesto em Ajaccio, e as coisas podem ficar feias. Não por causa dos manifestantes que contestam salários e pensões congelados ou de estudantes exigindo o fim das mensalidades. Não, aqui na capital da Córsega, o furor é sobre um estacionamento - e não é a manifestação que poderia ficar feia, mas o centro da cidade em si.
Na praça central César Campinchi, um estacionamento com capacidade para 678 carros distribuídos em vários andares significaria a derrubada de uma fileira de árvores. É o tipo de coisa que ocorre em cidades de todo o mundo, mas aqui manifestantes penduram placas nos troncos das árvores em que se lê "Cundanatu a Morti" ("condenada à morte", em português).
Um porta-voz do grupo disse à imprensa local que, ecologicamente, isso seria desastroso, e descreve cortar as árvores como "matança". São protestos como esse que explicam por que eu vim caminhar na Córsega. Aqui eles não apenas amam a natureza - eles amam a natureza e fazem tudo o que podem para protegê-la.
Projetos ecológicos não faltam, de novos planos para uma reserva marinha na costa a fim de impedir a sobrepesca e proteger espécies importantes - que, por incrível que pareça, foi totalmente apoiada e até solicitada pelos pescadores locais - a um programa que levou à reintrodução dos veados vermelhos (caçados à extinção em 1969).
A paixão deles não surpreende. A Córsega é uma ilha bonita. Tem praias maravilhosas, belas aldeias, piscinas naturais e florestas montanhosas com córregos sinuosos. A forma mais conhecida de explorar seu interior são os desafiadores 180 quilômetros da GR-20 - uma das mais famosas trilhas de da Europa.
Ela se estende do norte da Calenzana ao sul de Conca e é considerada um das caminhadas de longa distância mais difíceis no continente (há escaladas expostas e, em alguns pontos, escadas e cabos de aço para ajudar os caminhantes). A coisa toda leva pelo menos duas semanas e envolve ficar em refúgios ou acampar ao longo do caminho.
Mas a costa da Córsega também tem muito a oferecer a quem escolhe caminhar. Ajaccio em si é ladeada por colinas verdejantes cobertas por um tapete aromático de vegetação e ervas. Depois delas, há uma série longa e estreita de morros rochosos que se estende dramaticamente pelo céu, e, abaixo, há praias de areia dourada.
Eu estava procurando férias mais relaxantes do que encarar a GR-20, então me instalei em torno de Ajaccio para descobrir mais desses preciosos espaços verdes em caminhadas mais curtas e fáceis.
Enquanto circulava por ruas do subúrbio da cidade rumo ao início da trilha escolhida, a Chemin des Cretes (Caminho dos Cumes), passei estátua após estátua do filho mais famoso de Ajaccio, Napoleão Bonaparte. Dada a adoração heroica desse líder, o espírito de luta destes ecoativistas começa a fazer sentido.
Subindo e subindo
O percurso começa em frente ao Bois des Anglais, um pedaço da floresta remanescente do curto período em que a ilha foi colônia britânica, mais de 200 anos atrás. Uma caminhada de menos de 10 quilômetros é uma perspectiva bem mais fácil do que a trilha famosa, mas, enquanto ela corta ao longo dos picos acima da costa, oferece vistas deslumbrantes para um esforço tão pequeno, e você pode terminar o percurso tomando uma bebida em um bar à beira-mar de uma aldeia de Vignola.
Ao longo do caminho de areia, havia lagartos se movendo rapidamente em volta dos meus pés e aves empoleiradas nas bordas espinhosas dos cactos. A placa no início da trilha prometeu que setas azuis alinhariam a caminhada, mas elas pareciam estar desgastadas ou ter sido cobertas pelo matagal.
O caminho se estreitou e se dividiu pelas plantas espinhosas, mas segui adiante. Um cruzamento ofereceu uma escolha de direção, mas certamente com vistas igualmente altas. Apesar do sol intenso, optei por continuar subindo.
Felizmente, a intuição se mostrou uma ferramenta precisa de navegação e cheguei a uma trilha maior da floresta e ao caminho adequado. Aqui, as paisagens começaram a se abrir, de volta a Ajaccio e se estendendo pelo mar.
A terra é esculpida em um elaborado quebra-cabeça de praias e baías em um delicado misto de azul e dourado. E, enquanto eu me movia pelos arbustos, uma névoa de eucaliptos adicionava tons de azul no ar à minha frente.
Água e luz
Meu ritmo era lento - um ciclista passou zunindo por mim, os raios de suas rodas retinindo ricocheteavam como pequenas pedras. Em seguida, dois corredores glamourosos apareceram trotando, falando no seu idioma córsico, obviamente em treinamento.
Cada mês de abril (o evento deste ano ocorreu no dia 29), moradores locais e concorrentes de muito longe correm a Napoleon Trail nessa rota. Ela é uma grande pista de corrida, mas acho que aquele que a percorre em um passo mais vagaroso é o verdadeiro vencedor.
Você tem tempo para explorar esquisitices ao longo do percurso, como as bizarras formações rochosas, algumas com dedos ossudos alcançando o céu, outras com rostos pétreos com o olhar fixado no mar. Quem poderia culpá-las?
Com a extensão completa do Golfo de Ajaccio revelada e as Sanguinaires se arrastando para fora do horizonte, meu olhar também se fixou nesse pequeno arquipélago rochoso, que se rompe do continente em Pointe de la Parata.
Elas eram chamadas de Ilhas de Sangue por causa da cor avermelhada que refletem no mar. Você pode ter uma boa ideia da brisa da ilha. Pegue o ônibus número 5 de Ajaccio para o início do caminho marcado (no estacionamento) e são 40 minutos de viagem até o final da península de Pointe de la Parata.
Volte no início da noite para evitar os ônibus turísticos e para assistir ao jogo de luzes do sol poente.
Deixar-se ficar
No dia seguinte, optei por um passeio ainda mais relaxante: seguir o calçadão oeste para fora de Ajaccio até ele se transformar na Route des Sanguinaires. Foi uma caminhada costeira no seu melhor - sem navegação complicada, sem montanhas para escalar, apenas uma rota agradável junto à praia com paradas suficientes para nadar e comer.
Encontrei-me prolongando a parada na praia de St-François, apenas 10 minutos após o início do passeio, para mergulhar meus pés na água. Enquanto eu sentava olhando para o mar, considerei talvez dirigir na manhã seguinte os 20 quilômetros para a aldeia montanhosa de Vero, ou um pouco mais alto até Bastelica (cerca de 30 quilômetros) para uma paisagem montanhosa de verdade em uma rota circular de quatro - ou cinco - horas a partir da estação de ski de Ese.
Eu poderia até mesmo encarar o cume de 2.352 metros do Monte Renoso. Ou talvez, pensei enquanto as ondas banhavam meus pés, permaneceria aqui nas praias de Ajaccio um pouco mais.
Tradução: Gabrielle Toson