Relaxar diante de um cachorro, independentemente de raça, tamanho, cor ou humor nunca foi o meu forte. A incapacidade de fazer um afago, até em dóceis cãezinhos, já me fizeram passar por um ser muito insensível. Mas é medo mesmo. Assim esclareço para que possam entender o sufoco que vivenciei em janeiro deste ano, em uma viagem à Colômbia, país que merece ser visitado.
Com minha filha, retornava de Cartagena indo para a Ilha de San Andrés, numa correria geral para não perder o voo que sairia de Bogotá. Avião na pista, já no meio da escada, no fim da fila, ouvi uma voz chamando meu nome. Olhei para trás e vi uma funcionária da empresa aérea puxando minha mala. Apresentei-me, e ela pediu que a acompanhasse.
No saguão de embarque, entre dezenas de passageiros circulando em direção aos seus voos, havia uma mesa, ao lado dela quatro policiais mais um saltitante cachorro. Com calma (quem não deve, não teme), perguntei o óbvio, se queriam revistar a bagagem. Educadamente disseram que sim e, surpreendentemente, acertei de primeira a chave no cadeado. E o cachorro rodeando a mala...
A situação começou a parecer um filme... Logo a minha mala? As roupas foram para cima da mesa, e o cachorro pulou sobre elas, agitadíssimo. E o povo passando, curioso. Pensei que se o cachorro pulasse sobre mim, desmaiaria, e até explicar que seria de medo de bicho e não de polícia, adeus liberdade... Perguntaram de onde vinha, hotéis em que me hospedara, se havia emprestado a mala para alguém, se eu tinha filhos homens (hein?).
Caprichando no portunhol, expliquei que era uma professora aposentada passeando com a filha, que não entendia o que estava se passando. A resposta da policial, sorrindo: "a senhora tem que dizer isso para o cachorro, não para nós". Acredito que, pela experiência e preparo, eles estivessem duvidando mais do cachorro do que de mim, tanto foi que pediram reforços, e outro cachorro apareceu ao meu lado.
A mala foi novamente farejada e manuseada. As roupas brancas receberam atenção especial. Até mesmo o aparelho de medir pressão arterial, velho companheiro de viagens, entrou na lista suspeita! A essas alturas comecei a pensar na possibilidade de ter sido feita de "mula", de terem colocado alguma coisa no bolso externo da mala. E quando acharam minha sombrinha pequena, esquecida nesse bolso desde a última viagem, quase morri de susto.
Bem, remexe daqui, fareja dali, pernas bambas, policiais constrangidos, cachorros agitados, chegamos até as possíveis provas da contravenção: ou um saco de castanhas do Pará, ou, aí sim, duas inocentes caixas de chá de coca em saquinhos, comprada em uma sortida loja de lembrancinhas em Bogotá, no início da viagem. Separadas as caixas, os cachorros foram distraídos por uma bolinha de tênis, esquecendo meus pertences. Não sei quanto tempo isso durou, mas pareceu uma eternidade.
Arrumaram as roupas na mala, devolveram as caixas e me dispensaram, sem um pedido de desculpas pelo transtorno. Tudo bem, estavam no papel deles, demonstrando o empenho da Colômbia em busca de uma nova imagem. Com o coração aos pulos, entrei no avião encarando dezenas de pares de olhos curiosos, sentando na poltrona sem saber se ria ou se chorava.
Já em San Andrés, comprei uma mala nova e as caixinhas de chá, presente para o genro gourmet, foram para o lixo. A estadia na ilha compensou o susto. E agora, de cabeça fria, fico pensando...será que foi impressão minha ou aqueles cachorros trocaram um olhar conspiratório quando param de farejar as minhas coisas?
* Professora aposentada, Porto Alegre