Um aumento de 33,4% no número de acidentes com água-viva no Litoral Norte em comparação com o mesmo período do ano passado acende um sinal de alerta para banhistas e guarda-vidas neste verão. Até o dia 17 de janeiro, foram 16.839 queimaduras contabilizadas pelo Corpo de Bombeiros do Estado. O controle começou junto com a Operação Verão Total RS, em 17 de dezembro de 2022. Neste mês, a média foi de 543 acidentes por dia. No mesmo período entre 2021 e 2022, um número mais baixo, de 12.623 lesões, havia sido registrado.
No último sábado (21), foram realizados 70 atendimentos apenas em Tramandaí, de acordo com o tenente Mateus Bordignon Schoenell, que atua na guarita 146 e comanda o pelotão de guarda-vidas do município. Segundo ele, os finais de semana registram mais casos, em razão do maior número de veranistas nas praias. Guarda-vidas desde 2005, o profissional avalia que os piores episódios ocorrem com as crianças.
— Eles choram muito, é uma dor muito forte para a criança. O adulto consegue suportar um pouco mais. Fora que a criança se assusta, tem a questão emocional, ela não sabe exatamente o que é aquilo, o que fazer para passar. Nesses casos com crianças, sempre indico que os responsáveis os levem ao posto de saúde após o nosso atendimento aqui na praia, em razão da dor e do susto. A gente vê que, quando isso acontece com os menores, o dia de praia acaba, é bem marcante para eles — relata.
Conforme o tenente, a maioria dos casos que atende ocorre com crianças e adolescentes, público que costuma ficar mais tempo dentro do mar, diz.
— Também vi muitos colegas sofrerem queimaduras durante os treinamentos, porque avançamos bastante mar a dentro. Eu mesmo, em alguns anos, só entrava com a roupa de neoprene, para não arriscar, porque sabíamos que a incidência estava maior — Schoenell.
Os guarda-vidas sinalizam os locais com maior número de casos recentes com bandeiras roxas, que são instaladas e retiradas da praia conforme a avaliação dos profissionais.
Morador de Porto Alegre, Jeferson Ernest passou cerca de 15 dias, desde a virada do ano, na praia de Capão Novo. Nos últimos dias de veraneio, na semana passada, conta que viu uma verdadeira infestação de águas-vivas no local. Os animais apareceram principalmente na beira da praia, causando ferimentos em muitas crianças, segundo o relato.
— Tinham várias pequeninhas, uma do lado da outra, principalmente na beirinha, daquelas bem transparentes. Por incrível que pareça, quem estava mais para dentro do mar não pegou tanto. A maioria que se feriu foi criança pequena, que fica mais na água rasa. Tirou muita gente do mar. Os guarda-vidas colocaram a bandeira roxa e ficavam ali ajudando, usaram muito vinagre neste dia — relata Ernest.
Soluções: vinagre e água do mar
De acordo com o chefe de operações do Corpo de Bombeiros, o tenente-coronel Isandré Antunes, que está a frente da Operação Verão Total RS, ao sentir qualquer tipo de ardência ou de queimadura no corpo, o banhista deve sair da água imediatamente e procurar guarda-vidas para atendimento.
O primeiro passo é retirar o tentáculo do animal que fica sobre a pele, por onde ele deposita a toxina que é prejudicial à saúde. O guarda-vidas irá lavar o local com água do mar (deve-se evitar água doce, que pode piorar a situação) e aplicar uma solução de vinagre e água, que ajuda a fazer com que o animal se solte da pele e também a neutralizar a toxina na região.
O contato com a água-vida pode causar dores, febre e até náuseas. Para muitas pessoas, esses desconfortos vão aliviando nas horas seguintes até desaparecer. No entanto, caso persistam, um médico deve ser consultado.
Em caso de queimadura, não coloque água doce ou da torneira no local, o que pode agravar a liberação de toxinas na pele. O uso de cremes e pomadas sem orientação médica também não é recomendado.
Animal é carnívoro e ruim de nado
Animal marinho e invertebrado, a água-viva é carnívora, se alimentando de pequenos peixes e organismos que vivem nas águas. Esses animais não têm intenção de atacar nem causar queimaduras em banhistas, segundo Carla Ozório, bióloga e professora do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— Ela utiliza o tentáculo para se defender de uma possível ameaça ou para se alimentar, para capturar uma presa. Elas são, na verdade, carregadas pelas correntes, porque a capacidade de natação de uma água-viva é muito limitada. Ela não consegue perceber e perseguir uma presa, por exemplo. O encontro dela com o ser humano é mais casual mesmo, não intencional. Se pudesse, até evitaria — explica a bióloga.
A biológa afirma que após soltar a toxina e grudar na pele, o animal permanece vivo. Se ficar na água, ele consegue reconstituir a toxina. Mesmo os que são levados até as areias podem causar ferimento, já que permanecem vivos mesmo fora do mar por algum tempo:
— Até ele de fato morrer, ainda pode queimar. O recomendado é não manusear, não encostar, cuidar para não pisar em cima durante uma caminhada na praia.
Carla afirma que, em geral, o animal está associado a águas tropicais, que no verão descem em direção ao litoral do Estado. Justamente o mesmo período em que mais pessoas utilizam as praias gaúchas:
— Aí, se combina essa chegada delas, no verão, com a época em que mais gente usa a nossa costa. Então, não necessariamente há mais água-viva no mar, mas mais banhistas, o que aumenta o número de casos (de queimaduras).
As espécies mais avistadas no litoral norte gaúcho são as medusas (mais transparentes) e as caravelas (que podem ter tom mais azulado).