Quem frequenta as praias gaúchas já está acostumado: ao pisar na areia, o som que chega aos ouvidos não é somente o das ondas do mar ou o das crianças correndo na orla. Sucesso há alguns anos, as caixinhas de som também marcam presença no Litoral Norte, reproduzindo composições de artistas nacionais e internacionais. Em Arroio do Sal, GZH encontrou uma convivência harmoniosa entre os fãs e os nem tão fãs dos equipamentos – mas há quem prefira se afastar quando a música é muito alta.
Por volta do meio-dia desta segunda-feira (10), quem circulava por perto da guarita 38, em Arroio do Sal, podia se confundir ao ouvir duas músicas diferentes: de um lado, uma caixinha reproduzia a sertaneja Meu Ex Amor, na voz de Humberto & Ronaldo; de outro, um equipamento diferente tocava Baby Me Atende, cantada por Matheus Fernandes e Dilsinho, que mistura pagode e pisadinha.
Nos dois casos, as músicas eram reproduzidas em volume moderado, de forma que quem estivesse em outros guarda-sóis conseguia ouvir o seu próprio ritmo preferido, se quisesse. Dono da caixinha que reproduzia Meu Ex Amor, o estudante Fausto Costi, 25 anos, conta que levar o equipamento para a praia é tradição – ele e a família, que são de Farroupilha, costumam passar as férias em Arroio do Sal. No entanto, diz ter cuidado para não incomodar outros veranistas:
— A gente tem o costume de vir com a caixinha para agitar o ambiente. A gente fica meio de olho para ver se alguém está se incomodando, mas ninguém faz cara feia. Até agora nunca recebemos reclamação. Mas cuidamos sempre para não ficar atrapalhando o som de outras pessoas — conta o jovem, que estava acompanhado da mãe Lourdes, 57, e da tia Doralice, 65.
Perto dali, Roger Carvalho, 25 anos, reproduzia Baby Me Atende – a caixa de som um pouco maior podia ser visualizada mais de longe. O assistente de patrimônio também costuma usar o aparelho para não ficar somente na companhia do barulho das ondas e do vento. Pagode, sertanejo, bandinha e música gaúcha estão entre os ritmos preferidos do jovem e da namorada Sandrine Conrad, 22.
— A gente é bem eclético. Gostamos de ter uma musiquinha de fundo, por isso quase sempre trazemos a caixa. Evitamos deixar o volume no máximo, mas geralmente o pessoal entra no clima, começa a dançar junto. Nunca recebemos reclamações — conta Roger, morador de Vera Cruz, que também estava acompanhado de outros familiares.
Parte dos banhistas, de fato, opta por não levar o próprio equipamento, mas gosta de aproveitar o dos vizinhos de guarda-sol. Caso da auxiliar de produção Giese Carvalho, 27 anos, moradora de Caxias do Sul:
— Gosto bastante de música, gosto de escutar. Se chegar e estiver tocando música na praia, não me incomodo nem um pouco. Eu curto junto.
Em Arroio do Sal, GZH não encontrou grandes equipamentos de som ou músicas sendo reproduzidas com volume altíssimo. Pelo contrário: ao circular pela praia, era possível ouvir diferentes ritmos à medida que se avançava em meio aos guarda-sóis, sem ouvir um único estilo dominante.
Mas o som alto desperta opiniões contrárias aos equipamentos, principalmente por parte de quem vai à orla em busca de tranquilidade. Mãe da Isabela, sete anos, e do Davi, 10 meses, a professora Giovana Lucini Berger, 39, se incomoda quando o barulho é excessivo.
— O som muito alto incomoda. É muito barulho e, muitas vezes, música ruim. Normalmente, se tenho a opção, me afasto. Até por causa dos filhos, porque às vezes eles querem tirar um cochilo e atrapalha. Mas só quando é muito alto — diz a moradora da Capital.
A professora aposentada Nilva Fritsch, 70, também prefere se afastar quando o barulho é demais. Ela diz que, nesta temporada, não viu – nem ouviu – excessos, mas afirma se incomodar com o som alto:
— Tem que aprender a respeitar. É a mesma coisa que um vizinho colocar a música a todo o volume. Se a pessoa estiver ouvindo baixinho, sem problema. Mas se vem colocar a todo o volume no meu ouvido e eu não conseguir nem falar, aí é um problema.
Som excessivo proibido em Capão da Canoa
Em Arroio do Sal, não há proibição na legislação municipal aos equipamentos sonoros na beira da praia, conforme a prefeitura. A emissão de sons e de ruídos decorrentes de atividades industriais, comerciais e de prestação de serviços, inclusive propagandas, deve obedecer a níveis máximos de som e ruído, principalmente no período noturno – no entanto, não há nenhuma menção à orla na lei municipal.
O mesmo ocorre em Tramandaí, onde a lei que trata de poluição sonora não menciona especificamente a faixa de areia – embora a prefeitura e a Brigada Militar possam ser acionadas em casos de veículos com som em alto volume na beira da praia.
Já em Capão da Canoa, um decreto publicado em 29 de dezembro de 2021 estabelece a proibição “da utilização de equipamentos sonoros na faixa de areia, praças e vias públicas que perturbem o sossego e o bem estar público com ruídos, vibrações, sons excessivos ou incômodos de qualquer forma em todo o território municipal”. Placas colocadas nas proximidades da orla alertam a proibição – uma delas fica no Largo do Baronda, na área central do município, perto da guarita 76.
Quando GZH esteve no local, nesta segunda-feira, era possível perceber vários grupos de pessoas com pequenas caixas de som com volume moderado. No entanto, o que mais chamava a atenção era um vendedor de pen drives que circulava com um carrinho e som alto, atrapalhando os outros ritmos musicais.
O secretário de Turismo e Desenvolvimento Econômico de Capão da Canoa, Marcelo Ramos, explica que o decreto não foi criado para proibir as pequenas caixas de som, mas para impedir os aparelhos profissionais que, em outras temporadas, dominavam uma longa extensão da praia, dificultando que pequenos grupos pudessem ouvir seu estilo de música preferido.
— Alguns exageravam na dose e iam com aparelhagem de som profissional, coisa de evento para mil pessoas. Chegavam a descer para a praia com carrinho de mão. Aí, virava uma festa, juntava vários guarda-sóis. Nós não queremos tirar o direito de as pessoas escutarem música, mas esse direito não pode agredir o direito do vizinho. Não dá para transformar a beira-mar em uma festa — defende.
A fiscalização é feita por fiscais da prefeitura e também pela Brigada Militar. Desde que o decreto entrou em vigor, a BM já fez 15 apreensões de caixas de som de grande porte. O comandante do 2º Batalhão de Policiamento em Áreas Turísticas (2º BPAT), tenente-coronel Aurélio da Rosa, diz que já é possível perceber uma orla mais tranquila.
— O problema não é a música, nem a caixa de som, mas sim que estavam programando “minifestas” na beira da praia em frente a alguns quiosques. E isso se transformava em uma grande perturbação do sossego público, tanto para quem mora na orla quanto para quem estava na beira da praia. Hoje as pessoas estão aproveitando a praia com muito mais sossego.