Biólogos e a comunidade de Arroio do Sal estão ansiosos pelo nascimento de filhotes de uma tartaruga-de-couro no município. Desde janeiro, quando o animal de grande porte surpreendeu os especialistas e desovou nas areias gaúchas, os olhos estão voltados ao ninho localizado próximo à guarita 40 do litoral do Rio Grande do Sul.
Entretanto, a espera pelos filhotes deve demorar mais do que o normal para a espécie - só ocorrendo entre o final de março e o início de abril. O motivo é a característica da areia gaúcha.
A temperatura da areia no Estado é sempre mais baixa do que a de locais onde essa espécie de tartaruga-de-couro desova, geralmente nos litorais do Espírito Santo e Bahia. Essa variável deve provocar uma demora maior na maturação e eclosão dos ovos.
A expectativa é que até início de abril comece a ocorrer a eclosão dos ovos. Estima-se que a tartaruga-de-couro que passou pelo Rio Grande do Sul tenha depositado entre 80 e 100 ovos em Arroio do Sal, e depois fez novas desovas em Balneário Gaivota, Santa Catarina.
De acordo com o biólogo do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar/UFRGS), Maurício Tavares, a condição de temperatura da areia interfere também no sexo dos animais. Em ninhos com clima mais quente, o número de fêmeas cresce. Já em caso de temperatura mais baixa dentro do abrigo, a incidência de machos é maior.
— A temperatura do ninho mexe diretamente com o desenvolvimento e a eclosão dos ovos. É uma espécie se desenvolve mais rapidamente com uma areia mais quente. Então, é possível que tenhamos que esperar mais do que o habitual devido a essa variável — comentou Tavares.
A temperatura média da areia no Rio Grande do Sul é de aproximadamente 26°C, mas dentro do ninho, o clima é mais quente. Segundo biólogos, quando está acima dos 29°C no momento da formação do sexo da tartaruga, a possibilidade de que fêmeas nasçam é maior. Com temperaturas inferiores, a possibilidade é de que mais machos se desenvolvam.
Três ovos foram retirados do ninho e estão sendo estudados pelo Ceclimar em laboratório. Eles foram colocados em condições climáticas semelhantes às da praia,para que os pesquisadores consigam projetar a data de eclosão.
A última vez em que uma espécie de tartaruga-de-couro desovou no Rio Grande do Sul foi em 1995, na praia de Paraíso, no município de Torres. Conforme o especialista do Ceclimar, pela característica da espécie, há uma possibilidade de que a tartaruga que desovou no Rio Grande do Sul em 2021 tenha também nascido no Estado na metade dos anos de 1990. Essa condição dos animais retornarem ao local onde nasceram para desovarem ou se reproduzirem é conhecida como filopatria, comportamento comum a várias espécies de tartarugas. A desova de um animal geralmente ocorre até 50 quilômetros do local que ela nasceu.
Guarda-vidas auxiliam Ceclimar a colher temperatura do ninho
Além da inusitada escolha pelo litoral gaúcho para desovar, um detalhe deve permitir que os especialistas tenham ainda mais zelo pelas tartarugas gaúchas prestes a nascerem: o ninho foi feito a cerca de 20 metros da guarita 40 dos guarda-vidas em Arroio do Sal. Com isso, além salvarem a vida dos banhistas na beira da praia, os servidores também estão colaborando com o Ceclimar.
Um termômetro cedido pelo centro foi entregue aos guarda-vidas que trabalham na guarita. Os bombeiros foram orientados sobre o processo e, diariamente, medem a temperatura da areia nas proximidades do ninho. Os dados colhidos são encaminhados ao Ceclimar, que analisa e projeta da maturação e eclosão dos ovos. O guarda-vidas Antônio Paulo Martins Cardoso, de 25 anos, atua no local e, três vezes ao dia, faz a medição da temperatura do ninho e repassa as informações ao centro.
— Tivemos o privilégio da aparição dessa tartaruga. Só vimos em vídeo, mas estamos ansiosos, esperando o nascimento das tartaruguinhas. Tomara que todos os ovos nasçam intactos. Em outros locais, tem predadores. Mas aqui tem bastante proteção. E nós estamos colaborando — diz Cardoso, referindo-se ao isolamento feito com telas no entorno do ninho para evitar que lagartos e outros animais invadam o local e comam os ovos.
Para o Ceclimar, o apoio dos guarda-vidas no monitoramento diário auxilia na análise de dados. O biológo Maurício Tavares destacou que o órgão talvez não tivesse a possibilidade de medir diariamente a temperatura do ninho, e que as três análises feitas diariamente pelos bombeiros facilita o trabalho dos biólogos.
Prefeitura aumenta cercamento e destaca colaboração de veranistas no Carnaval
A animação dos moradores de Arroio do Sal com a visita ilustre da tartaruga-de-couro também contagia a administração do município. Dependendo da quantidade de fêmeas que nascerem no local, o ponto pode se tornar uma nova rota das tartarugas.
Grades foram colocadas ao redor do ninho, para evitar predadores e também pessoas curiosas. Uma porta com cadeado foi instalada para que somente pessoas autorizadas consigam acessar o ninho. O secretário de Meio Ambiente de Arroio do Sal, Luiz Carlos Schmidt, torce para que a quantidade de tartarugas fêmeas seja bem maior que a de machos, o que pode fazer a cidade virar um local de visitação da espécie.
— A gente torce que mais fêmeas nasçam. Como estamos no verão, torcemos para que a areia fique mais quente, isso ocorra e, em 20 anos, tenhamos cada vez mais tartarugas aqui na nossa região — comentou Schmidt.
O município também alertou a população e veranistas em Arroio do Sal sobre a possibilidade de uma nova visitação da tartaruga-de-couro que desovou no local. Conforme Schmidt, a comunidade entendeu o recado e não causou transtornos durante o carnaval.
— No Carnaval, algumas pessoas fotografaram as placas. Mas não houve vandalismo ou depredação. Estamos muito felizes com isso. São animais excepcionais, e estamos diante da situação muito diferente. No futuro, a comunidade pode colher os resultados — ponderou.