A praia de Arroio do Sal, no Litoral Norte, registrou um evento inédito nesta terça-feira (12): a desova de uma tartaruga marinha ocorrida durante a madrugada, em dunas que ficam na faixa de areia da área central da cidade. Trata-se de uma espécie identificada como tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea), que, segundo informações do projeto Tamar, pesa, em média, 400 kg e pode medir até 1,78 m de comprimento. O local da desova está provisoriamente isolado e deverá ser preservado ao longo do desenvolvimento dos filhotes, que podem nascer dentro de três meses.
A desova foi confirmada pelo Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar), que monitora a costa gaúcha, na tarde de terça-feira, mas ocorreu entre a noite de segunda-feira (11) e a madrugada de terça. De acordo com Maurício Tavares, biólogo do Ceclimar, esta é a espécie das maiores tartarugas do mundo que, no Brasil, têm como principal rota de desova o Litoral do Espírito Santo. Ele afirma que esta foi a segunda identificada em praias gaúchas. A primeira foi em 1995, na Praia Paraíso, em Torres.
— A desova de tartarugas não é comum no Sul do país mas, no caso desta espécie, esta não é a primeira vez que acontece fora de rota. Já foram registradas no Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina, sendo que no Paraná elas continuam voltando ao longo das temporadas. Pode ser que outras tenham ocorrido por aqui sem registros, porque é algo muito difícil de detectar — afirma o biólogo.
Ele conta que, no caso de Arroio do Sal, a desova pôde ser constatada a partir de informações de uma oceanóloga com experiência no Projeto Tamar que caminhava na praia, pela manhã, e identificou as marcas deixadas pela tartaruga. Ainda assim, a equipe teve dificuldades para localizar os ninhos deixados, contando, posteriormente, com as indicações de um professor de biologia e ativista ambiental que presenciou e documentou o início das escavações feitas pela tartaruga durante a noite, em dunas que ficam a cerca de 150 metros do mar.
— Escavamos para fim de comprovação e coleta de três ovos que serão monitorados em laboratório para termos uma ideia de quando deverá ocorrer a eclosão dos demais — relata Tavares.
De acordo com ele, por terem mexido o mínimo possível nos ninhos, não é possível saber exatamente quantos ovos foram deixados, porém, pelos estudos acerca da espécie, estima-se que, a cada desova, sejam deixados cerca de 100 ovos e que, destes, aproximadamente 80 estejam fecundados, sendo que o desenvolvimento das tartarugas filhotes ainda depende das condições climáticas e da segurança a ser mantida no local.
Ele afirma, ainda, que há possibilidade de que a tartaruga retorne para mais desovas, podendo deixar até 300 ovos na costa gaúcha. Com auxílio de guarda-vidas e da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Arroio do Sal, o Ceclimar intensificou o monitoramento em relação à desova e pede a colaboração da comunidade para informar sobre qualquer marca de rastro identificada nas faixas de areia (que costumam ser lisas no meio, com aparência de marcas de pneus nas laterais). Informações podem ser repassadas pelo telefone: (51) 99625-3179.
Isolamento para proteção
Equipes da prefeitura sinalizaram temporariamente o local onde os ninhos foram detectados. De acordo com o secretário municipal de Meio Ambiente, Luiz Carlos Schmitt, um isolamento permanente adequado está sendo providenciado e todas as medidas necessárias serão tomadas para preservação do local.
— Uma das nossas maiores preocupações agora é a preservação já que as pessoas ou mesmo alguns animais podem acabar mexendo. Pedimos para que os moradores e veranistas evitem se aproximar — destaca o secretário.
Primeiros momentos foram vistos por professor de Bento Gonçalves
Por volta de 23h de segunda-feira (11), o professor de Biologia e ativista ambiental Willian Lando Czeikoski, de Bento Gonçalves, caminhava pela beira-mar de Arroio do Sal com um primo e a namorada dele, quando escutou um barulho. Ao procurar a origem daquele som, deparou-se com uma tartaruga-de-couro, que media 1,30 a 1,50 metro, e dava início ao seu processo de desova.
— Ela estava cavando o primeiro buraco que, segundo especialistas, é feito pra despistar predadores. Ficamos acompanhando e registrei a movimentação, quando ela começou a cavar o terceiro, saímos para que ela concluísse com tranquilidade — afirma o professor, que tinha conhecimento do quanto a interferência humana ou qualquer outro tipo de estresse poderia ser prejudicial à tartaruga.
Czeikoski é professor no Colégio Mutirão e preside a Associação Ativista Ecológica em Bento Gonçalves. Nas férias, tradicionalmente veraneia com a família em Arroio do Sal e, neste ano, em função da pandemia, tem optado por horários de menos movimento para circular, o que ocasionou o encontro com a espécie marinha.
— Ter a chance de presenciar uma desova é uma loteria. Digo que foi sorte minha, emoção minha, mas da tartaruga também, porque se estressado, o animal pode não desovar —complementa.
Foi ele quem acionou os órgãos ambientais responsáveis e também fez questão de participar do mapeamento, no dia seguinte, colaborando com a indicação dos locais onde o animal teria enterrado os ovos. O professor, que vai ficar até final do mês na cidade litorânea, período no qual pretende seguir acompanhando e auxiliando no que for necessário.