É só caminhar nas primeiras horas da manhã e no final de tarde pelas areias das praias gaúchas para encontrar surfistas se preparando para entrar na água. GaúchaZH percorreu a orla para descobrir os principais picos de surfe do Rio Grande do Sul.
Próximo às plataformas de pesca de Atlântida, em Xangri-Lá, e de Tramandaí e nas praias da Cal, Molhes e Guarita, em Torres, são alguns dos locais mais citados pelos surfistas ouvidos pela reportagem. É só se aproximar desses picos e já possível visualizar dezenas de pessoas remando com suas pranchas, lado a lado, para tentar dropar a onda e encaixar manobras, como a rasgada, o cutback (cortar em português), a batida e o tubo, por exemplo.
Os surfistas destacam que há boas ondas também ao longo das praias de Cidreira, Capão da Canoa e Imbé. Também é possível perceber que o esporte está longe de ser solitário — apesar de individual, é comum encontrar os surfistas em grupo dentro da água. Alguns preferem ficar remando, outros ficam sentados na prancha. Dependendo do mar, dá tempo até de um bate-papo, enquanto a onda não chega. Uma manobra bem executada ou até mesmo a tentativa de algo mais difícil costuma gerar comemorações de quem está próximo.
Plataforma de Atlântida
A praia de Atlântida, em Xangri-Lá, está entre as preferidas dos surfistas. Basta chegar próximo à plataforma de pesca para encontrar famílias com pelo menos um dos membros no mar pegando onda — isso ocorre principalmente aos finais de semana.
Diferentemente dos picos de Tramandaí e Torres, onde a reportagem de GaúchaZH encontrou grande número de surfistas em dias de semana, em Atlântida, se percebe que o esporte é mais praticado no final de semana. No sábado (8), por exemplo, eram mais de 10 surfando — isso que o mar não estava tão bom para a prática. Mas, claro, durante a semana também se pega onda, e muito: na terça-feira (11), por exemplo, o relógio marcava 6h e já tinha gente dando o banho.
O sonho de ser surfista profissional
Encontramos o adolescente João Victor Scharnovski, 12 anos, nos últimos preparativos para entrar no mar. O jovem de cabelo loiro e pele clara, mas bronzeada, com pomada no nariz para barrar os efeitos do sol e corpo definido, colocava um boné para partir com os amigos em busca de ondas. A parceria era, em sua maioria, formada por adultos. Pretendia ficar no mar por pelo menos duas horas. Fanático pelo esporte, ele fez questão de revelar um dos seus sonhos logo no início da conversa com GaúchaZH.
— O meu sonho é ser surfista profissional — disse o tímido mas destemido garoto, que encarava as ondas de Atlântida com uma facilidade que impressionava para um menino de 12 anos.
Os pais estavam próximos, monitorando-o, debaixo de um guarda-sol, rodeados de amigos. O menino, que surfa desde os cinco anos, disse que prefere pegar onda perto da plataforma, porque foi nesse local onde deu os primeiros passos no esporte.
O pai, Álvaro Ritter Scharnovski, 55 anos, dá o maior apoio ao filho. Se empolga ao falar do rebento: também surfista, o médico ortopedista vai onde as boas ondas estão. Recentemente, esteve com o filho na Califórnia, surfando. Conta que, na semana anterior, pegou João Victor para surfar em Laguna e na Praia do Rosa, em Imbituba, Santa Catarina. Como a esposa também surfa (de bodyboard), recorda que o filho nasceu em um ambiente propício para iniciar no esporte.
— Eu tenho fotos dele engatinhando em cima da prancha. Aí eu colocava ele na beirinha e, quando a onda vinha, ele tentava se equilibrar nela — lembra o pai, com saudade.
Apesar de apoiar, Scharnovski disse que há contrapartidas para que o garoto siga com seu sonho de ser surfista profissional. Entre elas, estão as boas notas na escola, a dedicação ao aprendizado de língua estrangeira e o cuidado com a alimentação. Segundo ele, o filho "jamais vai deixar de surfar para ficar no celular".
Um quiosque com estrutura coberta para "estacionar" as pranchas, perto da plataforma, é um dos pontos de encontro da galera que surfa em Atlântida.
Arthur Luiz Siebel Silva, de 22 anos, recém tinha saído da água após uma hora de surfe. Ao lado da namorada, que o esperava, disse que o vento atrapalhou um pouco a formação das ondas.
— Se tivesse um pouco menos de vento, estaria melhor — ressaltou o fisioterapeuta, que surfava ao meio-dia, mas que diz que o melhor horário é o início da manhã.
— O ideal é 7h, 8h, porque o vento embala durante a manhã. O melhor é perto da plataforma, porque a onda se forma um pouquinho melhor — disse ele, ao lembrar que também gosta de surfar perto da plataforma de Tramandaí.
A namorada, Aléxia Scotá, 21 anos, estava sentada em uma cadeira de praia, bem perto da plataforma. Disse que já está acostumada com a rotina de ficar sozinha esperando Arthur.
— A gente vem no verão e no inverno para a praia e fica o dia inteiro. E ele fica no mar, e eu aqui, esperando ele — conta a estudante de Odontologia, que afirma ficar cuidando o namorado no mar.
Plataforma de Tramandaí
Mesmo não sendo o horário preferido dos surfistas, já se aproximava do meio-dia de segunda-feira (10) e havia dezenas deles perto da plataforma de Tramandaí. A boa formação das ondas fazia com que não ficassem tanto tempo parados ou remando para realização das manobras.
As roupas dentro da água eram as mais variadas — desde o long de borracha, geralmente usado em dias de mar gelado e clima frio, passando pelas lycras, até os que preferiam surfar sem camisa mesmo. A proteção contra o sol também era vista de longe. O produto preferido é o que permanece na pele por mais tempo, formando uma camada grossa que chega a parecer maquiagem.
A convivência com os pescadores é harmônica, segundo eles. As linhas e os anzóis estavam numa distância segura para ambos, quando GaúchaZH esteve por lá. Perto dali, lojas com produtos de surfe e locais oferecendo aulas do esporte reforçam o lugar como um dos principais picos do litoral gaúcho.
Gabriel Jobim Fronchitti, 36 anos, recém havia saído da água, depois de 50 minutos surfando, mas não estava deixando a praia. Foi trocar a roupa de borracha pela bermuda, por causa do calor, segundo ele. Morador de Tramandaí, o construtor diz que surfa todos os dias "quando tem onda".
— Essa semana toda foi vento Nordeste e castigou um pouco a gente. Hoje, tem umas ondas boas e a galera está toda na água — explicou.
Alexandre da Rosa Almeida, 46 anos, conhecido como Xandão, é surfista e proprietário de uma loja de artigos ligados ao esporte que fica quase em frente à plataforma de pesca de Tramandaí. Diz que instalou câmeras de segurança direcionadas para a plataforma, para dar maior sensação de segurança aos frequentadores. O serviço é gratuito e pode ser acompanhado em tempo real no site Ondas do Sul.
— Antigamente, os conflitos eram constantes. Hoje em dia são casos isolados, pois as câmeras vêm em benefício dos pescadores e surfistas — destaca Xandão.
Conforme o empresário, pescadores e surfistas convivem em harmonia, "pois ambos precisam do local para a prática de seu esporte e lazer". Sobre a escolha da plataforma para a prática do surfe, destaca:
— Nossa costa é desprovida de enseadas. E o vento é praticamente constante, o que torna o nosso mar mais agitado e com correnteza de sul ou de norte na maioria das vezes, de moderada a forte. Essas adversidades fazem com que fique quase impossível entrar no mar até onde as ondas estão se não contarmos com uma espécie de canal natural, que se forma nas laterais dos pilares e estacas das plataformas.
Praia da Cal
Torres é um dos municípios que conta com boas ondas. As praias da Cal, dos Molhes e da Guarita são alguns dos picos mais frequentados pelos surfistas. Um dos motivos é a presença de morros para contenção dos ventos e melhor formação das ondas. Na tarde de segunda-feira (10), GaúchaZH esteve na Praia da Cal e encontrou no mar e chegando para cair na água mais de 10 surfistas. É preciso cuidado para entrar com a prancha, em razão da grande quantidade de pedras. O salto com a prancha é feito da encosta do morro. Mas, para entrar, não basta querer: é preciso aguardar o momento certo da maré para não correr o risco de ser jogado de volta para as pedras.
Henrique Borges Teixeira, 34 anos, esperava a hora certa de cair na água.
— Aqui é bom de surfar. Hoje o vento está favorecendo. É vento Sul. Quando é Nordeste, o melhor é na ponta dos molhes (da Praia dos Molhes) — explica o surfista, ressaltando que, com o vento Nordeste, o risco é de ser jogado contra as pedras.
Segundo Teixeira, que também gosta de pegar onda na cidade catarinense de Garopaba, iniciantes no esporte devem evitar o surfe na Praia da Cal, em razão justamente dos riscos de acidentes que podem ocorrer nas pedras.
A vida dedicada ao surfe
Tiago Braga, 33 anos, já foi três vezes campeão gaúcho de surfe. É um fanático pelo esporte, como ele mesmo gosta de dizer. Morador de Torres desde os dois anos de idade, tem uma loja de artigos de surfe na cidade. Surfista desde os 14, viajou o mundo pegando ondas. Chegou ao terceiro lugar no ranking gaúcho profissional e ao sexto no ranking nacional da categoria Open (amador).
— Nossas praias (de Torres) são privilegiadas. A única praia do Rio Grande do Sul que tem um costão. Caso bata vento, tu consegue te proteger e pegar altas ondas em qualquer lugar — destaca.
Quando o mar está bom para o surfe, Braga chega a ficar até quatro horas na água. Caso contrário, as remadas duram uma hora, para conseguir pelo menos encaixar algumas manobras depois do drop. A experiência faz com que o olhar ao mar seja suficiente para saber se está favorável para o esporte.
Formação das ondas no RS
Professor das disciplinas de Oceanografia Física e de Climatologia do curso de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Francisco Aquino endossa o que dizem os surfistas. Realmente a formação das ondas é melhor perto de plataformas de pesca no mar do Rio Grande do Sul.
— Como a costa do Rio Grande do Sul é relativamente retilínea e suave, ao construirmos uma plataforma de pesca, essa obra vai gerar um efeito na distribuição dos sedimentos (areia), que se movem devido às ondas e às correntes longitudinais próximas à praia, formando bancos que diminuem a profundidade repentinamente para o swell (grupo de ondas bem organizadas em altura, forma e sequência). Logo, a onda empina mais e fica mais bela — detalha o geógrafo, mestre em Geociências e com doutorado em Climatologia e Mudanças Climáticas entre a Antártica e o sul do Brasil.
Em Torres, os morros também ajudam a formar melhores ondas.
— As ondas, ao se aproximarem da costa, tendem a convergir em direção aos promontórios rochosos em enseadas e baías, concentrando a energia das ondas nessa área. A Praia da Cal é um bom exemplo desse efeito, já que está entre dois promontórios (local composto por rochas elevadas e penhascos), os morros do Farol e das Furnas. Ali, a energia se concentra e proporciona ondas com maior esbeltez eventualmente — detalha o doutor.